Como se dá a transmissão de doenças respiratórias como a gripe e o novo coronavírus?
Ambientes públicos e viagens internacionais podem provocar surtos de doenças. Conheça os perigos e saiba como se proteger.
Quando ocorre um surto, é natural sentir receio ao compartilhar ambientes públicos – como entrar em um avião, por exemplo. É ainda mais assustador quando dois vírus de doenças graves circulam ao mesmo tempo. O mundo acompanha aflito o novo surto do coronavírus, que surgiu na China no fim de 2019 e, desde então, se espalhou para cerca de 15 outros países.Apenas nessa quinta-feira (30/01), 39 pessoas morreram na China por conta da doença.
Embora ainda não se tenha muito conhecimento sobre o surto de Wuhan, os cientistas entendem um pouco sobre coronavírus semelhantes e outras doenças respiratórias, como a gripe, que matou 339 pessoas no Brasil apenas entre janeiro e junho de 2019. Então, como esses vírus são transmitidos. E qual a gravidade da ameaça do coronavírus em comparação aos vírus da gripe?
Se você já espirrou em seu braço ou se afastou de um colega do escritório com tosse seca, tem uma noção de como são transmitidas as doenças respiratórias. Quando uma pessoa infectada tosse ou espirra, ela espalha gotículas de saliva, muco ou outros fluidos corporais. Se alguma dessas gotículas cair sobre você — ou se você as tocar e depois, digamos, tocar seu rosto —, também poderá se contaminar.
Essas gotículas não são afetadas pelo fluxo de ar de um local e caem bastante perto de sua origem. Segundo Emily Landon, diretora médica de gerenciamento de antimicrobianos e controle de infecções da Universidade de Medicina de Chicago, nos EUA, as diretrizes do hospital para gripe definem como risco de exposição uma proximidade de até cerca de 1,80 metro de uma pessoa infectada durante 10 minutos ou mais. “Tanto o tempo quanto a distância são importantes”, afirma Landon.
Doenças respiratórias também podem ser transmitidas por meio de superfícies sobre as quais as gotículas se depositam, como bancos e mesas. A persistência dessas gotículas depende tanto da própria gotícula quanto da superfície: muco ou saliva, porosa ou não porosa, por exemplo. A duração dos vírus nas superfícies pode variar bastante: de horas a meses.
Há também evidências de contágio de vírus respiratórios pelo ar em pequenas partículas secas conhecidas como aerossóis. Contudo, segundo Arnold Monto, professor de epidemiologia e saúde pública global da Universidade de Michigan, esse não é o principal mecanismo de transmissão.
“Para se manter e criar verdadeiros aerossóis, o vírus precisa ser capaz de sobreviver a esse ambiente pelo período em que ficar exposto à secagem”, afirma ele. Os vírus preferem a umidade e muitos deixam de ser infecciosos se mantidos secos por bastante tempo.
E o novo coronavírus?
O biólogo e pesquisador Howard Weiss destaca que ainda não se conhece a forma de contágio preferencial do novo coronavírus. Poderia ser por gotículas respiratórias, contato físico com saliva ou diarreia após o consumo oral de material viral ou talvez até por aerossóis.
Emily Landon concorda que ainda não sabemos a forma de contágio do coronavírus. Todos os coronavírus anteriores foram transmitidos por meio de gotículas, observa ela, por isso, seria incomum se esse novo patógeno fosse diferente. E, aliás, o novo coronavírus está se comportando de forma bastante semelhante à síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em muitos aspectos.
Ambos são zoonóticos, o que significa que essas doenças começaram em animais antes da disseminação entre os humanos e ambas parecem ter se originado em morcegos. Ambas também são transmitidas entre pessoas e possuem um longo período de incubação — até 14 dias para o coronavírus de Wuhan, comparado aos cerca de dois para a gripe — o que significa que as pessoas podem estar doentes e transmitir a doença antes do aparecimento dos sintomas.
Com tudo isso em mente, Landon sugere seguir as orientações do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA para doenças contagiosas quando estiver em um avião.
As orientações incluem lavar as mãos com sabão comum ou utilizar um desinfetante para as mãos à base de álcool após tocar em qualquer superfície — sobretudo porque há evidências de que os coronavírus persistem por mais tempo em superfícies do que as demais doenças, em média entre três e 12 horas.
O que é pior: o coronavírus ou a gripe?
Existem várias maneiras de avaliar o risco de uma doença, mas vamos nos concentrar em dois números normalmente utilizados por pesquisadores de saúde pública: a taxa de reprodução e a taxa de letalidade.
A taxa de reprodução refere-se ao número de pessoas a mais contaminadas geralmente por alguém infectado. Maia Majumder, membro do corpo docente do Hospital Infantil de Boston e da Faculdade de Medicina de Harvard, tem acompanhado exatamente esses números.
Seus resultados preliminares indicam uma taxa de transmissibilidade para o novo coronavírus entre 2,0 e 3,1 pessoas. É maior que a da gripe (entre 1,3 e 1,8), mas semelhante à da SRAG, que apresenta um número de reprodução basal entre 2 e 4. Portanto, os coronavírus são discretamente mais propensos a serem transmitidos entre as pessoas.
