Meteorito recém-descoberto pode desvendar segredos do Sistema Solar

Uma raríssima rocha espacial recuperada no Reino Unido pode ajudar cientistas a responder perguntas sobre a origem da água na Terra e, talvez, como a vida surgiu em nosso planeta.

Por Robin George Andrews
Publicado 25 de mar. de 2021, 12:41 BRT
A chunk of the meteorite that has been recovered from Winchcombe
Photograph from Trustees of the Natural History Museum, London

Na noite de 28 de fevereiro, um fragmento rochoso iluminou os céus da Inglaterra. A impressionante bola de fogo foi captada por uma rede internacional de câmeras de rastreamento de meteoritos, atraindo cientistas para a pacata cidade de Winchcombe. Um pedaço do meteorito foi encontrado na entrada de uma garagem, enquanto outro foi descoberto em um campo cheio de cocô de ovelha.

Cerca de 18 fragmentos de rocha espacial foram encontrados até agora, todos prontamente entregues a instituições científicas selecionadas – em especial o Museu de História Natural de Londres – para análises preliminares. O rápido transporte das amostras para os laboratórios foi crucial para garantir que o ambiente terrestre não alterasse significativamente a química desses materiais espaciais quase intocados.

Acontece que o meteorito – o primeiro encontrado no Reino Unido em 30 anos – é um tipo raro conhecido como condrito carbonáceo. Esses antigos fragmentos não apenas contêm os elementos que formaram planetas, como também compostos que podem ajudar a explicar o surgimento da água na Terra ou até fornecer pistas da origem da vida.

“É aquele tipo de meteorito mágico pelo qual muitas pessoas ficam completamente fascinadas”, explica Katherine Joy, especialista em meteoritos da Universidade de Manchester.

Estranhamente, à primeira vista, a química, os minerais e as texturas do meteorito não parecem pertencer a nenhum tipo específico de condrito carbonáceo. Cada um dos fragmentos estudados até agora parece ser um pouco diferente dos outros.

“Será que é um novo tipo de meteorito, uma nova classe, algo que nunca vimos antes?” pergunta Luke Daly, especialista em meteoritos da Universidade de Glasgow. É uma possibilidade intrigante, mas pesquisas adicionais são necessárias para responder com certeza.

Esse é apenas o começo do estudo científico sobre o que provavelmente ficará conhecido como meteorito Winchcombe. Mas a raridade do objeto, combinada com a rapidez com que foi recuperado, deixou a comunidade de estudiosos de meteoritos animada.

“Ficamos loucos de felicidade”, conta Sara Russell, cientista planetária do Museu de História Natural de Londres. “Eu diria que, para o nosso grupo de meteoritos, é a aquisição mais importante de todos os tempos.”

Cápsulas do tempo que caem do céu

Meteoritos se chocam contra a Terra o tempo todo, mas a maioria não é grande o suficiente para anunciar a chegada com uma bola de fogo. Mesmo quando isso acontece, muitos acabam caindo nos oceanos. A grande maioria dos meteoritos são coletados em desertos e na Antártica, especificamente em uma região próxima as montanhas Transantárticas, onde os meteoritos se acumulam, carregados desde outras partes do continente pela movimentação das camadas de gelo. Também conta que, por serem escuros, contrastam com mais evidência na branca paisagem.

O Reino Unido é um lugar pequeno – os meteoritos não atingem as ilhas com frequência – e está repleto de cidades e vegetação, o que torna difícil encontrá-los. Mas, de vez em quando, as rochas espaciais caem ao acaso bem debaixo do nariz das pessoas. Na véspera do Natal de 1964, um meteorito “ricocheteou na entrada de uma garagem, passou pela janela de uma casa e pousou embaixo da árvore de Natal”, conta Matthew Genge, especialista em meteoritos do Imperial College de Londres.

Nos últimos anos, caçadores de meteoritos no Reino Unido decidiram melhorar suas chances instalando câmeras projetadas para observar bolas de fogo, usadas para descobrir onde os fragmentos caem na Terra. Na última década, seis redes diferentes de câmeras voltadas para o céu, operadas por pesquisadores amadores e profissionais, foram integradas ao projeto U.K. Fireball Alliance.

