‘Dory’ é reproduzida em cativeiro pela primeira vez

A reprodução do popular cirurgião-patela em cativeiro é um passo importante para proteger os peixes selvagens e os recifes de práticas destrutivas.

Por Ret Talbot
Atualmente, todos os cirurgiões-patela em aquários, como este, foram capturados na natureza.

Atualmente, todos os cirurgiões-patela em aquários, como este, foram capturados na natureza.

Foto de Joël Sartore, National Geographic
Disney+ estreia no Brasil em 17 de novembro e traz até você Disney, Pixar, Marvel, Star Wars e National Geographic, tudo em um só lugar.

PARA O BIÓLOGO KEVIN Barden, os cirurgiões-patela são uma obsessão desde que tinha cinco anos de idade, quando ficou cara a cara com um desses peixes no New England Aquarium, em Boston, nos Estados Unidos. Agora com 29 anos, ele desempenha um papel importante na descoberta do método de criação em cativeiro dessa conhecida espécie.

O Laboratório de Aquicultura Tropical da Universidade da Flórida, juntamente com a Rising Tide Conservation, anunciou que cirurgiões-patela — ou peixes Dory, como são chamados pelos fãs do filme da Disney — foram reproduzidos em cativeiro pela primeira vez.

“Essa novidade pode ajudar a reduzir a superexploração da espécie e a combater crimes contra a vida selvagem associados ao uso de cianeto no comércio de peixes de água salgada destinados a aquários”, diz o biólogo Andrew Rhyne. Ele foi um dos vencedores do Wildlife Crime Tech Challenge deste ano, patrocinado pela National Geographic e outras entidades, por encontrar uma forma mais eficaz de monitorar o comércio de peixes marinhos destinados a aquários.

Não se sabe quantos cirurgiões-patela são retirados dos recifes de coral todos os anos em todo o Indo-Pacífico para serem colocados em aquários de água salgada. Não se conhece o nível de destruição anual provocado por práticas de pesca destrutivas — em especial o uso de cianeto para atordoar os peixes e facilitar sua captura — comumente associadas à captura de cirurgiões-patela. Não é possível especificar a repercussão que o filme Procurando Dory teve nas vendas de cirurgiões-patela.

Mas os dados disponíveis sugerem que há motivo para preocupação.

Todos os cirurgiões-patela atualmente em aquários foram retirados de recifes, e de acordo com alguns pesquisadores e organizações não governamentais, muitos deles foram capturados ilegalmente. Uma lei dos Estados Unidos para a proteção de espécies selvagens, conhecida como Lei Lacey, torna ilegal a importação para o país de qualquer cirurgião-patela capturado ilegalmente no exterior, mas falta transparência no comércio e a maioria dos crimes passa despercebida.

O problema envolvendo cirurgiões-patela capturados na natureza

Barden inclina-se sobre um aquário de fibra de vidro de 2,6 mil litros em uma estufa úmida no Laboratório de Aquicultura Tropical em Ruskin, na Flórida. É abril de 2016, e Barden, especialista em aquicultura de espécies marinhas, fala apaixonadamente sobre os habitantes do tanque. Seus olhos seguem os pontinhos azuis brilhantes e o nado elegante de dois cirurgiões-patela adultos do Pacífico — espécie à qual ele vem dedicando grande parte de sua vida profissional desde 2012.

O cirurgião-patela é uma espécie popular e de alto valor para aquários. Dados sobre o comércio mostram que, das quase 2,3 mil espécies de peixes de água salgada destinados a aquários importadas para os Estados Unidos, os cirurgiões-patela ocupam o décimo lugar, em parte devido às suas cores atraentes e por ser relativamente acessível do ponto de vista econômico. De acordo com o banco de dados sobre Biodiversidade e Fluxo de Comércio Marinho para Aquário, mais de 130 mil cirurgiões-patela chegaram ao mercado norte-americano em 2009, e como geralmente se considera que os Estados Unidos representam cerca da metade do comércio global de peixes de aquário, o número total de cirurgiões-patela que chegam ao mercado mundial provavelmente ultrapassa 250 mil por ano. Esse número não inclui peixes que morrem no início da cadeia de suprimento e, portanto, não são contabilizados nos melhores dados comerciais disponíveis.

