É possível ir ao dentista com segurança durante a pandemia?

Com novos protocolos de segurança, dentistas incentivam seus pacientes a voltarem aos consultórios. Antes, veja como se preparar para a próxima consulta.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 11 de set. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Dentistas defendem que, com as devidas precauções, o risco de transmissão de covid-19 durante as consultas ...

Dentistas defendem que, com as devidas precauções, o risco de transmissão de covid-19 durante as consultas é mínimo — e que postergar cuidados odontológicos de rotina já é, por si só, uma grande preocupação de saúde.

Foto de Luca Santini, Contrasto, Redux

MINHA LÍNGUA FOI A PRIMEIRA a perceber o canto lascado em meu dente ao tocá-lo: um grande pedaço do meu terceiro molar direito estava faltando. Não sei como aconteceu, mas depois de meses evitando qualquer tipo de proximidade física com outras pessoas, chegou a hora de enfrentar a cadeira do dentista.

No alto da pandemia nos Estados Unidos, o consultório em Alexandria, Virgínia, estava bem diferente do que costumava ser. Havia dois porta-canetas na mesa da recepcionista, um para os itens “limpos” e outro para os usados recentemente. Uma divisória de acrílico me separava do restante do ambiente, e todos — inclusive eu — usavam máscaras.

O ambiente odontológico é propício para a disseminação do SARS-CoV-2, pois os dentistas trabalham frente a frente com os pacientes, que precisam ficar com a boca aberta por bastante tempo. “Infelizmente, trabalhamos em uma zona de perigo”, disse Mark Wolff, reitor da Faculdade de Odontologia da Universidade da Pensilvânia.

Ainda assim, dentistas defendem que, com as devidas precauções, o risco de transmissão da covid-19 durante as consultas é mínimo — e postergar cuidados odontológicos de rotina já é, por si só, uma grande preocupação de saúde que pode causar diversos outros problemas. Por exemplo, a gengivite está relacionada a outras condições crônicas, como doenças cardíacas. Veja o que você precisa saber para voltar à cadeira do dentista com segurança durante a pandemia.

Quais são os riscos?

O SARS-CoV-2 se espalha pela névoa expelida quando respiramos, falamos e tossimos, por exemplo. As pessoas podem inalar essas partículas ou tocar em superfícies contaminadas e, em seguida, esfregar os olhos, nariz ou boca. Ferramentas comuns em odontologia, como brocas e limpadores ultrassônicos, também produzem pequenas partículas, conhecidas como aerossóis, que podem conter coronavírus e permanecer no ar por minutos ou horas.

Em março de 2020, quando as informações sobre o SARS-CoV-2 ainda eram escassas, a Associação Norte-Americana de Odontologia (ADA) aconselhou aos profissionais que adiassem os atendimentos não emergenciais para limitar a possível propagação do vírus. A mudança também ajudou a poupar equipamentos de proteção individual para funcionários trabalhando na linha de frente de hospitais durante períodos de insuficiência de recursos. A ADA, em contato próximo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), criou uma equipe de especialistas para estudar como reabrir os consultórios com segurança — no fim de maio, a odontologia de rotina retomou suas atividades em todo o país com novas recomendações.

“Estamos preocupados com a segurança de nossos pacientes”, afirmou o presidente da ADA, Chad Gehani. “Essa é a nossa prioridade máxima: atuar de acordo com o melhor interesse da população”.

Devo ir ao dentista se não for uma emergência?

Em geral, sim — com algumas ressalvas.

Em longo prazo, postergar o atendimento odontológico apresenta riscos consideráveis à saúde, reitera Gehani. Condições não graves, como uma obturação rachada, podem piorar se ignoradas, e limpezas dentárias simples são essenciais. Há, por exemplo, uma “relação direta” entre a saúde das gengivas e diabetes, assim como uma conexão com doenças cardíacas, explica. A limpeza dentária pode estabilizar a condição gengival.

O período prolongado em casa também significou uma piora na alimentação das pessoas — que passaram a consumir mais alimentos que causam cáries, como doces e refrigerantes. Essa mudança não passou despercebida por Jessica Hill, dentista que, há pouco tempo, realizou meu tratamento dentário. “Sem dúvida, vemos a diferença”, confirma ela sorrindo. “A boca das pessoas está mais suja e demoramos um pouco mais para conseguir limpá-la. Mas estamos prontos para enfrentar esse desafio, desde que possamos reabrir nossos consultórios e praticar odontologia.”

Segundo Wolff, é durante o trajeto de ida e volta das consultas que o risco de contrair SARS-CoV-2 é maior. Ele se preocupa com os pacientes — especialmente aqueles com doenças preexistentes — que utilizam metrôs ou ônibus lotados em locais onde a transmissão viral é alta. Pessoas com certas condições devem falar com seu dentista antes de agendar uma consulta, acrescenta. Adiar a limpeza por algumas semanas ou um mês na esperança de que as taxas de transmissão do coronavírus diminuam é aceitável, diz Gehani, mas ele se preocupa com quem decide esperar seis meses ou mais.