A taxa de letalidade — ou mortalidade — corresponde ao número de pessoas mortas por uma doença dividido pelo número de pessoas que pegaram a doença. A gripe sazonal, apesar de considerada um mal global, tecnicamente mata uma proporção relativamente pequena de seus casos, apresentando uma taxa de letalidade em torno de 0,1%. A razão pela qual a gripe é uma emergência anual de saúde pública é o elevado contágio de pessoas — 35,5 milhões nos EUA ao longo de 2018 e 2019, o que resultou em 490 mil internações hospitalares e 34,2 mil mortes. É por isso que as autoridades de saúde sempre recomendam a vacinação contra a gripe.
A taxa de letalidade também explica por que os órgãos de saúde pública enviam alertas sobre o surgimento de surtos de coronavírus. A SRAG apresentou taxa de letalidade de 10%, cerca de 100 vezes mais que a gripe e, atualmente, a taxa do novo coronavírus está próxima de 3%, o que se equipara com a pandemia de gripe espanhola de 1918.
Se a SRAG ou o coronavírus de Wuhan atingissem milhões de pessoas, seria devastador. Ao contrário da gripe, conta Landon, toda a população humana é suscetível a esse coronavírus porque ninguém nunca teve essa doença — e não existe tratamento específico como uma vacina.
As autoridades de saúde e a população dependem do controle de infecções, como lavar as mãos, reduzir o contato com indivíduos afetados e quarentenas. Monto sugere que essas medidas de saúde pública podem fazer a diferença no combate a esse coronavírus, assim como foi realizado com a SRAG.
“A esperança é que a doença possa ser controlada por medidas comuns de saúde pública — porque apenas isso está ao nosso alcance”, afirma ele. “Temos vacinas e alguns antivirais para a gripe, mas não para esse coronavírus.”
O que pode ocorrer nos voos?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define que o contato com uma pessoa infectada ocorre a uma distância de duas fileiras do avião. Mas as pessoas não ficam somente sentadas durante os voos, sobretudo aqueles que duram horas. As pessoas vão ao banheiro, esticam as pernas e pegam objetos nos compartimentos superiores.
Aliás, durante o surto de coronavírus em 2003 da SRAG, um passageiro a bordo de um voo de Hong Kong a Pequim infectou pessoas bem distantes do limite de duas fileiras definido pela OMS. O periódico New England Journal of Medicine observou que os critérios da OMS “não teriam contabilizado 45% dos pacientes com SRAG”.
A equipe de pesquisa FlyHealthy , liderada por Howard Weiss e Vicki Stover Hertzberg, da Universidade Emory, decidiu estudar como movimentos aleatórios na cabine do avião podem afetar a probabilidade de contágio dos passageiros.
Observou-se o comportamento de passageiros e tripulantes em 10 voos transcontinentais dos EUA com durações aproximadas entre três horas e meia e cinco horas. Observou-se na pesquisa não apenas a movimentação das pessoas pela cabine, mas também como a movimentação afetava a quantidade e a duração de seus contatos com outras pessoas. A equipe buscava uma estimativa de quantos encontros próximos poderiam permitir o contágio durante voos transcontinentais.
“Suponha que você esteja sentado em um banco no corredor ou no meio e eu passe por esse banco para ir ao banheiro”, afirma Weiss, professor de biologia e matemática da Universidade Estadual da Pensilvânia. “Haverá um contato próximo, o que significa que estaremos a um metro um do outro. Então, se eu estiver infectado, posso transmitir uma doença para você... Nosso estudo foi o primeiro a quantificar esse aspecto.”
Como revelado pelo estudo em 2018, a maioria dos passageiros saiu do seu assento em algum momento — geralmente para usar o banheiro ou verificar os compartimentos superiores — durante os voos de média duração. Em geral, 38% dos passageiros deixaram seus lugares uma vez e 24% mais de uma vez. E mais 38% de pessoas permaneceram em seus bancos durante todo o voo.
Esse estudo ajudou a identificar os lugares mais seguros para sentar. Os passageiros com menor probabilidade de se levantar foram os das janelas: apenas 43% se movimentaram, comparado com 80% das pessoas sentadas no corredor.
Assim, os passageiros nos bancos das janelas tiveram muito menos encontros próximos do que as pessoas dos demais bancos, com uma média de 12 contatos em comparação com os 58 e 64 contatos dos passageiros nos bancos do meio e do corredor, respectivamente.
A escolha de um banco na janela e a permanência no banco reduzem nitidamente a chance de entrar em contato com uma doença contagiosa. Contudo, como é possível ver no gráfico a seguir, o modelo da equipe mostra que os passageiros nos bancos do meio e do corredor — mesmo aqueles dentro da faixa de duas fileiras de bancos da OMS — têm uma probabilidade bastante baixa de serem infectados.
Weiss afirma que isso se deve ao fato de a maioria dos contatos entre pessoas em aviões ser relativamente breve.
“Se você estiver sentado no corredor, certamente muitas pessoas passarão por você, mas elas passam rápido”, afirma Weiss. “Em geral, o que mostramos é que há uma probabilidade muito baixa de transmissão para qualquer passageiro em particular”.
A história muda se o doente for um membro da tripulação. Como os comissários de bordo passam muito mais tempo andando pelo corredor e interagindo com os passageiros, tendem a ter mais encontros próximos — e mais duradouros. Segundo o estudo, um membro da tripulação doente tem probabilidade de contaminar 4,6 passageiros, “portanto, é fundamental que os comissários de bordo não trabalhem quando estiverem doentes”.