Imagens inéditas revelam ondas gravitacionais em colisão de estrelas de nêutrons
A descoberta já está ajudando astrônomos a resolver um debate acalorado sobre as origens cósmicas de metais como ouro e prata.

Há cerca de 130 milhões de anos, duas estrelas mortas colidiram violentamente e desencadearam uma sequência de eventos que, nos últimos dois meses, deixaram os astrônomos em um frenesi absoluto.
Em coletivas de impressa por todo o planeta, cientistas anunciaram hoje a primeira detecção de ondas gravitacionais criadas por duas estrelas de nêutron ao se colidirem.
A primeira teoria sobre as ondas gravitacionais foi criada por Albert Einstein em 1916 e consiste que elas são torções ou distorções na malha de espaço-tempo causadas por eventos cósmicos extremamente violentos. Até agora, todas as detecções confirmadas envolviam uma dança entre dois buracos negros, que não deixaram nenhuma assinatura visível no céu.
Com este último evento, no entanto, equipes usando cerca de 100 instrumentos em 70 observatórios foram capazes de rastrear e ver o cataclismo em múltiplos comprimentos de ondas de luz, permitindo aos astrônomos examinar a fonte dessas ondulações cósmicas pela primeira vez.
“Nós vimos um fenômeno totalmente novo que nunca antes visto por humanos”, diz Andy Howell, da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara. “É algo impressionante que talvez não seja replicado durante nossas vidas”.
Diferente das colisões de buracos-negros, estrelas de nêutron quebradas expelem detritos metálicos e radioativos que podem ser vistos por telescópios – se você souber quando e onde procurar.
“Sentimos o universo tremendo pela fusão de duas estrelas de nêutron, e isso revelou para onde devíamos apontar nossos telescópios", diz Howell, cujo time estava entre os muitos que caçaram as estrelas envolvidas no sinal da onda gravitacional.
Cerca de 3,5 mil pessoas participaram da detecção de ondas gravitacionais e do estudo forense astrofísico subsequente; os resultados do enorme projeto estão relatados em 40 artigos que aparecem em várias revistas científicas, incluindo Science e Physical Review Letters.
As observações em conjunto ajudam os astrônomos a verificar algumas teorias de longa data na física e a resolver um debate sobre a origem do ouro e outros elementos pesados no cosmos – descobertas agora possíveis pelo campo recente da astronomia da onda gravitacional.
Hora de aventura
A primeira, embora indireta, evidência para a existência de ondas gravitacionais surgiu em 1974. Mas revelar, de fato, as ondas foi algo ininteligível por décadas, porque a quantidade de distorção do espaço-tempo na Terra é minúscula – na ordem de uma fração da largura de um núcleo atômico.
Para tentar detectar essas mudanças ridiculamente pequenas no cosmos, os pesquisadores criaram o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (Ligo, na sigla em inglês). Os detectores gêmeos do observatório utilizam os lasers para medir pequenas mudanças na distância criada entre pares de espelhos quando as ondas gravitacionais se espalham sobre a Terra; um terceiro detector, administrado pela equipe europeia Virgo, agora faz o mesmo.
No início de 2016, cientistas do Ligo anunciaram um avanço: seus instrumentos altamente sensíveis haviam finalmente capturado sua caça. Desde então, o Ligo confirmou mais três eventos, cada um criado por buracos negros, e os líderes da equipe receberam o Prêmio Nobel de física em 2017.

Mas no início da manhã de 17 de agosto, os detectores do Ligo registraram algo novo. As ondas gravitacionais que alternavam a distância entre esses pares de espelhos continham pistas reveladoras, sugerindo que a fonte não eram buracos negros, mas a fusão de estrelas mortas.
Dois segundos depois que os sinais abalaram os detectores do Ligo, o telescópio espacial de raios gama Fermi, da Nasa, capturou um flash de raios gama vindos da mesma região geral do céu que o sinal do Ligo. Com apenas alguns segundos, o flash pareceu um curto estouro de raios gama – o tipo de explosão cósmica cuja produção se atribui à colisão de estrelas de nêutrons.
Coincidência? A equipe Ligo-Virgo não pensou assim. O time enviou um aviso ao mundo astronômico, dizendo aos observadores que se atuassem rapidamente, poderiam examinar os destroços deixados pela aniquilação mútua das estrelas e, pela primeira vez, observar as consequências das ondas gravitacionais nascendo.
Esse sinal desencadeou observações por equipes de todo o mundo, todas contribuindo para juntar as peças desse quebra-cabeça cósmico. Mas primeiro, era crucial que as equipes soubessem para onde apontar todo os seus glamorosos hardwares.
Dança das estrelas
Eis que entra na saga Charlie Kilpatrick, pós-doutor na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. Depois que a onda gravitacional e os disparadores de raios gama chegaram, Kilpatrick e seus colegas rapidamente começaram a pesquisar um monte de galáxias na mesma região da fonte dos novos sinais.
Eles tinham à disposição um pequeno e despretensioso telescópio de chão no Chile, e assim que o céu do país sul-americano escureceu, planejaram mirar em cada uma dessas galáxias e procurar sinais de atividade. Mas precisavam ser rápidos: aquela porção do céu só seria visível por uma hora ou duas antes de desaparecer do horizonte.
Cerca de 10 horas após o alerta LIGO-Virgo disparar, a quinta galáxia olhada por Kilpatrick se destacou com um ponto brilhante que não existia antes – uma pista de que algo dramático tinha acontecido. A equipe enviou um telegrama alertando outros para a descoberta. Dentro de 42 minutos, outros cinco grupos, incluindo Howell, já tinham a galáxia na mira.

