Para os jovens, há dois eventos decisivos em suas vidas: a covid-19 e as mudanças climáticas
Uma combinação imprevista de catástrofes definirá como a Geração Z navegará pelo mundo quando adultos e que tipo de futuro criarão.
“Minha filha Catalina sente muita falta dos amigos”, conta a fotógrafa Alessandra Sanguinetti, “então pegamos o carro e visitamos seus melhores amigos de longe. Aqui, ela está violando as regras e tocando sua melhor amiga Avery com as pontas dos dedos.”
JAMIE MARGOLIN AGUARDAVA sua participação como oradora na conferência do Dia da Terra no National Mall, em Washington, DC. Mas, com o cancelamento do evento de 22 de abril, ela assistiu ao evento on-line em seu computador em Seattle, onde está isolada em casa desde meados de março com a família.
Suas aulas do ensino médio agora são realizadas on-line. Ela se forma na turma de 2020, mas os rituais de praxe — o baile e a cerimônia de formatura — foram cancelados. Seu avô de 96 anos foi hospitalizado com covid-19. Uma semana depois, ele faleceu. No funeral sem abraços, Margolin, seus pais e seu tio estavam separados por 1,80 metro de distância usando máscaras faciais e luvas.
Margolin, 18 anos, pertence à Geração Z, a faixa etária das crianças nascidas após 1996. Ela é ativista do clima desde os 14 anos e não tem esperança de que a Terra será habitável na segunda metade de sua vida. Agora, uma pandemia altamente contagiosa ameaça devastar a primeira metade.
O clima e a covid-19 são uma combinação terrível de catástrofes. Um certamente cruzará com o outro de maneiras que ainda são incertas. Mas uma coisa é certa: para um grande número de jovens, o vírus será o momento de definição de seus anos de formação e as dificuldades econômicas desencadeadas que quase certamente moldarão a visão de mundo da mesma maneira que a Grande Depressão da década de 1930 criou seus filhos para se tornarem adultos frugais.
Muitos se formarão em meio à recessão, depois de ter crescido na sombra da Grande Recessão de 2007 a 2009. A maior geração da história dos Estados Unidos, já afundada em dívidas de empréstimos estudantis, irá procurar emprego ao mesmo tempo em que o número de norte-americanos desempregados — 26 milhões no final de abril — rapidamente caminha para o mesmo território da era da Depressão.
Globalmente, o impacto da pandemia sobre a Geração Z é ainda mais terrível: as escolas estão fechadas para 1,5 bilhão de crianças, mais de 90% da população estudantil do mundo, em um momento em que o aprendizado on-line não está disponível para metade do mundo, por falta de acesso à Internet ou a um computador. O vírus deixará milhares de jovens órfãos e está se espalhando rapidamente pela África, pressionando os sistemas de saúde em um continente que ainda luta para conter a epidemia de HIV/Aids.
Daqui a apenas 30 anos — Margolin completará 48 anos no meio do século — o mundo que está em constante aquecimento poderá ficar à mercê de mudanças incontroláveis que irão reestruturar ecossistemas e deslocar milhões de pessoas. Os cientistas alertaram em 2018 que os líderes mundiais precisavam tomar medidas drásticas para reduzir as emissões de carbono em 45% até 2030 e 100% até 2050 para evitar efeitos ainda piores
“Não presenciamos muitos momentos na história como este”, diz Alexandre White, professor de história de epidemias na Universidade John Hopkins, em Baltimore. “A Geração Z terá que descobrir e criar comunidades diferentes de qualquer geração anterior.”
Protestos climáticos agora são digitais
Margolin é uma dos diversos jovens ativistas do clima que se destacou no outono passado, quando milhões de jovens foram para as ruas, de Délhi a São Francisco, para exigir que os líderes mundiais agissem. Conforme a covid-19 se espalha pelo mundo, entrei em contato com alguns deles para saber o que acham sobre como será a vida daqui a um ano e como a pandemia poderia mudar o impasse sobre as mudanças climáticas para melhor ou pior.
Como líderes de movimentos em prol do clima, eles estão acostumados a pensar sobre o destino do mundo e têm prática em considerar desastres em larga escala. Ainda assim, com a rapidez que a vida mudou, foi demais para digerir.
“As pessoas perderam seus empregos na recessão de 2008 e foi difícil”, diz Margolin. “Mas a vida não parou naquela época. O mundo não parou de girar como agora.”
Agora, isolados em casa como o restante do mundo, eles estão traçando o caminho a seguir. Em Nairóbi, foi estabelecido toque de recolher para os moradores, além de recomendação para não sair da cidade para impedir que o vírus se espalhe para as áreas rurais, Lesein Mutunkei, 15 anos, está tentando ao máximo realizar aulas on-line ao mesmo tempo em que enfrenta a falta de energia.
Sua campanha para o plantio de árvores está suspensa e ele está muito preocupado com sua irmã mais velha, Tiassa, estudante presa em sua escola devido aos voos cancelados na África do Sul, país com o maior número de infectados por covid-19 do continente.
Além de tudo isso, ele diz: “Quando ouço as notícias sobre os Estados Unidos fico preocupado com nossos amigos que vivem lá e podem estar doentes.”
Mayumi Sato, estudante japonesa de pós-graduação na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, sentiu a crueldade da xenofobia depois de uma série de episódios contra asiáticos acontecerem nos campi universitários do Reino Unido. Os ataques foramincitado por racistas que culpam a China pela disseminação da covid-19. Ela está abrigada em dormitórios universitários com oito colegas de apartamento e está reconsiderando suas prioridades na vida. Ela decidiu seguir a forma vida de seus amigos do no Nepal e Laos, onde trabalhou em programas sociais e ambientais, que hoje estão lidando melhor com as incertezas.
