Mudanças climáticas estão reduzindo populações de aves amazônicas
Dados coletados ao longo de décadas demonstram que aves tropicais estão desenvolvendo asas mais longas e corpos menores.
Este uirapurú-da-guiana, conhecido por seu canto característico, é uma das muitas espécies de aves da floresta amazônica afetadas pelas mudanças climáticas. Pesquisadores analisaram 77 espécies com base em dados coletados ao longo de quatro décadas, de 1979 a 2019. Nesse período, a temperatura média da região aumentou e a precipitação diminuiu.
A floresta amazônica é um lugar tão intocado quanto a maioria das pessoas pode imaginar. Contudo, os efeitos de um clima em constante mudança também estão se manifestando nesse ecossistema. Agora, pesquisas sugerem que muitas das espécies de pássaros mais sensíveis da região estão começando a evoluir em resposta ao aquecimento.
Pesquisas anteriores constataram que algumas populações de aves que habitam a Amazônia intacta — a maior floresta tropical do mundo — estão sofrendo declínios que podem estar relacionados às mudanças climáticas. O novo estudo examinou quatro décadas de dados sobre diversas espécies de pássaros e descobriu que, conforme a estação seca da Amazônia ficou mais quente e árida, algumas espécies parecem estar passando por alterações físicas.
O cabeça-branca foi uma das aves não migratórias relatadas no estudo. Quase metade das espécies perdeu peso desde 1980, em parte porque pode ser mais fácil para os pássaros menores controlarem a temperatura corporal. Menor disponibilidade de alimentos também pode ser um fator.
As aves são frequentemente consideradas espécies sentinelas, que indicam a saúde geral de um ecossistema. Desta forma, os cientistas se interessam em como estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas. Em geral, as notícias não têm sido boas. Por exemplo, um relatório de 2019 produzido pela National Audubon Society informou que mais de dois terços das espécies de aves da América do Norte estarão vulneráveis à extinção até 2100 se as tendências de aquecimento seguirem avançando como atualmente.
Para o novo estudo, os pesquisadores coletaram o maior conjunto de dados até o momento sobre as aves da Amazônia, representando 77 espécies não migratórias ao longo de 40 anos, de 1979 a 2019. Foi relatado em 12 de novembro na revista científica Science Advances que 36 espécies perderam peso de forma significativa, 2% de seu peso corporal por década desde 1980. Ainda, todas as espécies demonstraram alguma diminuição na massa corporal média, ao passo que um terço delas desenvolveu asas mais longas.
Durante o período do estudo, a temperatura média da região aumentou e a precipitação diminuiu. As temperaturas aumentaram um grau Celsius durante a estação chuvosa e em 1,65 grau Celsius na estação seca. A precipitação aumentou 13% na estação das cheias, mas diminuiu 15% durante a estiagem, tornando o clima mais quente e seco em geral.
Segundo os pesquisadores, essas mudanças climáticas coincidiram com alterações na constituição das aves, tendo o clima mais seco como explicação.
“Trata-se de um artigo valioso e fascinante baseado em 40 anos de dados, um feito praticamente inédito nos trópicos”, disse Cagan Sekercioglu, Explorador da National Geographic, fotógrafo e ornitólogo da Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Utah, em Salt Lake City, por e-mail.
Devido ao “longo período do estudo e ao grande tamanho da amostra, os autores conseguiram mostrar os efeitos morfológicos das mudanças climáticas nas aves tropicais da região”, explicou Sekercioglu, que não participou da pesquisa.
De caças a aviões planadores
Os pesquisadores se concentraram em espécies de aves não migratórias, o que permitiu descartar fatores como a exposição a diferentes habitats como a causa das alterações físicas. Os pássaros do estudo passam a vida toda na vegetação intocada, logo abaixo da copa das árvores. Sendo assim, a degradação do habitat também não exerce influência.
Então, por que os pássaros estariam desenvolvendo corpos menores e asas mais longas?
Os próprios pesquisadores não têm certeza das vantagens que uma alteração no comprimento das asas poderia proporcionar às aves, mas aves menores podem controlar a temperatura corporal com mais facilidade. Em geral, animais menores têm uma proporção maior de área de superfície em relação ao tamanho do corpo, de modo que dissipam mais calor mais rápido do que animais maiores. Menor disponibilidade de alimentos, como frutas ou insetos, em climas mais secos pode contribuir para corpos menores.
