O que os cientistas sabem e ainda precisam saber para tratar a infecção por coronavírus
Seis renomados médicos explicam o que se sabe até o momento sobre o tratamento da Covid-19 nos departamentos de emergência e em casa.
ESTUDOS MÉDICOS SOBRE a Covid-19 estão sendo publicados em ritmo vertiginoso, muitas vezes gerando confusão sobre assuntos simples, como quais analgésicos tomar ou como cuidar de familiares doentes em casa.
Em busca de orientação, a National Geographic consultou médicos e pesquisadores líderes nos Estados Unidos e no Canadá para obter recomendações sobre cuidados em casa, bem como sobre quando procurar atendimento médico.
Como tratar uma febre
A boa notícia é que aproximadamente 80% de todos os casos de Covid-19 exibem apenas sintomas leves a moderados que não requerem hospitalização. Os médicos recomendam que esses pacientes se mantenham em isolamento, permaneçam hidratados, se alimentem bem e amenizem seus sintomas da melhor maneira possível.
Para cuidar da febre associada a muitas doenças, incluindo a Covid-19, os médicos sugerem tomar paracetamol antes de ibuprofeno. Se a febre persistir, os pacientes devem considerar a possibilidade de passar a tomar ibuprofeno, diz Julie Autmizguine, especialista em doenças infecciosas pediátricas no CHU Sainte-Justine em Montreal, no Canadá.
Ela e outros médicos expressam essa preferência porque o ibuprofeno e medicamentos relacionados — denominados AINEs — podem ter efeitos colaterais prejudiciais, incluindo lesões nos rins, úlceras estomacais e sangramento gastrointestinal.
No entanto esse aviso não significa que o ibuprofeno e os AINEs sejam responsáveis por piorar o estado de saúde provocado pelo coronavírus, como sugerido pelas notícias que viralizaram na semana passada depois que o Ministério da Saúde francês afirmou que os medicamentos devem ser evitados durante tratamento da Covid-19.
“Não é de meu conhecimento que os AINEs representem um problema grave para essa doença ou para qualquer coronavírus”, diz Stanley Perlman, especialista em coronavírus, pediatra e imunologista da Faculdade de Medicina Carver, da Universidade de Iowa.
O paracetamol também traz riscos e as pessoas devem tomá-lo apenas se não forem alérgicas ou se não tiverem problemas hepáticos. O medicamento é seguro a uma dose diária total de até 3 mil miligramas, mas ultrapassar esse limite máximo diário pode causar risco de lesão hepática ou algo mais grave.
“A superdosagem de paracetamol é a causa mais comum de insuficiência hepática aguda nos Estados Unidos”, afirma José Manautou, toxicologista da Faculdade de Farmácia, da Universidade de Connecticut.
As pessoas devem observar todos os medicamentos que estão tomando, pois remédios vendidos sem prescrição médica para tratamento de sintomas gripais e alguns auxiliares do sono geralmente contêm paracetamol. É necessário também evitar o consumo de álcool durante o uso de paracetamol. O fígado depende da mesma substância — glutationa — para moderar o potencial tóxico do álcool e do paracetamol. Se você consumir muito de ambos, pode causar acúmulo de toxinas no organismo.
E a cloroquina e a azitromicina?
As equipes médicas estão trabalhando incansavelmente para encontrar o melhor tratamento para a Covid-19 e, na última semana, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se juntou à essa luta, manifestando seu apoio a dois medicamentos que existem há décadas — o antibiótico azitromicina e uma versão do fármaco antimalárico cloroquina.
Na verdade, a Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos, a FDA, não aprovou a hidroxicloroquina — indicada com mais frequência para tratar artrite reumatoide e lúpus — para tratar a Covid-19, embora tenha aprovado um teste em combinação com a azitromicina que agora está previsto para ser realizado em Nova York. Enquanto isso, autoridades de saúde de todo o mundo, incluindo Anthony Fauci, chefe do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, estão pedindo cautela com os medicamentos.
“Muitas das coisas que se ouve por aí são o que eu chamo de relatos anedóticos”, disse Fauci em uma coletiva de imprensa. “Meu trabalho é provar, sem dúvida, que, além de um medicamento ser seguro, ele de fato funciona.”
