Misterioso objeto cósmico é engolido por buraco negro e confunde astrônomos

O corpo celeste não identificado, revelado em ondas gravitacionais, desafia as noções do que acontece quando grandes estrelas morrem em explosões extremas.

Por Nadia Drake
Publicado 6 de jul. de 2020, 17:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Uma imagem de dois buracos negros espiralando no processo de fusão, emitindo ondas gravitacionais. As faixas ...

Uma imagem de dois buracos negros espiralando no processo de fusão, emitindo ondas gravitacionais. As faixas em laranja representam maiores quantidades de radiação do sistema. A fusão, observada em 14 de agosto de 2019 pelos detectores de ondas gravitacionais LIGO e Virgo, revelou que o objeto menor possui cerca de 2,6 vezes a massa do Sol — um tamanho misterioso que pode revelar o limite entre uma estrela de nêutrons e um buraco negro.

Image by N. Fischer, S. Ossokine, H. Pfeiffer, A. Buonanno Max Planck Institute for Gravitational Physics, Simulating eXtreme Spacetimes SXS Collaboration

ALGO MISTERIOSO aconteceu no cosmos.

A cerca de 800 milhões de anos-luz, um buraco negro engoliu um objeto não identificado e a fusão cósmica resultante liberou energia suficiente para causar dobras no tecido do espaço-tempo. Essas dobras, conhecidas como ondas gravitacionais, viajaram pelo universo e, por fim, chegaram à Terra em 14 de agosto de 2019. Aqui, três detectores sensíveis o suficiente para medir essas minúsculas perturbações registraram a fusão — e quando astrônomos decodificaram as informações gravadas nas ondas gravitacionais, se viram diante de um enigma.

A colisão, nomeada GW190814, destaca-se das dezenas de fusões cósmicas detectadas pelo Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (LIGO) — uma colaboração envolvendo centenas de cientistas — e pelo seu equivalente italiano, o Virgo. Durante milhões ou talvez bilhões de anos, os dois objetos orbitaram um ao outro, espiralando cada vez mais próximo até que finalmente colidiram. Os astrônomos determinaram que um desses objetos era um buraco negro com massa equivalente a 23 vezes a do nosso Sol. O outro, engolido por inteiro, tinha aproximadamente 2,6 massas solares — e é um objeto misterioso que desafia os conceitos atuais.

“Tenho certeza de que nunca vimos nada parecido,” afirma Vicky Kalogera da Universidade do Noroeste, que coordenou o relatório sobre a fusão publicado em 23 de junho na revista científica Astrophysical Journal Letters.

O misterioso objeto fica bem no ponto de inflexão entre ter uma superfície, como uma estrela, ou se tornar um poço de espaço-tempo sem fundo, também conhecido como buraco negro. Sua massa o coloca em uma zona sombria entre as estrelas de nêutrons mais pesadas que se conhece — cadáveres estelares resultantes da explosão de estrelas em supernovas — e os buracos negros mais leves, que se formam quando um resíduo estelar é compacto o suficiente para colapsar em um ponto de densidade infinita.

Os cientistas estão tentando descobrir onde as estrelas de nêutrons terminam e os buracos negros começam, pois esse limite pode revelar como a matéria se comporta nas condições mais extremas do universo. E devido ao fato de esses exóticos objetos serem o último estágio da evolução estelar, em algum momento, após todas as estrelas queimarem, eles podem ser as únicas coisas à deriva em um universo vazio. Tudo isso torna muito fascinante a identidade do estranho objeto visto em GW190814.

“Se for uma estrela de nêutrons, é uma massa fantástica para esse tipo de estrela. Se for um buraco negro, é uma massa interessante para um buraco negro,” afirma Kalogera. “De qualquer maneira, foi um alerta no momento em que o vimos.”

De ouvidos atentos para a gravidade

Viajando na velocidade da luz, as ondas gravitacionais inundam tudo pelo caminho. Mas a distorção no espaço-tempo é tão discreta que é extremamente difícil de ser detectada. Os detectores do LIGO em Washington e na Luisiana, assim como o detector Virgo na Itália, emitem raios laser para frente e para trás para medir a duração do tempo de viagem da luz. Quaisquer pequenas alterações no tempo normal de viagem seriam o resultado da contratação e expansão do espaço-tempo.

O esforço de detecção foi bem-sucedido pela primeira vez em 2015, com uma observação que acabou resultando no prêmio Nobel de física. Desde então, a maioria das detecções apontou duplas de buracos negros em colisão. Os astrônomos também detectaram dobras no espaço-tempo decorrentes de colisões de estrelas de nêutrons. Ao contrário das fusões anteriores, os cientistas têm tido dificuldades para identificar a verdadeira natureza dos objetos envolvidos na GW190814.