A comparação com aeronaves pode oferecer uma explicação para as asas mais longas, diz o ecologista Vitek Jirinec, do Integral Ecology Research Center, em Blue Lake, Califórnia, que liderou o novo estudo.
“Pense em um avião caça”, diz Jirinec. Tem asas curtas e é pesado. “Ele precisa voar muito rápido para se sustentar no ar, então gasta bastante energia”, explica ele. “Um planador quase não usa energia para se sustentar porque tem asas longas e é leve.”
Sekercioglu considerou o efeito no comprimento das asas surpreendente, observando que ele ressalta a necessidade de mais estudos em outras áreas tropicais para entender como e por que as aves residentes estão respondendo às mudanças climáticas com asas mais longas.
Um pesquisador examina as asas de um pássaro conhecido como galinha-do-mato. Um terço das espécies no estudo desenvolveram asas mais longas desde 1980. Uma explicação possível é que asas mais longas facilitam o planar, reduzindo a quantidade de energia utilizada no voo.
Os resultados também ecoam descobertas para pássaros da floresta que vivem próximo ao solo e no solo, em um artigo publicado em outubro de 2020 no periódico Ecology Letters, liderado pelo ecologista aviário Philip Stouffer, da Universidade Estadual de Louisiana, em Baton Rouge, que pesquisa aves na Amazônia desde 1991.
Stouffer e a grande maioria da equipe do estudo fazem parte do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais do Instituto Smithsoniano, que estuda a fragmentação da floresta tropical. Em 2008, Stouffer e seus alunos perceberam que não estavam vendo os mesmos pássaros que haviam visto nos anos anteriores durante a coleta de dados. Eles decidiram começar a coletar os mesmos tipos de dados coletados na década de 1980, permitindo-lhes comparar medições de temperatura, precipitação e populações de pássaros ao longo do tempo.
O trabalho de Jirinec e colegas “representa um dos muitos estudos que examinou os efeitos das mudanças climáticas nas aves que residem nos trópicos”, afirma Sekercioglu.
“Como a maior parte dos ornitólogos e do financiamento de pesquisas do mundo se concentra em países desenvolvidos que são, em sua maioria, de clima temperado, há muito menos pesquisas sobre as aves dos trópicos, apesar de elas representarem a grande maioria das espécies de aves do mundo”, comenta Sekercioglu.
Em um dos poucos estudos em longo prazo sobre aves tropicais, o trabalho de Sekercioglu com o colega Bill Newmark, curador de pesquisa e biólogo conservacionista do Museu de História Natural de Utah, em Salt Lake City, revisou 30 anos de dados sobre 22 espécies e constatou que, à medida que as temperaturas aumentavam, o crescimento populacional diminuía.
Uma história um pouco diferente
Embora a maioria de nós provavelmente pense em araras vistosas e outras espécies coloridas como representativas de aves da floresta tropical, a maioria é “bastante indefinida e inclui pássaros das famílias Grallariidae, Formicariidae, Thamnophilidae e Furnariidae, todos com plumagem marrom”, diz Jirinec. Essas aves são “os verdadeiros símbolos da Amazônia intacta porque são altamente sensíveis à perturbação da floresta”.
Os pássaros da família Grallariidae, por exemplo, “se parecem com um ovo sobre palafitas”, diz ele, e o uirapurú-da-guiana é um pequenino pássaro de cor ferrugem que mais se parece com uma bolinha de plumas e possui um canto alto e persistente. Eles estão entre os pássaros que desenvolveram asas mais longas e corpos menores ao longo das gerações.
Para aqueles que se perguntam por que uma alteração mínima na constituição de um pequeno pássaro poderia ser importante, Jirinec aponta para o fato de que nossas ações têm consequências que nem sempre enxergamos — como alterações no tamanho e na forma física de animais do outro lado do mundo.
“Pensamos na Amazônia como um símbolo da biodiversidade terrestre, um lugar misterioso, cheio de vida, intocado pelas pessoas, inatingido pelo desmatamento”, conta Jirinec. “Mas parece que não é bem assim.”