Número de aves nas cidades aumentou após ‘lockdowns’ do início da pandemia

Algumas espécies de aves responderam rapidamente aos baixos níveis de atividade humana, mas ainda não se sabe se o retorno às áreas urbanas é benéfico ou não a essas aves.

Por Elizabeth Anne Brown
Publicado 7 de out. de 2021, 11:50 BRT
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Um búteo-de-cauda-vermelha voando de seu ninho no topo de um arranha-céu na cidade de Nova York. Espécies como a do búteo-de-cauda-vermelha foram avistadas com mais frequência em áreas urbanas durante os bloqueios da pandemia de covid-19.

Foto de Lincoln Karim, Nat Geo Image Collection

Embora as postagens que viralizaram sobre golfinhos retornando aos canais de Veneza durante os bloqueios realizados em 2020 fossem fake news, os memes sobre a recuperação da natureza não estavam totalmente errados. Segundo um estudo publicado recentemente no periódico Science Advances, a redução da atividade humana na primavera de 2020, após o surto de covid-19, provocou mudanças consideráveis nos padrões migratórios e nos habitats de aves nos Estados Unidos e no Canadá.

Em geral, muitas espécies de aves parecem ter sido favorecidas pelos bloqueios, podendo passar mais tempo em áreas urbanas e em suas proximidades, de acordo com o estudo. As espécies que mais pareciam desfrutar da interrupção das atividades humanas, ou pelo menos se aproximando mais da civilização, eram passeriformes, pardais nativos, águias-pesqueiras, águias-americanas e diversas espécies de patos e gansos.

A “antropausa”, como alguns cientistas denominaram a abrupta desaceleração do movimento humano durante a primeira fase de bloqueios, deu aos pesquisadores uma oportunidade sem precedentes de observar como os animais se comportam com menos interferência humana.

“A pandemia proporcionou uma oportunidade única — e que seja realmente a única — de compreender os efeitos do tráfego desses animais de forma independente dos efeitos do meio ambiente alterado pelo homem em uma escala que seria impossível em qualquer outra circunstância”, observa o autor do estudo Nicola Koper, professor de biologia da conservação na Universidade de Manitoba.

Os resultados do estudo sugerem que muitas espécies respondem rapidamente até mesmo a mudanças menos drásticas no tráfego humano, gerando consequências significativas para a conservação.  

Ciência cidadã 

Para reunir dados suficientes que viabilizassem conclusões relevantes, uma equipe de pesquisadores do Laboratório de Ornitologia da Universidade Cornell e diversas outras universidades canadenses precisaram realizar estudos em todo o continente norte-americano. Os pesquisadores colheram dados do popular aplicativo eBird, uma iniciativa de ciência cidadã liderada pelo Laboratório de Ornitologia da Universidade Cornell, que permite aos observadores de pássaros registrar seus avistamentos em uma plataforma de fácil acesso para educadores, cientistas e outros observadores de pássaros. 

O aplicativo eBird orienta os usuários por meio de uma lista de aves possíveis de serem vistas e ouvidas em sua área e indicam como coletar dados de hora e localização por meio do GPS do celular. (Como comentaram alguns usuários do Twitter, o aplicativo eBird é uma versão ornitológica do Pokédex, um banco de dados de Pokémon). Conforme os aplicativos de streaming foram perdendo a graça durante a pandemia, as pessoas passaram a deixar de lado os celulares para olharem pela janela. Assim, os bloqueios produziram um grande aumento no número de observadores de aves. As pesquisas do eBird indicam um aumento de 29% no número de usuários do aplicativo entre janeiro e setembro de 2020.   

Mas para que os pesquisadores pudessem se certificar que seus cientistas cidadãos sabiam a diferença entre as espécies de Quiscalus e de Sphyrapicus, o estudo incluiu apenas pesquisas de pessoas que já haviam registrado avistamentos no aplicativo durante a primavera do Hemisfério Norte nos três anos anteriores.

Os pesquisadores avaliaram dados de cada condado nos Estados Unidos e de cada divisão de recenseamento do Canadá. Os condados e divisões precisavam ter três atributos básicos: um aeroporto internacional, um número mínimo de 50 mil residentes e pelo menos 200 listas de verificação do eBird entre março e maio de 2020. Mesmo com esses pré-requisitos rigorosos, quase 89 mil listas de verificação do eBird — e 4,3 milhões de observações de pássaros individuais — registradas entre 2017 e 2020 foram qualificadas para o estudo.  

Em seguida, as informações sobre os movimentos de nossas amigas aves foram cruzadas com as informações sobre a atividade humana em formato de dados de movimento agregado oferecidos pelo relatório de Mobilidade Comunitária referente à covid-19 fornecido pelo Google, que detectou a redução da atividade humana em cada condado.

Pássaro da cidade, pássaro do campo 

Das 82 espécies de pássaros identificadas no estudo, 66 mudaram seu comportamento durante o primeiro semestre de 2020 em comparação com os anos anteriores.