A história da cloroquina começou com vários pequenos estudos realizados na China e na França — ambos insuficientes e que estão oferecendo poucas lições para os pacientes em geral. Os resultados da França se baseiam em apenas 36 pessoas e se concentram na carga viral dos pacientes ou na quantidade de vírus no corpo. De fato, os únicos pacientes que morreram ou foram enviados para tratamento intensivo no estudo francês haviam tomado hidroxicloroquina.
“Não temos dados de ensaios clínicos randomizados e controlados que nos mostrem como a cloroquina funciona em pessoas reais”, diz Annie Luetkemeyer, especialista em HIV e doenças infecciosas do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia, em São Francisco.
A automedicação com hidroxicloroquina e azitromicina também pode trazer riscos, pois os dois medicamentos podem causar estresse ao coração e aumentar o risco de arritmia. Na segunda-feira, o presidente prometeu enviar à Nova York milhares de doses do combo para um estudo da FDA, pouco depois de um hospital no Arizona ter relatado que um de seus pacientes morreu após se automedicar com fosfato de cloroquina, uma forma da substância usada para limpar aquários. As autoridades de saúde da Nigéria relataram dois casos de superdosagem de cloroquina no fim de semana.
“A última coisa que queremos agora é inundar nossos departamentos de emergência com pacientes que acreditam ter encontrado uma solução vaga e arriscada, e que ainda pode ser comprometedora à saúde”, disse Daniel Brooks, diretor médico do Centro Banner de Informações sobre Drogas e Substâncias Tóxicas, em Phoenix, em um comunicado.
Medicamentos para hipertensão são seguros?
Os inibidores da ECA, medicamentos amplamente utilizados no tratamento da hipertensão, também foram alvo de críticas durante a crise da Covid-19, com alguns relatos sugerindo que os pacientes interrompam o uso desses medicamentos se desenvolverem sintomas.
Em uma série de cartas publicadas nos periódicos British Medical Journal, Nature Reviews Cardiology e The Lancet Respiratory Medicine, os pesquisadores levantaram questões sobre o fato de os inibidores da ECA poderem contribuir para estabelecer infecções por coronavírus nos pulmões das pessoas. A preocupação decorre do fato de que o SARS e o novo coronavírus entram nas células, agarrando-se a uma proteína chamada enzima conversora de angiotensina 2, ou ECA2. A proteína é abundante nas superfícies das células do coração e dos pulmões, onde ajuda a regular um hormônio que afeta a constrição da pressão arterial.
Uma consequência dos inibidores da ECA é que eles podem levar as células a produzirem mais ECA2. Um estudo de 2005 encontrou evidências de tal aumento em camundongos, e um estudo de 2015 em humanos encontrou níveis maiores de ECA2 na urina de pacientes que estavam tomando um medicamento relacionado aos inibidores da ECA.
Mas não há evidências atuais de que os inibidores da ECA piorem o estado de saúde causado pela Covid-19 em humanos, de acordo com a Associação Norte-Americana do Coração, o Conselho de Hipertensão da Sociedade Europeia de Cardiologia e uma análise de 20 de março publicada no periódico European Heart Journal. O principal conselho dos médicos é que, se lhe foi prescrita uma medicação, continue tomando-a até que o seu médico recomende o contrário.
“Não devemos iniciar nem interromper esses medicamentos até obtermos mais informações”, diz Luetkemeyer.
Pessoas com hipertensão e doenças cardíacas parecem estar em maior risco de serem afetadas pela Covid-19, mas isso provavelmente tem mais a ver com as doenças pré-existentes. Além disso, os inibidores da ECA podem ter propriedades anti-inflamatórias, o que pode ajudar os pulmões dos pacientes com Covid-19 a combaterem melhor a infecção.
“Esse seria um estudo fundamental para comparar pessoas com pressão alta que tomam ou não esses medicamentos, para ver se há alguma diferença”, diz Perlman. “Mas seria muito difícil de se concretizar e provavelmente muito difícil de justificar do ponto de vista ético.”