“O número real de cirurgiões-patela capturados globalmente pode ser muito maior”, diz Rhyne. “É simplesmente impossível saber devido à escassez de dados sobre a atividade.”

Como os cirurgiões-patela se reproduzem facilmente e ocupam uma extensa área, eles não correm risco de extinção. No entanto a pesca predatória localizada é um problema sério. Relatos esporádicos de seu desaparecimento em alguns locais da Indonésia, o principal país de origem, são bem documentados. Embora os cirurgiões-patela fossem comumente coletados em recifes de Bali há 20 anos, hoje os pescadores contam que precisam ir mais longe para encontrá-los. Em 2015, até um terço dos cirurgiões-patela provenientes da Indonésia vieram da Papua Ocidental, uma zona pesqueira aberta apenas em 2014. E como a pesca começou na Papua Ocidental sem nenhum dado de referência sobre os números da população ou saúde dos recifes, os efeitos das capturas são desconhecidos.

Além dos efeitos do comércio de peixes para aquários nas populações de cirurgiões-patela, existe uma preocupação em relação aos recifes onde habitam. Normalmente são utilizadas técnicas de pesca destrutivas e ilegais na captura dessa espécie — e talvez isso ocorra de forma desproporcional devido ao seu habitat preferido.

A mais notória é o uso de cianeto para atordoar os peixes. Quando um pescador joga cianeto em um cirurgião-patela que se refugiou em uma cabeça ou fenda de coral no recife, a substância danifica ou mata o coral e outros invertebrados próximos.

Embora as pessoas envolvidas no comércio de peixes para aquários discutam o problema do cianeto há décadas, seu uso — ilegal na maioria dos países — ainda é muito comum nas Filipinas e na Indonésia, de onde são obtidos mais de 80% dos peixes de água salgada destinados a aquários e importados para os Estados Unidos todos os anos.

mais populares

    veja mais

    Esses cirurgiões-patela no Laboratório de Aquicultura Tropical da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, estão entre os primeiros 27 a nascerem em cativeiro.

    Foto de Tyler Jones.

    Desvendando o mistério

    “Começamos a trabalhar com o cirurgião-patela em 2010”, conta Judy St. Leger, presidente da Rising Tide Conservation, organização sem fins lucrativos dedicada à conservação de recifes de coral que ajudou a financiar a pesquisa. “Essa espécie foi uma das diversas identificadas pelos atuantes da Rising Tide como sendo especialmente apta para a aquicultura devido às preocupações relacionadas à forma como é capturada, ao potencial para bom retorno do investimento aos produtores comerciais e à dificuldade em criar uma espécie com ovos tão pequenos.”

    A reprodução de peixes de recifes tropicais, como os cirurgiões-patela, é muito mais complexa do que a da maioria dos peixes de água doce. Essa é uma das razões pelas quais o comércio de peixes de água salgada, ao contrário do comércio de peixes de água doce, envolve principalmente peixes capturados na natureza.

    Biólogos que trabalham com aquicultura de peixes de recife costumam dizer que o desafio de reprodução e criação desses peixes se equipara a “desvendar um mistério”. Quando desvendamos o mistério de uma espécie, as descobertas podem ser compartilhadas com pessoas que têm interesse comercial na sua reprodução.

    Hoje, cerca de 14% das quase 2,3 mil espécies de água salgada comercializadas para exibição em aquários são reproduzidas e criadas com sucesso em cativeiro, mas apenas cerca de 1% é normalmente disponibilizado a aquaristas como animais de aquicultura. Como os peixes silvestres costumam ser muito baratos, o custo de ampliar um programa de reprodução comercial bem-sucedido se torna um obstáculo à criação em escala comercial.

