Até quantas pessoas podem se reunir com segurança sem provocar o avanço do coronavírus?

Recomendações oficiais estão sendo divulgadas em todo o mundo, mas, na verdade, o tamanho do grupo não é o que mais importa na interrupção da transmissão.

Por Emily Sohn
Publicado 24 de mar. de 2020, 07:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um restaurante vazio em 13 de março de 2020 na cidade de Nova York.
Um restaurante vazio em 13 de março de 2020 na cidade de Nova York.
Foto de Jeenah Moon, Getty Images

ENQUANTO grande parte do mundo interrompe tudo para reduzir a disseminação da Covid-19, as recomendações oficiais de distanciamento social levaram as pessoas a se reunirem em grupos cada vez menores, mas também passaram a confundir um número cada vez maior da população em geral.

Os Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos alertaram que grupos acima de 250 pessoas deveriam ser evitados em regiões onde sabidamente não esteja ocorrendo a disseminação comunitária do novo coronavírus. Depois, as diretrizes reduziram esse número para um máximo de 50 pessoas durante as oito semanas seguintes. Em seguida, a Casa Branca recomendou o máximo de 10 pessoas. Na maioria dos casos, o argumento para esses números específicos não está completamente claro, levando a comportamentos inconsistentes.

Na verdade, enquanto todo mundo quer saber quantas pessoas realmente representam perigo, o tamanho exato de um grupo não é o mais relevante. Manter os grupos pequenos ainda é importante, mas é preciso considerar a dinâmica social das multidões, a idade da pessoa ou as condições pré-existentes, e as variações no comportamento dos vírus, de acordo com estudos sobre doenças semelhantes ao novo coronavírus.

Embora isolar completamente todo mundo seja mais eficaz para conter a pandemia, não é uma medida realista. Na verdade, manter pequenos grupos pode reduzir o número de pessoas não infectadas que poderiam entrar em contato com o vírus. Com o fechamento de restaurantes, bares, escritórios e até algumas clínicas veterinárias, muitas pessoas estão reduzindo seus círculos de acordo com o indicado: trabalhando em casa, cancelando brincadeiras entre crianças, evitando jantares com amigos próximos e tentando ao máximo evitar outras pessoas.

No entanto, ao decidir o que fazer e o evitar, não há um número mágico seguro para uma reunião de pessoas, explica Samuel Scarpino, cientista de sistemas complexos e especialista em modelagem de doenças infecciosas da Northeastern University, em Boston, EUA.

“Muitas vezes, as pessoas sentem que o distanciamento social é inútil porque há uma ou duas pessoas com as quais têm contato todos os dias, então não faz sentido porque não conseguem atender a recomendação”, diz Damien Caillaud, primatologista da Universidade da Califórnia em Davis, que estudou a relação entre interações sociais e o risco de doenças infecciosas em primatas. Na realidade, "apenas reduzir um pouco do contato já é útil”.

O tamanho (não é tudo que) importa

À medida que o surto da Covid-19 aumentava, os amigos de Joshua Weitz começaram a lhe perguntar se deveriam ir a eventos esportivos, conferências e outras reuniões, considerando os atrasos nos testes para o coronavírus nos Estados Unidos e o fato de que provavelmente os casos não estavam sendo notificados. Então, Weitz, diretor fundador do programa de doutorado em Biociências Quantitativas do Georgia Tech em Atlanta, decidiu criar um modelo matemático simples que responde a uma pergunta básica: Qual a probabilidade de um ou mais indivíduos que estão no mesmo evento contraírem a Covid-19?

Weitz dividiu o número de casos conhecidos da Covid-19 em todo o país por 330 milhões — a população dos Estados Unidos —, considerando a probabilidade de todas as pessoas no país estarem infectadas. Ele então inseriu esse número em uma equação que lhe permitiu determinar as chances de uma pessoa ser infectada ao participar de um evento de um determinado tamanho.

O modelo mostrou que, se houvesse uma chance de 1 em 5 mil de uma pessoa aleatória estar infectada com a Covid-19, haveria 95% de chance de alguém ter a doença em uma multidão de 15 mil pessoas. Essas chances caíram para 5% em uma multidão de 250 pessoas.

Em 10 de março, ele publicou um gráfico do modelo no Twitter com um aviso: “Para os organizadores de grandes eventos, por favor considerem o seguinte: o aumento de casos de Covid-19 significa que em breve (se ainda não aconteceu) as chances de um caso positivo entre um grande número de participantes (com todas suas consequências) apresentam um risco crescente”.

O distanciamento social se torna menos eficaz se a prevalência de coronavírus aumentar entre um grupo. Considerando a incerteza na prevalência de casos leves e assintomáticos de Covid-19 entre a população em geral, “é fundamental reduzir o tamanho das aglomerações e praticar o distanciamento social sempre que possível, mesmo em pequenas reuniões”, diz Weitz.

Dinâmica da transmissão

Além da complexidade da tomada de decisões, o tamanho de um grupo está longe de ser o único fator importante na avaliação do risco de infecção.

Diversos grupos pequenos podem ser tão arriscados quanto um grande, por exemplo. No feriado Cinco de Mayo, se milhares de eventos acontecerem em bares de todo o país, é quase certo que uma pessoa doente vá ao local e inicie uma cadeia de transmissão, diz Scarpino.

O nível de contágio de um vírus também influencia a extensão e a abrangência com que ele se disseminará dentro dos grupos. Para ilustrar esse fenômeno, os epidemiologistas utilizam uma variável denominada número de reprodução. O R0, ou R-zero, descreve a quantidade de pessoas que podem contrair um vírus a partir de cada pessoa infectada. Igualmente importante, embora muitas vezes subestimada, é a variação do R0 para um determinado vírus, Scarpino e colegas escreveram em uma análise preliminar publicada online  em fevereiro.