Quando procurar atendimento médico
“Sem dúvidas, se apresentar sintomas respiratórios sérios ou algo problemático, é necessário que procure atendimento de emergência”, recomenda Purvi Parikh, especialista em alergias e doenças infecciosas da NYU Langone, em Nova York. Se optar por procurar ajuda em um hospital local, veja um exemplo do que pode esperar.
No hospital referência do Sistema de Saúde Inova, em Fairfax, Virgínia, a equipe montou uma unidade provisória no lado externo para separar as pessoas que relatam doenças respiratórias daquelas com outras doenças. Os dois grupos são atendidos em diferentes partes da sala de espera, separados por pelo menos 1,8 metros.
Devido à escassez de testes nos Estados Unidos, os médicos do Inova e de outros hospitais dizem que, se as pessoas chegarem com sintomas leves, esses pacientes devem presumir que estão com Covid-19 e devem se colocar em quarentena para evitar sobrecarregar os cerca de 920 mil leitos do país para os quais há equipes médicas disponíveis.
Para aqueles que chegam com sintomas graves, como dificuldade para respirar, os profissionais de saúde começam concentrando-se nos níveis de oxigênio do paciente, pressão arterial e quantidade de líquido nos pulmões — tudo para manter a condição estável. Eles também tentam controlar a febre, que pode causar desconforto e levar a danos celulares.
Os casos mais graves de Covid-19 exigem o uso de um ventilador mecânico por mais de uma semana. Esse dispositivo circula o ar nos pulmões do paciente. É por isso que as autoridades de saúde estão tão preocupadas com uma possível escassez de ventiladores. A Society of Critical Care Medicine afirmou que existem até 200 mil ventiladores nos hospitais dos Estados Unidos, mas alguns são mais antigos e podem não tratar efetivamente a Covid-19. Enquanto isso, uma estimativa aproximada sugere que mais de 900 mil americanos podem contrair Covid-19 e necessitar de um ventilador.
Os piores casos de Covid-19 podem resultar na chamada síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), uma lesão pulmonar séria que pode ser causada por diversos tipos de infecções graves. Os hospitais têm métodos bem definidos para tratar a SDRA. Os pacientes devem ser colocados de bruços para melhorar a capacidade de ventilação dos pulmões e não receber muitos líquidos. Além disso, os ventiladores dos pacientes com SDRA devem ser ajustados para circular menos ar, minimizando o estresse nos alvéolos, as minúsculas subcâmaras dos pulmões.
Dentro dos quartos do hospital, a equipe toma medidas para minimizar o uso de equipamentos que possam liberar gotículas respiratórias, como dispositivos para oferta de oxigênio, que injetam ar nos pulmões. Outros hospitais estão tomando cuidado extra com dispositivos chamados nebulizadores, que convertem medicamentos líquidos em névoas respiráveis, já que essas névoas podem liberar o SARS-CoV-2 no ar.
Medicamentos mais promissores?
Pesquisadores e médicos de todo o mundo estão correndo para testar se diversos medicamentos pré-existentes podem ser utilizados na luta contra a Covid-19. Os médicos entrevistados pela National Geographic expressaram maior esperança em relação ao remdesivir, um medicamento antiviral desenvolvido pela Gilead Sciences.
“O único em que eu apostaria seria o remdesivir”, diz Perlman.
O medicamento funciona imitando um componente básico do RNA viral, impedindo o vírus de se multiplicar. Um estudo chinês amplamente divulgado, publicado em 4 de fevereiro na revista científica Cell Research, relatou que o remdesivir interrompeu a replicação do SARS-CoV-2 em laboratório. Mas o medicamento ainda é experimental e esteve relacionado a experiências negativas no passado. O remdesivir foi desenvolvido originalmente para combater o ebola, mas seus ensaios clínicos em humanos não tiveram sucesso.
Independentemente disso, encontrar um tratamento viável requer ensaios clínicos rigorosamente controlados, realizados em humanos, o que levará tempo. “Resumindo, teria sido bom se tivéssemos canalizado mais esforços no desenvolvimento de medicamentos capazes de combater o coronavírus”, acrescenta Perlman. “É fácil dizer isso agora, [mas] há cinco meses não era tão fácil.”