Dar descarga em um banheiro público pode realmente transmitir a covid-19?

Partículas em suspensão no vaso sanitário podem lançar gotículas com germes no ar. Especialistas indicam as precauções a se tomar em banheiros públicos.

Por Sarah Gibbens
Publicado 23 de jun. de 2020, 07:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Uma funcionária coloca máscaras faciais no banheiro de uma suíte do famoso Hotel Adlon Kempinski de ...

Uma funcionária coloca máscaras faciais no banheiro de uma suíte do famoso Hotel Adlon Kempinski de Berlim em 26 de maio de 2020, um dia após a reabertura para o turismo, à medida que as restrições foram flexibilizadas em meio à pandemia da covid-19.

Foto de Tobias Schwarz, AFP via Getty Images

POUCOS SÃO AQUELES QUE POSSUEM uma bexiga resistente o suficiente para beber, jantar ou fazer longas viagens rodoviárias sem ter que usar o banheiro. Contudo, à medida que mais restaurantes, bares e outros espaços públicos começam a reabrir, uma importante dúvida a esclarecer é se o uso de um banheiro público pode agravar o risco à saúde na era da covid-19.

Essas preocupações vieram à tona quando pesquisadores da China publicaram um estudo sugerindo que a descarga de um vaso sanitário pode criar uma nuvem de partículas carregadas de coronavírus, que são lançadas no ar pelo redemoinho de água dentro do vaso sanitário.

Vários estudos que fazem uso de testes genéticos detectaram anteriormente o vírus SARS-CoV-2 em amostras de fezes e ao menos uma pesquisa indica que os coronavírus nessas fezes podem ser contagiosos. Quando uma pessoa infectada com a covid-19 defeca, o contaminante inicialmente é depositado no vaso sanitário. Mas, em seguida, “o processo de dar a descarga pode lançar no ar o vírus a partir do vaso sanitário e causar contaminação cruzada entre pessoas”, afirma Ji-Xiang Wang, físico da Universidade de Yangzhou na China, coautor do artigo publicado em 16 de junho no periódico Physics of Fluids.

Embora o efeito de suspensão de partículas do vaso sanitário venha sendo estudado há décadas em razão de outras doenças, ainda pairam muitas perguntas sobre seu papel na propagação de germes, como o causador da covid-19. Nem a Organização Mundial da Saúde nem os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) acreditam ser muito provável que a covid-19 possa ser transmitida por materiais intestinais, levando à ingestão acidental de partículas virais, uma via denominada na medicina como transmissão fecal-oral.

Apesar dessas incertezas, os especialistas reiteram que certas precauções devem ser tomadas antes de atender ao chamado da natureza em banheiros públicos.

Qual é o risco real dos banheiros?

No estudo mais recente, a equipe de Wang utilizou modelos de computador para mostrar que pequenas gotículas chamadas aerossóis, formadas pela turbulência da água que espirra no vaso sanitário, podem ser lançadas no ar até uma altura de um metro e meio. Logo após a descarga, a água é jogada dentro do vaso, atingindo o lado oposto com força suficiente para gerar um redemoinho que empurra com força não apenas o líquido, mas também o ar dentro do vaso sanitário.

De acordo com as simulações, esse sistema lança aerossóis que podem permanecer no ar por pouco mais de um minuto. Segundo a equipe de Wang, quanto mais água utilizada em um vaso sanitário, maior será a força da descarga.

Então, quais são as implicações práticas de usar um banheiro logo após alguém infectado com covid-19 ter dado a descarga? A resposta depende muito da capacidade de sobrevivência do vírus infeccioso nas fezes humanas, o que ainda é assunto de pesquisas em andamento.

Para início de conversa, estudos sobre o vírus MERS, um primo coronavírus que provocou um surto em 2012, indicam que especificamente o vírus MERS é capaz de sobreviver no trato digestório humano, um sinal de que o mesmo pode ocorrer com o SARS-CoV-2. Tanto os vírus da gripe quanto os coronavírus são considerados “vírus encapsulados” porque são protegidos por uma camada fina chamada membrana. Ao contrário dos norovírus, os causadores mais frequentes de intoxicações alimentares, os vírus encapsulados são facilmente degradados por ácidos, que os tornam vulneráveis às composições químicas do sabão e da bile estomacal.

