Você já contraiu o coronavírus? Pode ser que você pegue de novo

Casos de reinfecção ainda são raros, mas estão aumentando constantemente ao redor mundo, e provavelmente sendo subnotificados.

Por Sarah Elizabeth Richards, Nsikan Akpan
Publicado 4 de dez. de 2020, 07:00 BRT
Homem usando máscara passando pela ilustração de um vírus do lado de fora do Centro Regional ...

Homem usando máscara passando pela ilustração de um vírus do lado de fora do Centro Regional de Ciências de Oldham, em 24 de novembro de 2020, em Oldham, Reino Unido. Cada vez mais países estão notificando casos de reinfecção de covid-19. Esses números mostram que a recuperação do coronavírus SARS-CoV-2 não serve como desculpa para desrespeitar as normas sanitárias enquanto a pandemia ainda está em pleno curso.

Foto de Christopher Furlong, Getty Images

AS PESSOAS PODEM contrair covid-19 duas vezes. Este é o consenso que está surgindo entre especialistas em saúde que estão estudando a possibilidade de reinfecção por coronavírus nas pessoas já recuperadas. Até o momento, o fenômeno não parece ser generalizado — foram registradas algumas centenas de casos de reinfecção no mundo — porém é provável que esses números aumentem com a continuidade da pandemia.

A identificação de reinfecções é uma tarefa complicada: não só por causa do tempo que as crises seguintes da doença levam para aparecer, mas também porque as secretarias de saúde precisam verificar se os casos suspeitos realmente se tratam de reinfecções, visto que o coronavírus residual pode permanecer no corpo por várias semanas. Por exemplo, o técnico do time de futebol americano da Universidade do Alabama, Nick Saban, ganhou as manchetes na semana passada, logo antes do dia de Ação de Graças, ao testar positivo pela segunda vez. Mas ainda não está claro se ele realmente foi reinfectado, devido a uma falta de dados de triagem da equipe quando ocorreu o primeiro caso do técnico no mês de outubro.

Considerando que as reinfecções por covid-19 são relativamente raras, não se pode atribuir a elas os recentes aumentos de casos. Entretanto, esses incidentes podem ser más notícias para veteranos do coronavírus que esperavam ganhar o chamado “passaporte de imunidade”. Esse tipo de relato demonstra que a recuperação do coronavírus SARS-CoV-2 não serve como desculpa para dispensar as máscaras e ignorar as regras de distanciamento social enquanto a pandemia ainda está em pleno curso. Em outubro, uma mulher holandesa de 89 anos foi registrada a primeira vítima fatal que contraiu o coronavírus pela segunda vez.

A imunidade pode diminuir com o passar do tempo — da mesma forma como acontece com outros tipos de coronavírus — e adoecer novamente pode potencializar alguns sintomas em pessoas que contraírem o vírus pela segunda vez.

Um estudo de caso, publicado em outubro na revista científica The Lancet relatou que no início de abril, um homem de 25 anos do estado de Nevada, Estados Unidos, foi a um centro de testes comunitário reclamando de dores de garganta, de cabeça, tosse e náuseas. Como esperado, ele testou positivo para covid-19 e foi para casa para permanecer em isolamento. Nas semanas seguintes, dois testes confirmaram que ele estava totalmente recuperado. Porém, no final de maio, o coronavírus atacou novamente. Dessa vez, ele chegou com um quadro ainda pior, marcado por falta de ar e que exigiu que ele fosse encaminhado para o pronto-socorro para receber oxigênio.

Outros países também registraram taxas de reinfecção que sugerem que o verdadeiro número global é desconhecido, mas potencialmente perigoso. No mês passado, a Suécia iniciou uma investigação de 150 casos. No Brasil, os cientistas estão monitorando 95 casos. E o México afirmou possuir 258 casos de reinfecção em meados de outubro — com aproximadamente 15% deles graves e 4% fatais. Os bancos de dados do país mostraram que pessoas que sofreram com casos graves na primeira infecção tinha mais chance de serem hospitalizadas nas infecções subsequentes.

“Constatamos que a reinfecção é definitivamente possível”, afirma Richard Tillett, bioestatístico do Instituto de Medicina Personalizada da Universidade de Nevada, em Las Vegas, e autor principal do estudo de caso mencionado. “Parece incomum e até mesmo raro. Mas é algo real e pode acontecer.”

Detectar uma reinfecção é mais difícil

Reinfecções são difíceis de serem documentadas porque os pesquisadores não podem simplesmente confiar em relatos dos pacientes sobre sintomas que retornaram ou em testes para covid-19 empregando o método de reação em cadeia da polimerase (PCR). Eles precisam de evidências genéticas mais sólidas, o que exige tecnologias diferentes.