Essas câmeras “ficam o tempo todo apontando para cima”, sempre gravando, procurando por quaisquer luzes ou objetos notáveis que cruzem o céu, explica Jim Rowe, organizador do grupo. Durante a pandemia, ele escreveu um código de computador que garantiu que essas redes individuais pudessem se comunicar entre si para rastrear qualquer objeto que caísse do céu.

O sistema capturou bolas de fogo algumas vezes nos últimos cinco anos ou mais, mas os locais de impacto não eram convenientes para coleta. Alguns anos atrás, “uma bola de fogo lançou um meteorito diretamente no Mar do Norte”, relata Daly, quase atingindo as terras próximas do Reino Unido, norte da Europa ou Noruega, onde poderia ter sido recuperado.

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Bem-vindos a Winchcombe

No fim de fevereiro, após anos de observação e espera, uma bola de fogo com seis segundos de duração foi detectada em Gloucestershire, um condado no sudoeste da Inglaterra. A trajetória do meteorito foi imediatamente analisada por uma equipe de pesquisadores internacionais que trabalham com a U.K. Fireball Alliance. Com a provável zona de impacto determinada, especialistas de toda a Inglaterra correram para a cidade de Winchcombe e seus arredores.

Depois de alguns dias procurando sem sucesso, os cientistas notificaram a imprensa local e pediram à população que os ajudasse a encontrar qualquer fragmento de rocha de aparência estranha. Pessoas de todo o país enviaram aos especialistas inúmeras fotos de possíveis fragmentos.

Ao acordar, uma família encontrou fragmentos de rocha negra e respingos semelhantes a fuligem na entrada de sua garagem. Mas somente depois de ouvir os relatos sobre uma bola de fogo, eles perceberam que os detritos eram meteoríticos e entraram em contato com a Rede de Observação de Meteoros do Reino Unido. Apenas 12 horas após o impacto, um grande pedaço do meteorito já estava embalado e pronto para ser coletado por especialistas.

“Reconhecer a importância disso para a ciência e querer contribuir é um ato de generosidade”, comenta Joy.

Daly e sua namorada Mira Ihasz juntaram-se a um grupo que vasculhava um campo próximo cheio de excrementos de ovelha. Quando uma rocha atravessa a atmosfera da Terra, seu material derrete e depois endurece em uma casca negra, e os tons escuros do esterco de ovelha tinham uma inconveniente semelhança com a crosta queimada de meteoritos.

“Outro cocô promissor, como começamos a chamá-los”, lembra Daly. Mas após cinco dias de busca, Ihasz encontrou o que tanto buscava.

O fragmento estava a cerca de 400 metros de onde os cálculos baseados na triangulação das câmeras indicavam – um grau notável de precisão, mas não o suficiente para os pesquisadores que, de acordo com Daly, ficaram desapontados com a imprecisão das previsões.

‘Uma bola de lama dos primórdios’

Análises preliminares determinaram que o meteorito era um condrito carbonáceo: objetos rochosos tão antigos quanto o Sistema Solar que recebem esse nome por causa de suas composições ricas em carbono. Essas rochas espaciais são raras. Dos 65,2 mil meteoritos catalogados, apenas 2,6 mil são condritos carbonáceos.

A origem exata da maioria dos meteoritos permanece um mistério. Mas, graças à trajetória bem documentada do meteorito Winchcombe em direção à Terra, seu caminho foi rastreado até a borda externa do cinturão de asteroides, entre Marte e Júpiter.

“Saber o que é isso e de onde veio é muito especial”, declarou Joy. Esse conhecimento permite determinar com mais facilidade de que tipo de asteroide o meteorito se separou e também ajuda cientistas a entender melhor os tipos de distúrbios espaciais que podem lançar rochas em nossa direção.

