Teriam humanos primitivos da Índia sobrevivido a um supervulcão?

Ferramentas de pedra sugerem que a população resistiu à maior erupção vista em dois milhões de anos, mas alguns pesquisadores ainda têm dúvidas.

Por Lorraine Boissoneault
Publicado 2 de mar. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Pesquisadores relatam a descoberta de uma grande coleção de artefatos de pedra retirada de escavações arqueológicas ...
Pesquisadores relatam a descoberta de uma grande coleção de artefatos de pedra retirada de escavações arqueológicas em Dhaba, no Middle Son River Valley, na Índia. Eles descobriram que ferramentas de pedra de aproximadamente 80 mil anos atrás permaneceram nos registros arqueológicos, o que pode significar que populações locais conseguiram sobreviver à erupção do supervulcão Toba há 74 mil anos.
Courtesy of Chris Clarkson

Há cerca de 74 mil anos, um supervulcão na ilha indonésia de Sumatra entrou em atividade. Conhecida como a erupção de Toba, o evento foi a maior explosão vulcânica dos últimos dois milhões de anos, espalhando cinzas por milhares de quilômetros e deixando em seu rastro uma cratera de 100 quilômetros de largura, que desde então está preenchida com água.

Alguns cientistas acreditam que a supererupção possa ter causado uma onda global de frio, escurecendo o céu com cinzas e fuligem e produzindo um período prolongado de desmatamento no sul da Ásia. Se isso tiver realmente acontecido, mesmo assim a erupção e suas consequências não impediram os humanos primitivos de sobreviverem na Índia central, relatam os cientistas.

No local da escavação em Dhaba, no estado de Madhya Pradesh, ferramentas antigas aparecem em camadas de sedimentos que datam de 80 mil a 65 mil anos atrás. De acordo com um novo estudo do periódico Nature Communications, os mesmos tipos de ferramentas continuaram sendo utilizados antes e depois da erupção, de modo que os autores do estudo afirmam que uma mesma população deve ter sobrevivido às consequências do Toba.

“A teoria principal até então era que a supererupção de Toba havia criado um inverno vulcânico, resultando na glaciação e recriação de ecossistemas e causando impactos significativos na atmosfera e nas paisagens”, explica Michael Petraglia, antropólogo do Instituto Max Planck para Progresso da Ciência. Contudo, seu grupo não encontrou evidências de impactos tão significativos na paisagem de Dhaba.

“Foi muito mais sutil do que as pessoas acreditavam”, complementa Petraglia. “Isso não significa que não houve mudanças ecológicas, mas esses caçadores-coletores conseguiriam se adaptar a elas”.

Os autores do estudo acreditam que os artefatos da Índia correspondem a ferramentas semelhantes àquelas encontradas anteriormente em sítios arqueológicos na África, Austrália e Península Arábica, que datam da Idade Média da Pedra na África, cerca de 285 mil a 50 mil anos atrás. Dada a semelhança entre essas tecnologias de ferramentas, a equipe acredita que o local tenha ainda mais evidências de que o Homo sapiens tenha saído da África mais cedo do que se imaginava.

Sinais de migrações primitivas

As evidências genéticas sugerem que os humanos modernos são descendentes de uma onda de Homo sapiens que deixou a África entre 80 mil e 50 mil anos atrás, embora outras populações tenham permanecido na África. Mas os fósseis encontrados no que é hoje Israel, que parecem ser de humanos modernos, remontam há mais de 120 mil anos. Essas descobertas levaram os pesquisadores a procurar mais pistas sobre a época em que grupos menores de humanos poderiam ter deixado a África.

Quando Petraglia foi para a Índia, há quase 15 anos, em busca de evidências de migrações humanas primitivas, ele esperava encontrar artefatos do Paleolítico Superior — ferramentas de pedra semelhantes às usadas pelo Homo sapiens na Europa há cerca de 45 mil anos. Em vez disso, a equipe do pesquisador descobriu ferramentas de pedra muito mais antigas em Dhaba, indicando que os primeiros humanos viajaram milhares de quilômetros da África para a Índia antes do que se imaginava.

