Afinal, por que ocorrem casos assintomáticos da covid-19?

Autoridades sanitárias estão preocupadas com o motivo pelo qual algumas pessoas que testam positivo para o coronavírus nunca apresentam sintomas.

Por Sarah Elizabeth Richards
Publicado 27 de jul. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Estudantes de medicina atendem pessoas em situação de rua em um parque em Praga, República Tcheca, ...

Estudantes de medicina atendem pessoas em situação de rua em um parque em Praga, República Tcheca, durante a pandemia de covid-19.

Foto de Photograpb by Milan Bures, Anzenberger, via Redux

ENTRE OS FATOS que sabemos sobre a covid-19, há uma realidade perturbadora: é difícil identificar quem de nós está propagando a doença.

Até metade dos transmissores silenciosos “se sente bem” no sábado à noite — mas, quando começam a apresentar sinais reveladores como tosse, febre e fadiga na segunda-feira, possivelmente já infectaram muita gente. Por outro lado, há um grupo que pode ser considerado ainda mais evasivo — pessoas infectadas pelo coronavírus, mas que nunca apresentam sintomas — que corresponde a 40% das infecções nos Estados Unidos, de acordo com as estimativas dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC).

O que é especialmente intrigante é o motivo pelo qual esses dois grupos — transmissores pré-sintomáticos e casos assintomáticos — surgem com tanta frequência. Outros vírus, como influenza e resfriados, também são transmitidos silenciosamente. Mas a incrível capacidade que a covid-19 tem de se esquivar dificulta ainda mais o seu controle.

Parte do problema é saber tão pouco sobre como a doença se manifesta. Sabemos que pessoas idosas, obesas ou com outras comorbidades, como asma ou diabetes, são mais suscetíveis a desenvolver  uma forma grave da covid-19. Mas o que é ainda mais difícil de entender são as pessoas que são infectadas e conseguem se livrar da pior parte da doença.

Os pesquisadores estão em uma corrida contra o tempo para entender a biologia desses casos sorrateiros e desenvolver modelos capazes de prever como eles podem estar transmitindo a covid-19. Novas evidências sugerem que uma combinação de genética, idade e individualidade do sistema imunológico pode influenciar quem apresenta um caso leve ou quase imperceptível.

Contágio difícil de medir

O maior desafio no estudo da transmissão assintomática é descobrir com que frequência ela acontece. Se uma pessoa não tem sintomas, provavelmente não fará o teste, certo?

E até mesmo em locais com testes em massa, como China e Islândia, é difícil obter dados confiáveis. Uma das razões é que os estudos de pesquisa não acompanham os pacientes por um período significativo de tempo após o teste para verificar se eles podem ter desenvolvido sintomas posteriormente. Um novo estudo publicado na revista científica Nature estima que 87% das infecções em Wuhan, na China, nos primeiros dias da pandemia não foram detectados porque as autoridades sanitárias não sabiam sobre a contaminação pré-sintomática.

Quanto às pessoas que nunca apresentam sintomas, não está claro qual seu grau de contágio porque os pesquisadores têm dificuldade em documentar sua transmissão. Os CDC estimam que os casos assintomáticos são 75% tão infecciosos quanto os sintomáticos, mas a agência alerta que essa suposição se baseia em um entendimento obscuro do que é conhecido como “propagação viral”, no qual as pessoas, sem saber, liberam vírus contagiosos na atmosfera.

Para começar, talvez as pessoas assintomáticas não portem tanto vírus, ou seu sistema imunológico se comporte como os de morcegos. “Os morcegos possuem esses vírus, mas não ficam doentes. Eles parecem ter uma resposta imune que lhes permite eliminar o vírus”, diz Stanley Perlman, professor de microbiologia e imunologia da Universidade de Iowa, na cidade de Iowa, Estados Unidos.

Essas teorias podem lançar luz sobre uma nova pesquisa chinesa que indica que pessoas assintomáticas têm uma resposta imune mais fraca em geral e produzem menos anticorpos, uma das armas do sistema imunológico.

Biologia desconcertante

Os pesquisadores também estão tentando descobrir quem tem mais probabilidade de apresentar o tipo assintomático de covid-19. Nessa doença, os jovens se livram das piores consequências causadas pelo vírus, de acordo com uma análise de cerca de 17,3 milhões de registros de saúde britânicos que relacionava o risco de morte pelo vírus com a idade avançada.

Quando se trata de gravidade, “o indicador mais potente é, de longe, a idade”, diz Paul Sax, diretor clínico da Divisão de Doenças Infecciosas do Brigham and Women's Hospital, em Boston, e professor de medicina na Faculdade de Medicina de Harvard. No entanto o motivo é mais complicado do que o simples fato de os mais jovens serem normalmente mais saudáveis. Uma teoria sustenta que as pessoas mais vulneráveis têm mais receptores ECA2 (enzima conversora de angiotensina 2), que são as entradas celulares utilizadas pelo coronavírus. Adultos mais velhos possuem mais ECA2 por todo o corpo e no nariz, por onde entra o vírus, do que os jovens. Obesos também possuem mais quantidade desses receptores.