Embora o meteorito Winchcombe mostre características de vários tipos de condritos carbonáceos, o que significa que pode ser algo totalmente novo, a análise química inicial o identificou como sendo do tipo CM. Esses meteoritos possuem (entre outros componentes) muitos minerais que contém água.

“É uma bola de lama dos primórdios”, declara Genge, do Imperial College de Londres. Até hoje só foram encontrados 652 deles.

Comparados com a maioria dos outros tipos de meteoritos, os condritos CM “são incrivelmente delicados”, explica Daly. Os minerais em seu interior se degradam rapidamente na atmosfera úmida da Terra, então, se forem deixados ao relento por muito tempo, “eles acabam virando pó”.

“O fato de ser tão frágil e delicado, e de ter sido coletado tão rapidamente foi fundamental”, diz Joy. “Este foi embalado e levado ao museu entre 36 e 48 horas depois de cair, o que não acontece com muita frequência.” A rápida recuperação do meteorito significa que seus ingredientes foram preservados quase perfeitamente – e terão muito a revelar sobre os primórdios do Sistema Solar e do planeta exuberante em que vivemos hoje.

Segredos da Terra e do espaço

Um dos segredos escondidos em rochas como o meteorito Winchcombe tem relação com a quantidade de água que abunda na Terra. O enorme impacto que levou à formação da Lua há cerca de 4,5 bilhões de anos provavelmente arrancou grande parte da água que a Terra tinha no início.

Se a água que temos na superfície hoje é proveniente principalmente do interior do planeta, devido a erupções vulcânicas, ou se foi trazida por asteroides molhados, ainda é uma questão em debate. Segundo Russell, ao estudar os minerais hidratados nos condritos carbonáceos, podemos descobrir qual processo encheu os oceanos de nosso mundo moderno.

Os condritos CM também costumam conter diversas moléculas orgânicas diferentes, incluindo aminoácidos e açúcares, e espera-se que esse meteorito não seja diferente. Asteroides que bombardearam a Terra primitiva teriam trazido essa matéria orgânica com eles, talvez depositando os ingredientes necessários para a formação dos primeiros organismos vivos.

“Essa química orgânica pode muito bem ter acelerado a origem da vida na Terra”, declara Genge.

Os meteoritos também podem nos dar informações sobre o período anterior à formação da Terra. O meteorito Winchcombe tem características conhecidas como inclusões ricas em cálcio e alumínio, ou CAIs. “Eles são os sólidos mais antigos do Sistema Solar, o que é algo incrivelmente bacana”, diz Russell.

A química dos CAIs sugere que todos eles se formaram na mesma época e local, 4,5 bilhões de anos atrás, bem ao lado do Sol, antes de terminarem espremidos entre rochas que se aglomeraram nos cantos frios do Sistema Solar exterior. A jornada dramática desse material em direção ao exterior não é fácil de explicar, mas reunir mais CAIs ajudará a desvendar como a matéria se movia e se misturava à medida que os planetas se formavam e o Sistema Solar evoluía para adquirir sua forma moderna.

Os condritos CM também costumam conter substâncias como grafite e grãos de diamante que são, notavelmente, mais antigos do que o próprio Sistema Solar. Sua química é tão distinta de qualquer coisa encontrada no nosso sistema solar que cientistas acreditam ter vindo da atmosfera de estrelas gigantes ou que tenham se formado em explosões de supernovas antes de parar em nossa vizinhança cósmica ainda em formação.

Esses grãos foram “lançados no Universo, ficaram flutuando por centenas de milhões de anos e, em seguida, colapsaram para formar nosso sistema solar”, explica Genge. Embora essas gemas primordiais ainda não tenham sido identificadas no meteorito Winchcombe, cientistas esperam que, como outros condritos CM, ele contenha grãos anteriores ao Sistema Solar.

O meteorito Winchcombe pode, portanto, conter não apenas pistas sobre a história de nossa vizinhança que orbita o Sol, mas também fantasmas de outros sistemas planetários perdidos no tempo – e o esforço internacional para decodificar seus muitos segredos apenas começou.

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