Escavações em Dhaba, Madhya Pradesh, Índia central.
Foto de Christina Nuedorf

O novo estudo fornece mais evidências que contradizem a crença popular de que a erupção de Toba tenha dizimado as populações humanas e interrompido as migrações ao redor do mundo, relata Jayne Wilkins, antropóloga e parceira executiva do Human Evolution Research Institute na Cidade do Cabo, África do Sul, que não participou da pesquisa recente. Um estudo de 2018 mostrou, de forma semelhante, o uso contínuo de ferramentas na África do Sul na mesma época da erupção de Toba, sendo que esse sítio arqueológico na Índia fica a cerca de cinco mil quilômetros mais próximo do vulcão do que da África do Sul — justificando por que as condições por lá podem ter sido significativamente mais desafiadoras para a sobrevivência humana.

“Dados de novos sítios arqueológicos como Dhaba estão mostrando que, há 74 mil anos, os primeiros caçadores-coletores eram resilientes diante de grandes eventos climáticos, auxiliados por tecnologias complexas, redes sociais e outras adaptações culturais sofisticadas”, explica Wilkins por e-mail.

“É possível argumentar se essa população se trata da mesma ou não, mas, com base nas informações disponíveis, é um palpite sensato”.

Resquícios de dúvida

Entretanto, outros especialistas ainda não estão seguros sobre as conclusões do estudo.

“Não estou empolgado com o artigo”, declara Stanley Ambrose, antropólogo da Universidade de Illinois que estuda tecnologias de ferramentas, geologia e evolução humana desde os anos 1980. Ambrose colaborou com Petraglia em um estudo de 2010 sobre ferramentas escavadas no sul da Índia, que também indicava uma habitação ininterrupta do local após a erupção. Ele escreveu um artigo em 1998 sugerindo que Toba pode ter impactado na evolução do Homo sapiens.

“Tenho cinzas de Toba no meu laboratório, nos vincos das minhas botas, na minha mente”, diz Ambrose. “Conheço bem o local”.

Ele ressalta que os autores encontraram apenas seis pequenos fragmentos de vidro correspondentes à assinatura química da erupção de Toba, ao passo que havia muito mais fragmentos vulcânicos encontrados a pouco mais de oito mil quilômetros de distância na África do Sul. Os fragmentos em Dhaba, ou até mesmo as ferramentas, poderiam ter sido transportados para o local pelo rio Son ou por outros processos geológicos, explica.

“Este local não pode ser definido como um sítio arqueológico. Pode-se chamá-lo de um sítio geológico que possui artefatos arqueológicos”, explica Ambrose. Ele também não está convencido de que as ferramentas encontradas em Dhaba foram feitas por humanos modernos, especialmente porque ninguém encontrou fósseis humanos do mesmo período próximo às ferramentas.

“É preciso um exame forense cuidadoso e repetitivo para mostrar que é isso o que as evidências realmente mostram”, argumenta.

Petraglia rebate que os fragmentos de cinzas embasam as datas calculadas para as camadas de sedimentos e fornecem evidências adicionais de que as ferramentas de pedra coincidem com o evento de Toba, mas a equipe do estudo reconhece que os fragmentos de vidro poderiam ter sido transportados de locais próximos. Ele acrescenta que essa população da Índia não contribuiu, necessariamente, com genes para as populações humanas modernas, pois podem ter desaparecido ou sido substituídas por migrações posteriores.

“Não contestamos o fato de que houve um crescimento populacional do homem moderno posterior a 60 mil anos atrás”, conclui Petraglia. “O que estamos discutindo é que está errada a ideia de que os humanos modernos só se espalharam para fora da África uma vez.”

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