Os grandes “vencedores” da pandemia — ou melhor, os grandes perdedores em tempos normais de atividade humana — foram os passeriformes e os pardais nativos. Essas espécies aumentaram o uso de habitats alterados pelo homem em toda a extensão, aventurando-se a voar mais perto de aeroportos e estradas principais no período em que os voos foram cancelados e havia menor circulação de carros.

Isso é curioso porque “esses dois grupos juntos representam uma grande porcentagem no declínio da população de aves”, explica Koper — eles são quase 50% dos 3 bilhões de aves desaparecidas na América do Norte desde a década de 1970. Tudo o que aprendemos sobre como tornar o habitat mais acolhedor para eles é “muito importante para o controle da conservação”, afirma Freda Fengyi Guo, estudante de pós-graduação em Princeton que estuda ecologia e paradas migratórias das aves e não participou do estudo.

Um búteo-de-cauda-vermelha planando sobre as ruas da cidade de Nova York. Muitas espécies se adaptaram rapidamente à “antropausa” e mudaram seu comportamento em apenas algumas semanas. 

Foto de Lincoln Karim, Nat Geo Image Collection

No extremo oposto dessa condição, pássaros urbanos, como o pombo-comum e o pardal, aparentemente não sentiram os efeitos da redução da atividade humana causada pela pandemia. “Eles simplesmente não aparentaram se importar com a mudança”, conta Koper. “Evidentemente essas espécies vivem felizes em nossas cidades.”

Duas aves de rapina icônicas — a águia-pesqueira e a águia-americana — parecem ter procurado intencionalmente áreas com menos agitação humana. “Na verdade, essas espécies se mudaram de condados onde eram naturalmente mais abundantes para condados que aplicaram bloqueios mais rígidos”, diz Koper. “Elas viajaram por todo o país passando por esses condados mais seguros... foram milhares de quilômetros de distância das regiões onde normalmente vivem.”

Quanto aos búteos-de-cauda-vermelha, outra ave de rapina comum, o estudo revelou que se aventuravam em áreas urbanas com mais frequência durante os isolamentos forçados, mas eram avistados com menos frequência nos arredores de estradas principais. Uma das mudanças mais drásticas foi nas observações do beija-flor–de-pescoço-vermelho, que passou a ser três vezes mais comum em áreas próximas de aeroportos. A teoria de Koper é de que os beija-flores podem ter aproveitado a oportunidade para saborear o néctar dos jardins residenciais próximos sem serem incomodados pelos aviões.  

Várias espécies de patos e gansos também podem ter se beneficiado de maneira considerável com as interrupções de atividades humanas, principalmente por terem ocorrido no período de pico de migrações dessas espécies. “Esse comportamento não era necessariamente esperado”, observa Koper. “Acredito que, pelo fato de vermos gansos e patos com mais frequência convivendo com os humanos, tendemos a pensar que eles são mais resistentes à presença humana.”

Medidas paliativas para aves e soluções sustentáveis 

Koper disse que achou os resultados do estudo promissores no que diz respeito a conservação e gestão. “Levou pouquíssimo tempo para que as aves mudassem seus comportamentos”, explica o biólogo. “Foi possível observar essas tendências de mudança em apenas algumas semanas.”

E, embora certamente parecesse uma diferença drástica na época, o tráfego humano foi reduzido apenas em uma média de 8 a 20% com as medidas de bloqueio mais restritas, o que representa uma redução relativamente modesta de circulação. “Se, como sociedade, decidíssemos mudar nosso comportamento para reduzir os transtornos ecológicos que causamos às aves, causaríamos um impacto positivo de maneira quase imediata”, diz Koper.

John Swaddle, professor de biologia e diretor do Instituto de Conservação Integrativa na Faculdade de William e Mary, descreve o estudo como uma “bela amostra em grande escala” dos impactos da atividade humana no uso da terra pelas aves. Mas o professor adverte que “paralisações de atividades humanas em grande escala não são soluções sustentáveis para a crise de extinção que estamos infligindo ao planeta”. E os esforços para amenizar ruídos ou melhorar a tecnologia são apenas “paliativos... tratam os sintomas, mas não as causas”, observa Swaddle. 

Amber Roth, professora assistente da Universidade de Maine que pesquisa soluções de conservação acrescenta que, embora tenha sido adorável ver uma mariquita-amarela no campus durante os bloqueios de 2020, “o barulho e a agitação das pessoas nas cidades podem livrar as aves de situações que podem colocar as vidas das espécies em risco”.

Os autores do estudo concordam que é muito cedo para afirmar se a “antropausa” trouxe algum aspecto positivo para a conservação das aves em geral. Na verdade, o retorno repentino aos níveis normais de atividade humana após o fim dos bloqueios pode ter criado “armadilhas ecológicas” para aves que escolheram nidificar em áreas temporariamente hospitaleiras na temporada de reprodução da primavera.

“Colisões com janelas de edifícios, gatos ao ar livre, grande número de predadores de pássaros e outros fatores podem prejudicar a sobrevivência de aves que se aventuraram na paisagem urbana e que provavelmente permaneceram como ameaças durante a pandemia de covid-19”, explica Roth. “Mais pesquisas são necessárias para entender as consequências das atividades humanas urbanas e para entender se atrair mais pássaros para as cidades é positivo ou não.”

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