“Entender o quanto isso é importante demorou um pouco para mim", diz Kilpatrick.
Nos dias seguintes, uma frota de observatórios se juntou ao estudo. Por semanas, a fonte das ondas gravitacionais, próximas à margem de uma galáxia oval chamada NGC 4993, era o ponto mais estudado no céu.
Naquela região do espaço, duas estrelas de nêutrons estavam em espiral há séculos, passando por uma dança sem descanso, destinada a acabar em uma morte, ainda mais violenta. Milhões de anos na fabricação, seu efeito letal estava tão furioso que entortou e distorceu a malha cósmica do espaço-tempo, gerando as ondas gravitacionais que eventualmente nos alertaram para seu desaparecimento.
Teoria do Big Bang
Graças ao rápido trabalho de detetive, os cientistas foram capazes de estudar a explosão pelo espectro eletromagnético com tudo, de ondas de rádio a raios-gama.
Essa colisão agora resolve um longo debate sobre a origem dos elementos pesados da tabela periódica: metais preciosos, incluindo ouro e platina, e coisas como o neodímio, usado pelos cientistas para construir lasers como o Ligo.
Durante muito tempo, cientistas pensaram que esses metais foram forjados principalmente nas barrigas das grandes estrelas que morrem de forma explosiva. Mas um trabalho mais recente sugeriu que tais supernovas não expulsaram o suficiente desses materiais no cosmos para explicar o que vemos.

Construir esses elementos requer um excesso de nêutrons, uma das partículas que compõem núcleos atômicos; como se suspeitava, eles são liberados em quantidades enormes quando estrelas de nêutrons são destruídas.
Ao estudar a explosão em luz infravermelha, as equipes conseguiram determinar que os detritos continham ao menos 10 mil vezes a quantidade de metais preciosos na Terra – mais que o suficiente para semear o cosmos com os valores observados.
"Esses eventos podem realmente representar todo o ouro e todos os elementos pesados do universo hoje", conta Enrico Ramirez-Ruiz, da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. As observações, ele fala, são "de tirar o fôlego – o nível e a qualidade de dados, são simplesmente lindos".
No entanto, outras partes da história contadas por esses eventos ainda estão envolvidas em mistério. Para começar, não está exatamente claro o que restou depois que as duas estrelas de nêutrons colidiram. Tudo o que sabemos é que a sobra da colisão é cerca de 2,6 vezes maior que o Sol.
Considerando a massa e as estrelas de nêutrons iniciais, é quase certo que é um buraco negro, alega Feryal Ozel, da Universidade do Arizona. Outras possibilidades menos prováveis incluem uma estrela de nêutrons incomumente hipermassiva; mas esse tipo de objeto poderia quebrar o que os cientistas sabem sobre a física das estrelas de nêutrons.
Fatos estranhos
Independe da sua identidade, os restos da colisão levantam uma série de perguntas sobre os mais densos objetos conhecidos no universo.
"Ninguém observou nem uma estrela de nêutrons nem um buraco negro com massa calculada entre 2 e cerca de 5 massas solares", diz Alan Weinstein, membro do LIGO da Caltech.
Além disso, a explosão e suas consequências não foram reproduzidas exatamente como previsto. A explosão de raios-gama foi relativamente frouxa, com raios mais fracos do que os eventos semelhantes vistos anteriormente, diz Mansi Kasliwal de Caltech. E ainda levou mais tempo do que o esperado para raios x e ondas de rádio atingirem detectores após a explosão.

Isso poderia significar que os jatos de radiação de alta velocidade enviados pela explosão não estavam mirados diretamente para a Terra e, em vez disso, estavam ligeiramente fora do eixo, contrapõe Daryl Haggard, da Universidade McGill, cuja equipe usou o Observatório de Raio X Chandra para espiar a fusão.
Ou isso pode significar que algo mais complexo está acontecendo. Talvez, diga Kasliwal, um casulo de detritos enérgicos jorrados pela explosão sufocou qualquer jato produzido inicialmente. Os cientistas esperam que as observações contínuas em ondas de rádio, que devem ser visíveis por bastante tempo, ajudarão a resolver o problema.
"Mesmo que as emissões de rádio cheguem tarde para a festa, será a última a partir – e vem com presentes", diz Gregg Hallinan, da Caltech.
Mas outras observações terão de esperar: a posição da galáxia no céu está tão perto do Sol agora que é perigoso para alguns telescópios observá-la. Quando se mover um pouco mais longe do brilho da nossa estrela, os telescópios voltarão a girar para observar os últimos restos da explosão.
Enquanto isso, os astrônomos estarão, sem dúvida, comemorando a sorte de ver a explosão com tantos detalhes e em primeira mão.
"Isso tudo explodiu há 130 milhões de anos", comenta Maria Drout, dos Observatórios da Carnegie. "Mas se tivesse acontecido um mês depois, não teríamos conseguido ver nada. Os detectores teriam sido desligados e o fenômeno estaria escondido atrás do Sol.