Enquanto o objeto mais pesado é claramente um buraco negro, o objeto de menor massa é um dos poucos corpos celestes conhecidos classificados no que é chamado de lacuna de massa entre estrelas de nêutrons e buracos negros. Em algum lugar dessa lacuna, a matéria se torna instável e colapsa virando um buraco negro — e as estrelas de nêutrons existem justamente na fronteira desse limite.

“A natureza impõe um limite para a densidade estável de um material,” conta Zaven Arzoumanian, do Goddard Space Flight Center da Nasa. “Porém não sabemos o que é ou o que acontece com a matéria nesse lado,” explica Arzoumanian, líder científico do NICER, um experimento da Estação Espacial Internacional que estuda estrelas de nêutrons.

As observações sugerem que as estrelas de nêutrons atingem, no máximo, cerca de 2,1 vezes a massa do Sol, porém a maioria está na média de 1,4 vez, afirma Feryal Özel da Universidade do Arizona, que estuda os limites desses objetos. Algumas observações apontam para estrelas de nêutrons ainda mais pesadas — cerca de 2,5 massas solares — mas os dados ainda não são robustos o suficiente. E as teorias que descrevem a física interna das estrelas de nêutrons não conseguem estabelecer o que poderia impedir o colapso da estrela quando ela aumenta muito.

Do outro lado da lacuna de massa, os buracos negros mais leves já observados têm aproximadamente 5 vezes a massa do Sol. Até pouco tempo atrás, não havia quase nenhum meio termo. Um objeto, também detectado pelo LIGO, é o produto da colisão de duas estrelas de nêutrons e pesava cerca de 2,7 massas solares.

Por enquanto, não está claro se o buraco negro na recente fusão canibalizou outro buraco negro ou se engoliu uma estrela de nêutrons.

“Se no fim for uma estrela de nêutrons — caso ela possa ser tão grande quanto 2,6 massas solares —, representará uma verdadeira mudança de paradigma,” diz Özel.

Ela e Kalogera suspeitam que o objeto misterioso seja um buraco negro leve. “Não temos nenhuma razão física que nos diga que um buraco negro não possa ter 2,6 massas solares,” afirma Özel. Mas ambos mencionam que será difícil ter certeza. O sistema está muito distante para que outros observatórios possam estudar. Além disso, as massas distorcidas escondem uma possível pista: caso o buraco negro fosse menos massivo, seria possível vê-lo se deformar e destruir uma estrela de nêutrons que se aproximasse, em vez de a engolir por inteiro. Esse tipo de refeição desleixada deixaria um traço identificável nas ondas gravitacionais.

“Acho que não temos qualquer chance de saber que objeto é esse,” confessa Özel. “Os sinais indicadores de que poderia ter sido uma estrela de nêutrons simplesmente não estão lá — mas a ausência deles também não significa nada.”

Origens desconhecidas

Mesmo sem saber a verdadeira origem de um deles, os objetos envolvidos na fusão GW190814 são particularmente marcantes por serem bastante desiguais. A maioria das colisões observadas pelo LIGO e Virgo envolve pares que possuem massas relativamente similares. Porém, com 23 vezes a massa do Sol, esse buraco negro é cerca de nove vezes mais pesado que seu parceiro mais leve.

“Nós realmente nunca vimos isso antes,” diz Özel. “Isso abre as portas para alguns testes gravitacionais que ainda não tínhamos conseguimos fazer, e perguntas sobre como esses binários se formam.”

A assimetria do sistema dificulta qualquer explicação sobre sua origem e ambiente pelos cientistas. Por exemplo, em aglomerados globulares — aglomerados estelares antigos e coesos que orbitam galáxias — espera-se que pares de objetos compactos tenham massas muito mais similares. Dentro das próprias galáxias, os sistemas que evoluem isoladamente podem produzir pares desiguais, mas não se espera que esses sistemas colidam com frequência suficiente para produzir esse tipo de observação.

A equipe está considerando cenários de formação mais excepcionais, incluindo múltiplos sistemas de fusão, aglomerados estelares fracamente ligados e objetos presos em discos de material rodopiando em torno de buracos negros supermassivos.

Contudo, como costuma acontecer em um universo de possibilidades ilimitadas, muitas incógnitas permanecem.

“Parte do fascínio pelas estrelas de nêutrons é que elas representam o último estágio antes do colapso gravitacional da matéria,” explica Arzoumanian. “Qual é a maior densidade estável que a matéria pode atingir antes de implodir e entrar em colapso dentro do seu próprio horizonte de eventos, para nunca mais ser vista?” 

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