Precisa espantar os urubus? A ciência está a seu lado

Enquanto centenas de urubus se aglomeram em uma escola nos EUA, muitos se indagam sobre como espantar essas aves. A ciência tem as respostas.

Por Elizabeth Anne Brown
Publicado 10 de fev. de 2021, 12:30 BRT
Urubus-de-cabeça-vermelha e seus parentes, os urubus-de-cabeça-preta, podem incomodar as pessoas. Mas cientistas afirmam que as aves ...

Urubus-de-cabeça-vermelha e seus parentes, os urubus-de-cabeça-preta, podem incomodar as pessoas. Mas cientistas afirmam que as aves são relativamente inofensivas e limpas — e, aliás, necessárias para eliminar a carniça.

Foto de Keith Ladzinski

POR MESES A FIO, um bando de mais de cem urubus-de-cabeça-preta se instalou no alto da escola de Ensino Fundamental de Opelika, no leste do Alabama, nos Estados Unidos. As aves observam os alunos ao chegar, voam lentamente em espiral durante a aula de futebol e sujam os holofotes do campo com fezes.

Apesar de inúmeras tentativas da diretoria, as aves sempre voltam, deixando alguns alunos incomodados ao passar próximos dos urubus todos os dias.

Em resposta a uma reclamação do superintendente da escola, um representante local do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (“USDA”, na sigla em inglês) recomendou atirar em diversas aves e pendurar seus corpos de cabeça para baixo em árvores próximas. Essas “efígies” balançando ao vento servem como aviso ao resto do bando para se manterem afastados, disse o representante do USDA, segundo um memorando de Gary Fuller, prefeito de Opelika.

Os membros da comunidade hesitaram, ressaltando que as aves desempenham um papel ecológico importante na eliminação de animais mortos e não representam ameaça aos alunos. Alguns até apreciam a proximidade dos urubus. Outros argumentam que deve haver uma maneira menos terrível de dispersar os carniceiros.

E a ciência está do lado deles. Desde o início da década de 2000, os pesquisadores desenvolveram um arsenal — na verdade, algo mais semelhante a uma caixa de brinquedos — de ferramentas para incentivar os urubus a voarem para longe de uma forma mais humana. É uma lista extensa que inclui fogos de artifício, canhões de ar e lasers. Bem-vindo ao mundo fantástico da dispersão de urubus.

Trabalho sujo da natureza

Duas espécies de urubus são as principais responsáveis pela limpeza de animais mortos na América do Norte: o urubu-de-cabeça-vermelha, de temperamento manso, e seu parente peralta, o urubu-de-cabeça-preta. Como carniceiros, são como “pequenos budistas do céu” fedorentos, afirma Amanda Holland, bióloga independente de animais silvestres e aficionada por urubus. “Essas aves quase não matam outros animais.”

E são limpas, apesar de suas práticas carniceiras e do interessante hábito de expelir vômitos com cheiro pútrido ao se sentirem ameaçadas. O estômago de um urubu secreta um suco gástrico extremamente ácido que neutraliza os patógenos ingeridos pelas aves ao devorarem a carcaça de animais atropelados e restos de predadores. Os urubus são imunes à lepra, cólera e antraz, e são essenciais à prevenção da propagação de doenças transmitidas por carcaças.

O maior incômodo, para algumas pessoas, são os danos materiais. Os urubus-de-cabeça-preta, que se reúnem em grupos de 25 a 400 aves, buscam estruturas altas para pousar, como torres, edifícios e linhas de transmissão. Às vezes, os urubus-de-cabeça-vermelha também se juntam ao bando. A elevada acidez de seus excrementos pode corroer metais com o passar do tempo, o que pode levar a quedas de energia em torres de transmissão elétrica, de acordo com o USDA.

A curiosidade desses animais também pode causar problemas, conta Holland. Algumas das travessuras mais comuns dos urubus são arrancar telhas de madeira, remover a vedação das janelas, redistribuir generosamente o conteúdo de latas de lixo pelo chão e arrancar a borracha de limpadores de para-brisas. Eles também têm apreciação especial por destruir objetos de PVC.

Apesar das travessuras, são adoráveis, afirma Holland. “Quando encontram uma corrente de ar quente, sobretudo em um dia com bastante vento, parecem estar simplesmente se divertindo como nunca lá em cima.”

Dois urubus-de-cabeça-preta na costa do Golfo da Flórida. Essa espécie gosta de se reunir em grandes ...

Dois urubus-de-cabeça-preta na costa do Golfo da Flórida. Essa espécie gosta de se reunir em grandes bandos.

Foto de Klaus Nigge

Algazarra

Os urubus são protegidos nos Estados Unidos pela Lei do Tratado de Aves Migratórias, que proíbe importuná-los ou matá-los até mesmo em propriedade privada. Os infratores estão sujeitos a multas de até US$ 15 mil e pena de até seis meses de prisão.

O USDA emite licenças especiais para importunar legalmente as aves em caso de incômodo, o que inclui até mesmo atirar em alguns indivíduos da espécie para utilizar seus corpos como efígies.

Efígies são práticas populares entre os gestores de animais silvestres do USDA desde 1999, quando pesquisadores desenvolveram projetos-piloto com carcaças liofilizadas de urubus-de-cabeça-vermelha como agente de dispersão em Ohio. Em um estudo de campo, houve uma redução superior a 90% nas populações de urubus que ficavam sobre torres de comunicação alguns dias após a colocação de uma efígie, e essas populações permaneceram baixas por meses após  remoção da efígie.