Uma nova mutação surge no SARS-CoV-2 a cada 15 dias, em média. Até agora, essas mudanças naturais não são tão profundas a ponto de alterarem a natureza ou a potência do coronavírus, o que significa que não se trata de uma nova cepa. Mas elas podem trazer provas de que a segunda crise do paciente não foi igual à primeira.

“Os pacientes não estão sendo reinfectados com uma nova cepa”, esclarece Nathan Grubaugh, professor assistente de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Yale, em New Haven, Connecticut. Esses dados de sequenciamento, ele explica, fornecem simplesmente uma “assinatura genética” que mostra se a recorrência da doença deriva de uma nova infecção.

Foram esses dados que confirmaram à equipe de Nevada que o paciente deles não estava sofrendo apenas de uma infecção persistente encoberta que havia repentinamente se agravado. “Nossa hipótese é de que ele contraiu de uma segunda fonte, porque observamos seis mutações diferentes”, conta Tillett.

Utilizar a combinação dos históricos do paciente com o sequenciamento genético é a maneira fidedigna de rastrear reinfecções; elas não podem ser averiguadas por meio de picos medidos com testes padronizados. Para avançar com esse processo, laboratórios clínicos terão que uniformizar suas práticas e armazenar amostras em longo prazo. Uma pesquisa recente no Catar identificou 243 prováveis reinfecções tendo como base o histórico de casos, mas apenas quatro tinham material genético suficiente para serem confirmadas.

No fim de outubro, essa necessidade motivou os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) a estabelecerem o novo “padrão de ouro” das diretrizes. (O primeiro caso de Saban aconteceu antes da consolidação dessas novas diretrizes.)

Autoridades de saúde locais que receberem informações de supostos casos reincidentes agora estão sendo incentivadas a enviar amostras para laboratórios de análise capacitados para a realização de sequenciamento genético, e também a documentar detalhadamente os sintomas e o intervalo entre a primeira infecção e a suposta reinfecção.

Esse intervalo de tempo é especialmente importante pois pode ajudar a responder à pergunta: quanto tempo dura a nossa imunidade ao SARS-CoV-2?

Covid-19 mais leve na segunda vez?

Boa parte do retorno à normalidade por parte da sociedade depende da duração e resistência da imunidade à covid-19. Além de constatar como as pessoas vão se recuperar da doença, também determinará a frequência da administração da vacina para controlar a pandemia, e até mesmo se o distanciamento social permanecerá.

Mas comprovar a duração da imunidade a uma doença é um processo demorado. Com os indícios iniciais do provável comportamento da covid-19, especialistas em saúde tentaram estimar o risco de reinfecção observando outros coronavírus humanos. Por exemplo, um estudo que analisou quatro coronavírus sazonais publicado em setembro na revista científica Nature Medicine verificou que reinfecções podem ocorrer a partir de seis a nove meses após a primeira, porém tinham uma maior probabilidade de acontecer após um período de 12 meses. Mas a resposta do organismo ao SARS-CoV-2 é diferente da dos vírus sazonais, devido ao tempo que os humanos e esses vírus tiveram para se adaptar uns aos outros.

Grubaugh normalmente atribui o fenômeno da queda de imunidade à falta de anticorpos contra um determinado vírus por parte do paciente. Essas proteínas são produzidas pelo sistema imunológico como resposta a uma infecção. Elas auxiliam a sufocar o micro-organismo durante a invasão e acredita-se que evitam futuros ataques.

Evidências sugerem que 95% das pessoas produzem anticorpos duas semanas após o início da covid-19. Grubaugh afirma que é possível que os anticorpos do SARS-CoV-2 desapareçam com o tempo e as pessoas possam ficar vulneráveis novamente, mas não acredita que isso possa acontecer durante vários anos ou décadas. É mais provável que algumas pessoas simplesmente não tenham uma resposta de anticorpos infalível no primeiro momento, ele esclarece.

E aparentemente foi isso que aconteceu com um homem de Hong Kong de 33 anos, que contraiu o vírus pela primeira vez em março e posteriormente desenvolveu um caso assintomático em agosto. Ainda que ele não demonstrasse os sintomas habituais de tosse, febre ou dores de cabeça na segunda vez, ele se tornou um transmissor em potencial. Grubaugh suspeita que a maior parte das reinfecções neste momento são devidas ao comprometimento do sistema imunológico das pessoas.

O que torna a questão da reinfecção ainda mais misteriosa é que esse tipo de relato está surgindo ao mesmo tempo em que novas pesquisas sugerem que a imunidade à covid-19 talvez seja realmente duradoura. Estudos preliminares mostraram que os níveis de anticorpos caíram alguns meses após as infecções pelo SARS-CoV-2, no entanto, outros alegam que a queda desses números não significa uma perda de proteção.