Outra teoria que está ganhando força é que os mais jovens têm mais infecções virais respiratórias de um modo geral; portanto, quando contraem covid-19, é menos perigoso. “A exposição deles a diversos coronavírus oferece proteção parcial contra a covid-19”, diz Sax. Um manuscrito revisado por especialistas, mas ainda não editado, publicado na semana passada na revista científica Nature propõe que as pessoas que se recuperaram de determinados tipos de coronavírus podem ter “linfócitos T de memória” preexistentes que evitam a covid-19 ou as deixam mais propensas a ter um caso mais leve.

Outra pesquisa sugere que pessoas assintomáticas podem ser geneticamente mais sortudas. Algumas pessoas têm variantes dos genes da ECA2 que as deixam mais suscetíveis a serem infectadas pela proteína S (espícula) da covid-19 ou mais propensas a inflamações, que afeta os pulmões, ou ao estreitamento dos vasos sanguíneos, que agrava a doença. Relatórios preliminares da Itália e da Espanha alegaram que alguns tipos sanguíneos aumentam o risco de hospitalização, mas estudos maiores divulgados este mês contrariam essa ideia.

Só um pouco doente

Embora as pessoas infectadas com outras doenças conhecidas também possam transmiti-las de forma assintomática, isso tende a ser negligenciado entre os cientistas, porque os estudos geralmente se concentram naqueles que estão gravemente doentes.

Um estudo comunitário de 2019 tentou documentar essa disseminação silenciosa. O projeto testou 214 pessoas semanalmente em vários locais da cidade de Nova York para detectar 18 vírus respiratórios diferentes, como influenza, e uma série de germes causadores de resfriado, incluindo alguns coronavírus. No decorrer de um ano e meio, os pesquisadores constataram que alarmantes 55% dos casos positivos não apresentavam sintomas, e as taxas de infecção assintomática ultrapassaram 70% na maioria dos vírus.

No entanto há pouco consenso entre os pesquisadores, especialmente aqueles que estudam influenza, sobre o grau de contágio desses casos silenciosos.

“É um debate que se arrasta há muitos anos”, diz Ben Cowling, professor e chefe da divisão de epidemiologia e bioestatística da Escola de Saúde Pública da Universidade de Hong Kong. “Com a gripe, o período de incubação é de um a dois dias. A transmissão ocorre rapidamente e a maioria dos casos é leve. Se uma pessoa tem gripe e tentar descobrir como se infectou, será uma tarefa muito difícil.”

Apesar dos desafios de rastrear a transmissão da covid-19, Cowling diz que o período de incubação de 14 dias do coronavírus deu às autoridades sanitárias mais tempo para juntar os pontos e detectar casos assintomáticos. Entretanto o surpreendente é que quando algumas pessoas são informadas de que foram infectadas concluem que, no fim das contas, não ficaram completamente assintomáticas.

“Quando questionadas sobre seus sintomas, acabam percebendo que estavam se sentindo indispostas”, diz Cowling. “Há uma área cinzenta na qual você pode apresentar algo brando, como uma leve coceira na garganta ou dor de cabeça, mas não sabe se é um sintoma de infecção ou algo que aconteceu porque não dormiu bem”.

Essa confusão em relação aos sintomas clássicos da covid-19 não é surpreendente, considerando que a lista não para de crescer. Os sintomas incluem perda do paladar ou olfato, erupção cutânea púrpura nos dedos dos pés e até problemas gastrointestinais como náusea ou diarreia. Um artigo recente na revista científica Nature Medicine mostrou que pessoas sem sintomas aparentes ainda podem sofrer danos pulmonares.

Em outras palavras, o que os pesquisadores pensavam ser casos verdadeiramente assintomáticos podem ser algo conhecido como paucissintomático, o que significa que os poucos sintomas são tão leves que as pessoas nem suspeitam que têm uma infecção. “São sintomas que fazem com que se sinta estranho, mas que você acaba não atribuindo à covid-19”, diz Lauren Ancel Meyers, professora de biologia integrativa da Universidade do Texas em Austin, Estados Unidos, que estuda modelagem de doenças.

Compreender melhor essa área cinzenta pode ser fundamental para conter a propagação do vírus.

“Seria de grande valia entender quais sintomas leves são comuns para que pudéssemos identificar e isolar mais rapidamente as pessoas”, diz Meyers. “Se houver menos casos assintomáticos verdadeiros do que pensamos, isso poderá ter um enorme impacto em nossas projeções e políticas de reabertura.”

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