Mas efígies não são uma solução milagrosa, sobretudo quando se trata de urubus-de-cabeça-preta, afirma Bryan Kluever, biólogo do USDA que estuda as interações entre humanos e animais silvestres. Em 2012, um centro de educação infantil da Flórida pendurou três carcaças de urubus em árvores na tentativa de espantar um bando indesejado de centenas de urubus-de-cabeça-preta. As aves não saíram do local, o que não foi exatamente chocante aos pesquisadores que haviam observado o grupo devorar as carcaças de outros urubus mortos na propriedade.

“Para esses animais, algo suspenso pode se tornar subitamente uma espécie de atrativo ou brinquedo de enriquecimento”, afirma Bracken Brown, biólogo de animais silvestres do Hawk Mountain Sanctuary, santuário de aves silvestres localizado na Pensilvânia que monitora urubus nos Estados Unidos há mais de uma década. Os urubus são extremamente curiosos, conta ele, então é uma linha tênue entre o que as aves podem achar assustador e o que podem querer investigar.

Alguns gestores de animais silvestres recorrem a “balões com olhos maus”, balões plásticos inflados com hélio e pintados com olhos gigantescos, semelhantes a um predador enorme. Mas outros gestores apenas riem e enviam fotos de urubus mordiscando os balões.

Sprinklers ativados por movimento têm se revelado eficazes em telhados e ancoradouros de barcos. Mas água demais pode criar uma poça considerada perfeita pelos urubus para chapinhar e bebericar.

Lasers, outro método padrão do USDA, realmente funcionam, desde que alguém esteja disposto a permanecer um bom tempo no local passando a luz perto das patas de cada urubu, um por um. Quando os urubus formam grandes bandos, pode ser um processo trabalhoso.

Métodos de pirotecnia — fogos de artifício do tipo “vulcão” e “rojões” disparados de pistolas especializadas — também podem funcionar, mas precisam ser utilizados com frequência. São os métodos favoritos de aeroportos e a medida padrão do aeroporto Hartsfield-Jackson em Atlanta, o aeroporto mais movimentado do mundo.

Em dezembro, uma escola de ensino médio da Carolina do Norte montou um canhão de propano no telhado para espantar dezenas de urubus. Canhões de propano explodem a 130 decibéis, um som tão alto quanto ficar ao lado da sirene de uma ambulância. Após o uso repetido, os urubus foram embora, “mas parece que não foram para muito longe”, afirma Kristy Woods, professora de matemática da escola. “Parece que resolveram ficar em uma estação de metrô próxima.”

Urubus são criaturas de hábitos, enfatiza Brown, por isso, é importante interromper sua rotina antes que ela se solidifique. É necessário eliminar quaisquer atrativos, como lixeiras sem tampas ou ração exposta para animais de estimação, e fazer barulhos altos quando as aves empoleirarem.

Neste mês, cientistas do governo também planejam começar a testar bonecos birutas, aqueles bonecos que balançam inflados por um ventilador, geralmente usados em concessionárias de automóveis.

Atualmente, o USDA recomenda uma campanha multissensorial de choque e pavor para dispersar os urubus, ao menos quando as primeiras tentativas não funcionam. Essa iniciativa multifacetada é empregada no Aeroporto Regional de Gainesville, que utiliza canhões de ar, dispositivos antiempoleiramento e uma efígie.

“Nosso maior sucesso continua sendo a efígie”, afirma Shaun Blevins, gerente de operações do aeroporto experiente no ofício de dissuadir urubus. É um único urubu de taxidermia pendurado em uma antena no meio do campo de aviação, substituído anualmente a um custo de cerca de US$ 300, conta ele.

É uma pechincha, já que urubus-de-cabeça-preta foram responsáveis por mais de US$ 120 milhões em danos a aeronaves nos Estados Unidos entre 2010 e 2019, segundo a Administração Federal de Aviação do país.

O futuro da dispersão de urubus — e dos urubus

Conservacionistas acreditam que as iniciativas para mudar a imagem dos urubus de animais ameaçadores a animais essenciais tornem as pessoas mais dispostas a conviver com eles. Embora as populações de urubus-de-cabeça-preta e urubus-de-cabeça-vermelha estejam aumentando na América do Norte, seus parentes carniceiros estão ameaçados de extinção em grande parte do mundo.

Eliminar os urubus de um ecossistema pode provocar desastres. Na Índia, por exemplo, mais de 95% da população de urubus foi exterminada por envenenamento acidental causado por um medicamento veterinário aplicado em carcaças de vacas. Cães e ratos selvagens preencheram o lugar deixado vago pelos carniceiros, provocando um surto de casos de raiva humana.

As iniciativas de mudança da imagem, ao menos em Opelika, parecem estar surtindo efeito. Muitos atribuem ao Southeastern Raptor Centre, centro de aves de rapina nas proximidades de Auburn, o novo olhar sobre as aves, antes consideradas malignas pelos habitantes da região.

“Depois de conhecer nossas aves de rapina embaixadoras, as percepções sobre os urubus mudam rapidamente”, afirma Andrew Hopkins, educador do centro que cuida de aves como Melvin, urubu-de-cabeça-preta criado por humanos desde filhote. Melvin adora resolver quebra-cabeças para receber guloseimas e, apesar de sua envergadura de cerca de um metro e meio, pesa apenas 1,81 quilos.

Fuller, prefeito de Opelika, afirma que planeja se reunir nesta semana com os gestores locais de animais silvestres do USDA para tratar de táticas não letais — e menos terríveis. “A grande maioria das pessoas não quer que atiremos em nenhum urubu.”

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