Uma hipótese, baseada em pesquisas sobre o vírus influenza, sugere que esses tipos de vírus podem sobreviver em vísceras humanas se o muco dos pacientes infectados oferecer proteção aos germes durante seu percurso pelo trato digestório. A questão, então, é o tempo de duração do vírus na matéria fecal, e essa é outra área que requer mais pesquisas, afirma E. Susan Amirian, especialista em epidemiologia molecular da Universidade Rice, em Houston.

“É improvável que a transmissão fecal seja um meio de transmissão relevante, ainda que se revele plausível”, afirma Amirian. Ela observa que a avaliação dos CDC sobre a transmissão fecal-oral cita um estudo em que os cientistas conseguiram detectar apenas segmentos partidos do código genético do coronavírus nas fezes dos pacientes infectados. Esses fragmentos genéticos são um indicativo de que o germe já esteve presente no corpo, mas o vírus foi tão degradado que não pode mais ser transmitido.

No entanto esses segmentos virais partidos são encontrados com frequência nas fezes daqueles com a covid-19. Outro estudo publicado em abril encontrou vestígios de SARS-CoV-2 na matéria fecal de mais da metade dos 42 pacientes testados. E um relatório publicado pelos CDC em 18 de maio constatou a presença de SARS-CoV-2 viável e contagioso nos excrementos fecais de alguns pacientes.

Além disso, estudos anteriores mostram que a transmissão fecal-oral pode ter ocorrido durante o surto de SARS em 2002-2003, outro coronavírus parente da covid-19. Acreditava-se que a matéria fecal transportada pelo ar tenha contribuído para um total de 321 casos de SARS em um complexo de apartamentos de Hong Kong em 2003. Um exame posterior do incidente verificou que a ventilação precária, o contato com os vizinhos e espaços comuns como elevadores e escadas também tiveram um papel na propagação.

“É bastante provável que usar um banheiro público, sobretudo tomando precauções como manter distância física e praticar uma boa higiene das mãos seja menos arriscado do que participar de aglomerações com pessoas de outras famílias”, afirma Amirian, que enfatiza que “o principal meio de transmissão da covid-19 é entre pessoas e por meio de gotículas respiratórias”.

O que é possível fazer para se proteger?

Ainda assim, “menos arriscado” não significa ausência de risco e os cientistas ainda estão tentando determinar exatamente a taxa de sobrevivência do vírus nas fezes, nas superfícies e no ar.

Um estudo publicado em abril passado no periódico New England Journal of Medicine revelou que o vírus pode sobreviver em superfícies de aço e plástico por até dois e três dias, respectivamente. Uma solução simples de água e sabão é capaz de destruir facilmente o vírus. Mas isso implica que banheiros públicos podem abrigar germes da covid-19 se os estabelecimentos não tomarem o cuidado de limpar suas superfícies.

“No fim das contas, é preciso lembrar que fezes podem ser um reservatório para diversas doenças e, às vezes, as pessoas não percebem que não lavam bem as mãos”, afirma Amirian. “A boa higiene, especialmente a lavagem cuidadosa das mãos, é importante por razões que vão além da covid-19”.

Em banheiros públicos com diversas cabines que não limitam o número de pessoas autorizadas a entrar simultaneamente, grupos de indivíduos representam um risco a mais, pois o contato entre pessoas ainda é a principal forma de contágio do coronavírus.

Joe Allen é o diretor do Programa Edifícios Saudáveis de Harvard, que pesquisa como nossos escritórios, escolas e residências podem afetar nossa saúde. Nas análises conduzidas em prédios que causam efeitos adversos na saúde humana, Allen afirma: “sempre lembro as pessoas de verificarem o exaustor do banheiro”. Ele acrescenta que aumentar a ventilação que puxa o ar interno sujo para fora é uma das melhores maneiras de se proteger em um banheiro contaminado.

“Banheiros (públicos) devem ter exaustores sempre em funcionamento”, explica Allen.

Se possível, ele também recomenda que os estabelecimentos instalem mecanismos sem necessidade de contato, como torneiras, saboneteiras e toalheiros ativados pelo movimento das mãos.

Na ausência de melhorias mais higiênicas nas instalações, Wang aconselha o uso de máscara facial ao usar um banheiro público. Wang acrescenta que uma das maneiras mais eficazes de impedir que aerossóis potencialmente contaminados fiquem suspensos no ar é simplesmente instalar tampas nas privadas de banheiros públicos.

“Os fabricantes deveriam projetar um novo vaso sanitário, em que a tampa é abaixada automaticamente antes da descarga”, sugere Wang.

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