Hill ressalta, “O meu maior medo é que, por não haver uma previsão do fim da pandemia, as pessoas vão continuar esperando e, quando voltarem a se consultar, terão muito mais problemas”.

Como seria uma visita segura ao dentista?

Considerando que as pessoas podem transmitir o SARS-CoV-2 mesmo sem apresentar sintomas, e devido à inexistência de um teste rápido e de baixo custo, os profissionais adotaram uma série de precauções, explica Wolff. Conforme sugerido pela ADA e pelo CDC, as diferenças em sua consulta odontológica devem começar antes mesmo de você chegar ao consultório, por meio de um questionário de pré-triagem. Essa é uma avaliação aproximada do seu estado de saúde, que inclui perguntas sobre tosse ou febre recentes, e possível contato com pessoas infectadas com a covid-19.

Para limitar os riscos no consultório, os dentistas estão atendendo menos pacientes por vez e pedem que as pessoas entrem sozinhas para reduzir o número de possíveis interações de cada paciente. Logo após a sua chegada, uma enfermeira provavelmente irá aferir sua temperatura. A disposição das cadeiras na sala de espera também pode ser diferente para proporcionar um maior distanciamento social. O consultório de Gehani já teve 14 cadeiras na sala de espera. Agora, são apenas quatro, uma em cada canto. E todos na sala de espera, tanto a equipe odontológica quanto os pacientes, devem usar máscaras.

As mudanças devem ser claras desde o momento em que você entra no consultório — e devem demonstrar que seu dentista está levando a sério as recomendações da ADA e do CDC, relembra Wolff.

Os dentistas agora também usam diversas camadas de equipamentos de proteção individual, como máscaras N95. Essa estratégia não apenas reduz os aerossóis inalados durante o procedimento, mas também limita quaisquer gotículas que possam escapar da boca. Gehani comenta que não conversa mais com seus pacientes como costumava fazer durante as consultas, com o objetivo de minimizar a liberação de partículas. Os dentistas também usam proteção facial para evitar que saliva ou respingos de sangue atinjam seus olhos — Hill acredita que essa precaução será mantida por muito tempo após o fim da pandemia.

“Depois de atender cada paciente, eu limpo minha proteção facial, vejo todos os resíduos e penso: ‘Que horror, isso chegava ao meu rosto antes de eu começar a usar esse equipamento’”, exclama.

De que forma os procedimentos odontológicos mudaram?

Essa não é a primeira vez que uma pandemia muda a odontologia. Muitas medidas, como o uso regular de luvas e máscaras, começaram durante a epidemia de HIV/AIDS na década de 1980, esclarece Gehani. Agora, com as crescentes preocupações sobre a atual pandemia, “estamos apenas redobrando os esforços para garantir a aplicação das diretrizes de controle de infecção adequadas”, acrescenta.

Alguns dentistas começaram a solicitar a realização de um  enxágue bucal antes do atendimento — uma mistura de peróxido de hidrogênio ou iodo diluído que elimina parte da flora microbiana que se desenvolve em sua boca e na parte superior da garganta. O objetivo é reduzir a possível quantidade de SARS-CoV-2 em aerossóis produzidos durante a sua consulta. No momento, não há nenhuma evidência científica que comprove que esse procedimento reduz a transmissão de covid-19, relembra Gehani, “mas não tem contraindicações”.

Alguns consultórios também estão trocando os instrumentos utilizados. Wolff diz que sua faculdade agora evita instrumentos ultrassônicos para limpar os dentes. Essas ferramentas vibram de forma extremamente rápida, o que é “praticamente um método ideal de gerar aerossóis de um vírus”, explica.

Durante alguns procedimentos, os dentistas também podem utilizar um dique de borracha, uma fina camada de látex que cobre a maior parte da boca do paciente, deixando somente os dentes necessários expostos. Por manter a saliva na boca, o dique pode reduzir o risco de propagar respingos e aerossóis contaminados com vírus. Mas não é fácil utilizá-lo: “É preciso realizar uma manobra na boca do paciente para conseguir colocá-lo”, lamenta Hill. Ela também observa que contar com sucção de alta potência, que pode ser realizada por um assistente, também pode limitar a propagação de partículas durante um procedimento.

“Lembre-se também que há uma série de adaptações acontecendo nos bastidores que você não nota”, acrescenta Hill. O consultório dela alterna a sala em uso, por exemplo, permitindo que os aerossóis diminuam no local antes de outro paciente entrar. Alguns consultórios também aumentaram a ventilação para evitar a formação de névoas de ar contaminado, que podem abrigar o vírus, explica Wolff.

Como um todo, os esforços parecem estar dando certo, embora a Organização Mundial da Saúde e a ADA discordem sobre a realização de consultas não essenciais em regiões com alta transmissão do SARS-CoV-2.

“Estamos trabalhando dessa forma desde o início de maio e, até o momento, não houve nenhuma transmissão do vírus de dentista para paciente”, conta Hill. “Por isso, acredito que, como dentistas, estamos fazendo a coisa certa.”

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