“Eles são particularmente mais adaptáveis ...”, diz ela. “Ter de superar adversidades é normal para eles o tempo todo.”
Sato, 25 anos, também acredita que o novo normal será drasticamente diferente, dizendo que “haverá fundamentalmente uma mudança na forma como socializamos, trabalhamos, consumimos e cuidamos de nossa saúde e da saúde de outras pessoas.”
Menos viagens e mais chamadas de vídeo
A Geração Z pode estar sendo profundamente impactada pela pandemia, mas também é verdade que, como primeira geração mundial de nativos digitais, eles estão melhor preparados para o futuro. Em Ruanda, por exemplo, Ghislain Irakoze, agora com 20 anos, prodígio e fundador de uma empresa que usa tecnologia para identificar e reduzir milhões de toneladas de lixo eletrônico em aterros sanitários, está trabalhando na modificação de sua empresa para coleta e reciclagem de resíduos médicos.
Grande parte do movimento de protesto contra as mudanças climáticas que atraiu milhões de pessoas foi criado através das redes sociais. As greves escolares de sexta-feira que se espalharam pelo mundo depois que a ativista sueca Greta Thunberg, de 17 anos, convocou manifestações na frente do parlamento sueco em 2018, foram organizadas pela Internet. Com reuniões em massa impossibilitadas no momento, novas estratégias estão sendo elaboradas para manter visíveis os protestos contra as mudanças climáticas. Na sexta-feira passada, ativistas espalharam milhares de pôsteres de protesto pelo gramado do lado de fora do Reichstag, o prédio do parlamento alemão em Berlim.
O futuro pode ter menos viagens e mais chamadas de vídeo, já que até empresas mais inflexíveis se adaptaram às plataformas de conferência on-line que os jovens já usam desde os 12 anos. Essa evolução, apontam os ativistas, pode ser benéfica para o planeta.
“Acredito que a divisão digital que começou em grande parte com a minha geração, pelo uso de mensagens de texto, Zoom e FaceTime, por exemplo, claramente diminuirá e se tornará o padrão”, diz Delaney Reynolds, 20 anos, ativista de Miami e fundadora da Sink or Swim, uma campanha para alertar os residentes da Flórida sobre o aumento do nível do mar.
Reynolds também acredita que “ciência, os cientistas e fatos científicos” — uma grande tríplice em um mundo polarizado — ficarão novamente em alta.
“Uma crise dessa magnitude de fato ajuda a esclarecer quais autoridades eleitas são capazes de liderar e quais não são”, acrescenta ela. “Espero que, como consequência, as pessoas aprendam a diferença.”
De volta para o futuro
Os cientistas sociais discordam sobre as características da Geração Z, inclusive de seu nome. Jean Twenge, psicólogo da Universidade Estadual de San Diego, prefere o nome Geração-i; Neil Howe, autor de diversos livros sobre tendências geracionais dos norte-americanos, acredita que Homelanders (Caseiros) define melhor, pois o grupo passa mais tempo em casa com os pais do que qualquer geração anterior. Após a pandemia, Alexandria Villasenor, 14 anos, manifestante estudante que participou da greve mora em Davis, Califórnia, acredita que Zoomers é um termo ainda melhor. “Daqui a oitenta anos, nossos netos poderão gritar ‘E aí, Zoomers’”, diz ela.
O elemento unificador são as fortes semelhanças da Geração Z com os desafios da Geração Silenciosa que cresceu durante a Depressão e a Segunda Guerra Mundial.
“Daqui a cinquenta anos, os filhos da Geração-i encontrarão 150 rolos de papel higiênico no porão de seus pais”, brinca Twenge.
Um mundo melhor
Felix Finkbeiner, 20 anos, que administra a organização sem fins lucrativos Plant-for-the-Planet, fundada por ele aos 15 anos de idade, considera-se “alérgico” a grandes narrativas de características geracionais. Mas ele acredita que a perspectiva ‘de volta para futuro’ seja o caminho. E que virá repleto de possibilidades.
Quando conversamos pela primeira vez, ele me disse que não esperava grandes mudanças após a pandemia. Uma semana depois, ele mudou de ideia.
“O que realmente me impressionou é que isso se arrastará por pelo menos um ano, provavelmente dois”, diz ele. “E nesses dois anos, tudo girará em torno do vírus, da crise econômica e da polarização política. É difícil ficar otimista de que em um único país haverá algum progresso na questão das mudanças climáticas. Efetivamente, pelo menos dois anos estão perdidos.”
E depois disso? O momento mais revelador da pandemia até agora tem sido a grande resposta a ela. Líderes mundiais que reclamavam que mudanças nos sistemas de energia do planeta seriam muito dispendiosas e perturbadoras, agora mostraram que o mundo é, de fato, altamente capaz de responder a desafios de grande magnitude.
“Não há como voltar atrás”, diz Finkbeiner. Em três curtas semanas, optamos por reduzir efetivamente nosso PIB em 10% ao não permitir que as pessoas trabalhem. Vai ser muito mais difícil afirmar que certas coisas não são possíveis. As expectativas das pessoas sobre a capacidade do governo durante uma crise serão muito maiores.”
Setenta e cinco anos atrás, um mundo mais forte emergiu depois de duas guerras mundiais, uma quebra na bolsa de valores e a Grande Depressão. O autoritarismo foi expulso e a Europa reconstruída. A Previdência Social, criada em 1935, surgiu das profundezas da Grande Depressão e de programas de assistência pública, como o Civilian Conservation Corps (Programa de Conservação Civil) que protegia os recursos naturais, mas recolocava as pessoas no mercado de trabalho. A Geração Z com quem conversei acredita que um mundo melhor é possível. Será que isso vai acontecer novamente?