    Outro motivo para a baixa porcentagem de peixes de aquário de água salgada reproduzidos por aquicultura é a dificuldade em criar determinadas espécies. Fazer com que os peixes desovem em cativeiro e produzam ovos é apenas o primeiro passo. Os ovos de cirurgiões-patela são lançados na água, onde começam uma jornada arriscada que dura mais de um mês antes de finalmente se estabelecerem em um recife.

    Descobrir como alimentar esses peixes na fase larval é complicado, especialmente porque as drásticas metamorfoses que finalmente os transformam em peixes jovens requerem tipos específicos de alimento em cada estágio do desenvolvimento. Criar diferentes espécies de minúsculos crustáceos e outros zooplânctons em quantidade suficiente pode representar outro mistério a ser desvendado.

    ‘Território desconhecido’

    Barden ficou animado quando chegou ao trabalho em 20 de junho deste ano. Havia centenas de larvas de cirurgiões-patela em seu tanque de criação de larvas e elas eram mais desenvolvidas do que qualquer outra que ele já vira em cativeiro.

    “Estávamos oficialmente entrando em um território desconhecido”, comenta. Ele havia iniciado com mais de 50 mil ovos cerca de 25 dias antes, mas as perdas diárias começaram a reduzir esse número substancialmente. “Foi como andar de montanha-russa e eu não curto montanhas-russas”, conta ele.

    Na manhã de 4 de julho, Barden olhou para o tanque e viu um grupo de cirurgiões-patela perto do fundo, o que significava que haviam se assentado — um marco no desenvolvimento dos peixes e um bom presságio para sua sobrevivência. Pouco mais de uma semana depois, os peixes no fundo do tanque começaram a exibir alguns dos primeiros matizes de azul, tornando-se “bebês Dory” facilmente reconhecíveis até mesmo para olhos leigos. Temos todos os motivos do mundo para acreditar que esses 27 peixinhos continuarão a crescer. O mais importante, diz Barden, é que o mistério foi decifrado. “A verdade é que o resultado seria o mesmo, independentemente se tivéssemos um ou 10 mil peixes azuis. Isso significa que a nossa pesquisa evoluiu.”

    O sucesso da Rising Tide Conservation e do Laboratório de Aquicultura Tropical pode começar a mudar o cenário da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada de peixes destinados a aquários. Da mesma forma que a aquicultura comercial lucrativa e em grande escala do peixe cardinal-bangai (Pterapogon kauderni), outro queridinho dos aquários de água salgada, contribuiu para aumentar a espécie quase que da noite para o dia, a grande disponibilidade de cirurgiões-patela criados em cativeiro poderia transformar o comércio da espécie.

    Hoje, o peixe cardinal-bangai criado por aquicultura domina o comércio dos Estados Unidos em grande parte porque a Petco e seu fornecedor, a Quality Marine, realizaram um trabalho em conjunto para deixar de lado os lucros de curto prazo e promover mudanças ao estabelecer preços competitivos entre o cardinal-bangai proveniente da aquicultura e o capturado na natureza.

    Se o mesmo acontecer com o cirurgião-patela, a pesca predatória localizada pode acabar ou diminuir e muitos dos incentivos para pesca com o uso de cianeto podem ser eliminados. O resultado seria cirurgiões-patela mais robustos e fáceis de manter em aquários, uma recuperação das populações silvestres e bem menos danos aos recifes.

    Nota do editor: esta reportagem foi publicada originalmente em julho de 2016.
     

    mais populares

      veja mais
      loading

      Descubra Nat Geo

      • Animais
      • Meio ambiente
      • História
      • Ciência
      • Viagem
      • Fotografia
      • Espaço
      • Vídeo

      Sobre nós

      Inscrição

      • Assine a newsletter
      • Disney+

      Siga-nos

      Copyright © 1996-2015 National Geographic Society. Copyright © 2015-2024 National Geographic Partners, LLC. Todos os direitos reservados