Por exemplo, o R0 foi semelhante durante a pandemia de gripe de 1918 e o surto de ebola de 2014: uma pessoa infectada passou o vírus para mais uma ou duas pessoas. Mas enquanto a gripe de 1918 causou uma pandemia mundial, o vírus ebola infectou menos de um décimo de um por cento do número de pessoas em comparação à gripe espanhola.

De acordo com Scarpino, uma das diferenças é que o R0 da gripe era consistente de pessoa para pessoa, enquanto o R0 do ebola era mais esporádico. Algumas pessoas eram supertransmissoras de ebola, infectando 20 ou 30 pessoas. Outras ficaram doentes, mas não transmitiram a doença a ninguém. Alguns dados sugerem que a Covid-19 esteja em algum lugar entre os surtos esporádicos do ebola em relação à taxa de infecção e o ritmo constante da gripe.

Essas diferenças sutis são importantes para determinar o nível preciso de isolamento das pessoas. Os detalhes ainda estão sendo analisados para a Covid-19, mas até agora, as estimativas do R0 do vírus variam de 1,5 a quatro pessoas, aproximadamente. Há também algumas evidências de que algumas pessoas possam ser supertransmissoras da Covid-19, com base em dois casos do surto: um deles ocorreu durante uma conferência da Biogen no estado de Massachusetts e outro na Coréia do Sul envolvendo um paciente que foi a uma igreja lotada e depois comeu no restaurante de um hotel.

Esse vírus é tão novo que a falta de imunidade entre a população em geral faz com que o tamanho do grupo seja ainda mais importante para o novo coronavírus. “Até onde sabemos, todos estão suscetíveis à Covid-19”, diz Scarpino, que está trabalhando para criar modelos de previsão da propagação da doença em Boston, considerando a redução do tamanho dos grupos com fechamentos obrigatórios de locais e restrições impostas pelas autoridades.

Nenhum grupo é formado igualmente

A forma como as pessoas se movimentam no meio da multidão também pode mudar a maneira como o coronavírus é transmitido entre grupos de tamanhos semelhantes, diz Anders Johansson, engenheiro de sistemas da Universidade de Bristol, no Reino Unido, que estudou como a doença se espalha.

Ele constatou que a quantidade de pessoas em um determinado grupo é menos importante do que o grau de proximidade das pessoas e o tempo em que elas ficam próximas umas das outras na multidão.

Em um estudo de 2018, por exemplo, ele e um colega compararam dados da movimentação de pessoas em um metrô de Londres, os números de doenças diagnosticadas semelhantes à gripe foram levantados pela Agência de Saúde Pública da Inglaterra. Eles constataram que as taxas de doenças eram mais altas em áreas onde o sistema de metrô era mais movimentado.

Mas esse aumento não ocorreu apenas porque mais pessoas estavam passando pelo local. Uma explicação provável é que as pessoas que passam por uma estação lotada se movimentam mais lentamente, segundo constatado por Johansson e seus colegas em um modelo analítico individual. Isso faz com que passem mais tempo na estação e entrem em contato mais próximo com mais pessoas — assim como as multidões que se aglomeraram por horas nos aeroportos dos Estados Unidos depois da adoção de novas regras de triagem.

“Se não estiver lotado, pode levar alguns minutos para passar pela [triagem no aeroporto] e, se estiver realmente lotado, pode levar entre 20 e 30 minutos”, diz Johansson. “A pessoa passa mais tempo no local e, em teoria, tem muito mais chances de contrair uma doença.”

Valorizando quantidades menores

Mesmo sem isolamento total, estudos sobre a dinâmica da doença em grupos sugerem que reduzir os círculos sociais pode fazer uma grande diferença. Algumas das pesquisas mais extensas vêm do mundo animal.

Em 2004, Caillaud, da Universidade da Califórnia em Davis, estudou um surto de ebola que atingiu uma população de centenas de gorilas no Parque Nacional Odzala-Kokoua, no Congo. Os gorilas vivem em grupos sociais de cerca de 10 indivíduos, incluindo mais fêmeas do que machos, e enquanto todas as fêmeas vivem em grupos, alguns machos vivem sozinhos.

Essa estrutura social teve um impacto enorme sobre quais animais sobreviveram durante o surto. No total, o ebola matou 95% dos gorilas e as fêmeas foram as mais atingidas. Mas alguns machos foram salvos por conta de seu isolamento social. Quando o surto acabou, cerca de um ano após o início, 97% dos machos que viviam em grupos haviam morrido, em comparação a 77% dos machos que viviam sozinhos.

O estudo revelou outro resultado intrigante: o surto de ebola foi interrompido em uma estrada principal onde os gorilas ainda interagiam, mas em quantidades muito menores. No contexto da Covid-19, que se espalhou mais rapidamente nas cidades do que nas áreas rurais, esses padrões sugerem que reduzir o tamanho dos grupos e manter a distância entre as pessoas ajuda a conter a propagação da doença, diz Caillaud.

“No caso de uma doença que não tem tratamento, existe apenas uma forma de reduzir o número de casos”, diz ele. “Com distanciamento social.”

loading

Descubra Nat Geo

  • Animais
  • Meio ambiente
  • História
  • Ciência
  • Viagem
  • Fotografia
  • Espaço
  • Vídeo

Sobre nós

Inscrição

  • Assine a newsletter
  • Disney+

Siga-nos

Copyright © 1996-2015 National Geographic Society. Copyright © 2015-2024 National Geographic Partners, LLC. Todos os direitos reservados