Mamangavas furam as plantas para fazê-las desabrochar mais cedo, surpreendendo cientistas

Como de fato isso ocorre ainda é um mistério, mas se essa técnica for replicada pelos humanos, pode beneficiar a agricultura.

Por Virginia Morell
Publicado 5 de set. de 2020, 08:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Uma mamangava-de-cauda-amarela-clara entre flores na Inglaterra. Diversas espécies de mamangava estão em declínio devido às mudanças ...

Uma mamangava-de-cauda-amarela-clara entre flores na Inglaterra. Diversas espécies de mamangava estão em declínio devido às mudanças climáticas.

Foto de Stephen Dalton, Minden Pictures

AS MAMANGAVAS NÃO SOBREVOAM A ESMO os nossos jardins. Elas avaliam ativamente as plantas, identificando quais flores possuem mais néctar e pólen e deixando para trás marcas de odor que avisam quais flores já foram visitadas.

Agora, novo estudo revelou que as mamangavas estimulam o florescimento das plantas realizando pequenas incisões em suas folhas — uma descoberta que surpreendeu os cientistas especializados em abelhas.

“A minha primeira reação foi dizer: uau!”, conta Neal Williams, biólogo de abelhas da Universidade da Califórnia em Davis. “Depois me perguntei, como é que não sabíamos disso? Como pode ninguém ter visto isso antes?”

Consuelo De Moraes, ecologista química do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, teve a mesma reação quando uma de suas alunas, Foteini Pashalidou observou mamangavas-de-cauda-amarela-clara realizando pequenas incisões nas folhas das plantas da estufa. Não parecia que os insetos estavam carregando os pedaços de folhas para seus ninhos ou ingerindo-os.

Suspeitando que as abelhas estavam induzindo as plantas a florescer, a equipe organizou uma série de experimentos. Os resultados mostraram que, quando as fontes de pólen estão escassas, como dentro de uma estufa ou no início da primavera, as mamangavas podem induzir as plantas a desabrochar até um mês antes do normal.

A pesquisa é promissora por dois motivos. Primeiramente, há fortes indícios de que as mamangavas manipulam as flores, uma habilidade particularmente útil, já que o aquecimento global está fazendo com que os polinizadores surjam antes que as plantas floresçam. Os insetos dependem quase que exclusivamente do pólen para alimentação própria e de suas larvas no início da primavera.

Além de também poder impulsionar o suprimento de alimentos para os humanos: se os agricultores puderem fazer com que suas plantações floresçam mais cedo, a produção alimentar de algumas culturas pode aumentar.

Mestres da jardinagem

Para o estudo, De Moraes, Pashalidou — a autora principal — e colegas colocaram pés de tomate e de mostarda-preta ainda sem flores em gaiolas aramadas com colônias de mamangavas-de-cauda-amarela-clara carentes de pólen. Em seguida, removeram as plantas após as abelhas operárias realizarem de cinco a dez furos nas folhas.

As pequenas perfurações fizeram com que os pés de mostarda-preta florescessem duas semanas mais cedo do que o habitual, e os pés de tomate um mês antes do normal, de acordo com o estudo publicado na revista científica Science.

Os cientistas também colocaram colônias de abelhas alimentadas por pólen e outras carentes de pólen em gaiolas aramadas com plantas ainda sem flores para comparar seus comportamentos. As abelhas operárias das colônias alimentadas por pólen raramente danificaram as plantas, enquanto as abelhas das colônias carentes de pólen danificavam as plantas incansavelmente.

Para garantir que os resultados não fossem afetados pelas condições artificiais do laboratório, os cientistas colocaram colônias de mamangavas e uma variedade sem flores de uma espécie de plantas em seu terraço em Zurique no fim de março de 2018.

As abelhas — uma espécie europeia bastante comum — ficaram livres para procurar alimento. No entanto, começaram a danificar as folhas de todas as plantas ainda sem flores que estavam mais próximas de suas colmeias. O interesse das abelhas nessa atividade foi reduzido no fim de abril, quando mais flores locais desabrocharam — novamente estabelecendo que o comportamento das abelhas de furar as folhas é impulsionado pela disponibilidade de pólen, segundo os cientistas.

O experimento no terraço continuou até julho e os cientistas constataram que operárias silvestres de outras duas espécies de mamangava (B. lapidgrius e B. lucorum) visitaram o canteiro de plantas ainda sem flores para perfurar as folhas.

Resta observar se o comportamento ocorre em outras espécies de mamangava, existem mais de 250 delas em todo o mundo, segundo os autores.

Decifrando o código

O relacionamento mutuamente benéfico entre os insetos polinizadores e as flores remonta a cerca de 130 milhões de anos. As plantas fornecem alimento aos polinizadores, que, em troca, fertilizam suas flores.

Mas não há benefício para nenhum deles se não houver sincronia, então eles encontraram maneiras de se comunicar.

“É isso que esse estudo mostra”, diz Lars Chittka, ecologista comportamental da Universidade Queen Mary de Londres, que escreveu um ensaio anexado ao artigo da Science. “De certo modo, as abelhas estão sinalizando: Ei, precisamos de comida. Por favor, acelerem a floração e nós a polinizaremos.”

“É um tipo de comunicação altamente sofisticado”, acrescenta Santiago Ramirez, ecologista químico da Universidade da Califórnia em Davis, que não participou do estudo. “Parece que as abelhas decifraram o código que faz com que as plantas floresçam.”

Mas muitas dúvidas permanecem. Por que as incisões fazem as plantas florescerem?

E, pergunta Chittka, “A floração precoce leva a uma maior adaptação das plantas — ou seja, elas passam a produzir mais?”

Impulso para a agricultura?

Quando os autores do estudo utilizaram uma pinça de metal e uma navalha para reproduzir os buracos feitos pelas abelhas, as plantas floresceram mais cedo do que o normal, mas não tão cedo quanto após a intervenção das abelhas.

“Elas fazem algo que ainda não conseguimos identificar”, diz o coautor do estudo Mark Mescher, ecologista evolucionário também do instituto suíço. “Pode ser que elas introduzam um sinal bioquímico ou de odor” a partir de uma glândula salivar. “Esperamos conseguir descobrir.”

Essa descoberta pode criar uma maneira totalmente nova no cultivo de plantas, um benefício em potencial que será muito importante para a agricultura.

Para os especialistas em abelhas, o mais incrível do estudo é que ele começou com uma observação simples e antiga.

“Charles Darwin seguia abelhas por aí”, diz Williams. “Qualquer pessoa interessada em abelhas provavelmente passou horas observando-as nas flores. Mas provavelmente não em plantas que não estavam florescendo.”

Foi exatamente isso que Pashalidou fez — desvendando um fenômeno totalmente inédito.

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