A sinfonia da imunidade

Na realidade, a diminuição dos anticorpos pode sinalizar um sistema imunológico normal e saudável. Em novembro, uma pesquisa britânica em fase de pré-publicação (ainda não revisada por pares) relatou que um fluxo inicial de anticorpos logo após a infecção corresponderia a uma proteção por seis meses — ainda que os níveis de anticorpos caiam com o passar do tempo. O estudo registrou somente três casos de reinfecção assintomática entre 1.246 profissionais da saúde que possuíam anticorpos detectáveis no início.

Isso se deve aos níveis de anticorpos não representarem o único fator importante na capacidade de evitar infecções futuras, afirma S. Vincent Rajkumar, oncologista e professor de medicina da Clínica Mayo, em Rochester, Minnesota, que estuda imunidade.

Pense no sistema imunológico como uma orquestra, tendo como seus mais versados músicos as células B e T. Quando o SARS-CoV-2 invade, o movimento de abertura do organismo é frenético. Algumas células B despertam rapidamente, produzindo uma primeira explosão de anticorpos após uma ou duas semanas. Ao mesmo tempo, um grupo de células T — conhecido como exterminador — persegue outras células infectadas pelo coronavírus e faz com que elas se autodestruam. Um tipo diferente de célula T — chamado de ajudante — guia ambas as respostas à crise. Se alguma das partes perde a harmonia, pode arruinar toda a produção e acabar causando mais danos em vez de diminuí-los.

Enquanto tudo isso está acontecendo, o sistema imunológico também está aprendendo. Uma parte dessas células B e T ficam guardadas, elas são denominadas células de memória. Após a recuperação, as células de memória continuam a trabalhar nos bastidores para evitar novas infecções.

“As células que produziram os anticorpos continuarão vivas. Dificilmente uma nova infecção causaria o mesmo dano que a primeira. O corpo já sabe como se defender”, esclarece Rajkumar.

Por esse motivo os cientistas estavam animados em julho com a publicação de uma pesquisa científica que mostrou que as células T de memória ainda eram detectáveis anos após as pessoas terem se recuperado do coronavírus SARS-CoV de 2002-2003, um parente próximo do vírus da doença pandêmica deste ano.

Agora, as últimas evidências sugerem que as células B e T produzidas por infecções de covid-19 possivelmente também podem permanecer em longo prazo. Uma pré-publicação, divulgada no dia 16 de novembro, deu início ao esboço do tempo de vida desses componentes críticos do sistema imunológico com 185 pacientes de coronavírus. Ela indicou que as células B de memória permaneceram abundantes após seis meses, enquanto as células T de memória diminuíram em quantidade, mas apenas pela metade. Um outro estudo de novembro constatou que cem profissionais de saúde que contraíram o coronavírus no período de março a junho deste ano e apresentaram sintomas leves ou reduzidos — e não produziram muitos anticorpos desde o início — ainda tinham células T resistentes seis meses depois.

O que ainda não se sabe é como essas células B e T reagirão se o corpo for exposto novamente ao coronavírus. Elas produzirão uma resposta inflamatória que pode, de alguma forma, levar a um caso ainda mais grave no futuro com sintomas mais intensos? Ou vão diminuir a intensidade dessa resposta e causar reinfecções leves como visto nos primeiros relatos?

Se os históricos dos coronavírus que causam resfriado servirem de algum consolo, contrair novamente a covid-19 não será tão ruim quanto a primeira vez para a maioria das pessoas, conta Rajkumar. O que significa que o caso de Hong Kong seria a norma, enquanto o do homem do estado de Nevada que teve um caso mais grave após ser reinfectado pode ser menos comum.

Neste momento, não existem pesquisas de longo prazo suficientes para determinar se as células B e T ativadas pelas vacinas de RNAm, desenvolvidas com tecnologia de ponta e próximas de serem aprovadas, oferecerão proteção duradoura. Contudo um estudo recente de dois meses de duração realizado em camundongos sugere que é possível que a resposta seja “sim”.

Enquanto isso, mesmo se os pacientes recuperados da covid-19 tenham a expectativa de que um segundo caso será menos doloroso, não deveriam dispensar suas máscaras. Eles ainda podem contrair o vírus e passá-lo para outras pessoas, que por sua vez podem adoecer.

“Você pode contrair a doença novamente e ter sintomas tão leves que talvez nem perceba”, explica Rajkumar, acrescentando que o uso de máscaras deve continuar até que o mundo tenha alcançado imunidade de rebanho. “É aconselhável utilizar a máscara mesmo se você já teve covid-19, para proteger os outros.”

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