Qual é a origem dos nomes confusos das variantes dos vírus — e como melhorá-los

No momento, o que temos é um emaranhado de letras e números, ou nomes de países que estigmatizam o povo que vive naquela região. Especialistas têm um plano para melhorar essa situação.

Por Amy McKeever
Publicado 28 de abr. de 2021, 17:00 BRT
variants

Esta imagem de um microscópio eletrônico de transmissão mostra o Sars-CoV-2, vírus que causa a covid-19, isolado de um paciente nos Estados Unidos. Partículas do vírus são vistas emergindo da superfície de células cultivadas em laboratório. As espículas em formato de coroa na extremidade externa do vírus foram o motivo do nome atribuído aos coronavírus.  Imagem capturada e colorida pelos Laboratórios Rocky Mountain, do Niad (Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, na sigla em inglês) em Hamilton, estado de Montana.

Image by Niaid

Os nomes das variantes do coronavírus são estranhos e complicados. É claro, B.1.1.7 ou P.1 podem ser nomes perfeitos quando virologistas e microbiólogos precisam registrar os vírus — mas eles não ajudam o público a entender as variantes que estão causando novos surtos de covid-19.

Veja o caso de Salim Abdool Karim, epidemiologista e antigo presidente do Comitê Consultivo da covid-19 na África do Sul. Ele ajudou a nomear a variante que surgiu no país: 501Y.V2, que, confusamente, também é conhecida como B.1.351 e 20H/501Y.V2.

“Quem quer ficar falando 501Y.V2”? argumenta Abdool Karim. “É difícil falar 501Y.V2. É um nome terrível. Ninguém daria o nome 501Y.V2 a um filho”.

Abdool Karim diz que entende o fato de tantas pessoas começarem a chamar o vírus de “variante sul-africana”. Mas ele também é um dos muitos cientistas que criticaram essa prática, argumentando que ela carrega estigma e é totalmente imprecisa.

Isso deve mudar em breve. A Organização Mundial da Saúde convocou um comitê de virologistas para criar um sistema novo de nomenclatura, com o objetivo de resolver essas questões. Mas por que isso é necessário? Vamos explicar como os vírus e suas variantes geralmente são nomeados, o sistema de nomenclatura caótico que surgiu durante a pandemia e as ciladas históricas que fizeram os vírus receber o nome do local onde foram identificados.

Por que os nomes importam

Muitos vírus receberam nomes baseados na região geográfica onde foram identificados pela primeira vez, como a Floresta Zika, em Uganda, ou o Rio Ebola, na República Democrática do Congo. Mas, historicamente, isso cria um estigma para as comunidades cujos nomes são emprestados para os vírus.

“Devido a surtos, epidemias e escândalos de nomenclaturas do passado, nós sabemos que isso pode ter um verdadeiro impacto, porque talvez seja a única informação que as pessoas tenham sobre aquele determinado país, de algo ruim que surgiu lá”, explica Emma Hodcroft, epidemiologista da Universidade de Bern, na Suíça. “Existe um esforço genuíno na comunidade científica para tentar evitar o uso de nomes geográficos”.

Em 2015, a OMS publicou orientações para a nomenclatura de doenças infecciosas que desencorajavam o uso de localidades geográficas, nomes de pessoas ou espécies de animais. Ano passado, a organização também evitou deliberadamente o uso de qualquer referência à China ou à província de Wuhan quando batizou a covid-19, que significa doença do coronavírus de 2019 (“coronavirus disease”, em inglês).

Mas Alexandre “Sasha” White, professor assistente de História da Medicina e Sociologia na Universidade John Hopkins, aponta que isso não impediu o surgimento de um sentimento de preconceito em relação aos asiáticos no último ano — impulsionado por figuras importantes como o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que insistiu em chamar o Sars-CoV-2 de “vírus da China” ou “vírus de Wuhan.”

“Não tenho dúvidas de que as associações entre a covid-19 e a China e o estigma que gira em torno disso infelizmente foram fatores críticos para o aumento dos crimes de ódio contra asiáticos ao redor do mundo”, ele comenta. Esse fenômeno não é novo. Há séculos a transmissão de doenças infecciosas tem sido uma força poderosa para justificar o racismo e a xenofobia.

Mas também existe um argumento científico para evitar o uso de nomes geográficos: cientistas apontam que, na melhor das hipóteses, os nomes podem ser enganosos, e na pior, totalmente imprecisos.

A verdade é que os cientistas não sabem a verdadeira origem da variante sul-africana. É claro, a primeira identificação da variante foi na África do Sul, mas os pesquisadores ainda não encontraram o paciente zero. É possível que a África do Sul tenha sido apenas o primeiro país a encontrar a variante porque estava realizando um número maior de sequenciamentos genéticos que os outros países.

Abdool Karim também afirma que o rótulo é enganoso porque a variante se espalhou pelo mundo e agora é mais comum em lugares como os Estados Unidos. “Podemos perceber que chamá-la de variante sul-africana é uma loucura”, ele diz.

O uso de nomes imprecisos traz consequências verdadeiras, como a proibição da entrada de viajantes da África do Sul, Brasil e Reino Unido nos Estados Unidos no início de 2021. Os efeitos também podem durar por muito tempo. Faz mais de um século que a epidemia de gripe de 1918 devastou o mundo, e mesmo que os primeiros casos tenham sido registrados nos Estados Unidos, Hodcroft lembra que muitas pessoas ainda acreditam que a doença se originou na Espanha, porque ficou mundialmente conhecida como Gripe Espanhola.

Como os vírus são batizados

Embora a OMS seja responsável por dar nome às doenças, os vírus são batizados por um grupo de virologistas e filogeneticistas que trabalham no Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV, na sigla em inglês).

Em fevereiro de 2020, o ICTV rebatizou o que era chamado de novo coronavírus de 2019 como Sars-CoV-2, sigla para síndrome respiratória aguda grave do coronavírus 2. Stanley Perlman, microbiólogo da Universidade de Iowa e membro do grupo de estudos dos coronavírus do ICTV, explica que o grupo escolheu o novo nome porque a composição genética do vírus era “claramente parecida” com a que causou o surto de SRAG em 2003, cujo vírus que causa a doença é chamado de Sars-CoV.

Porém, levando em consideração todos os patógenos existentes no mundo, o ICTV somente batiza os vírus de acordo com a espécie, ou em níveis superiores. Portanto, o processo de nomenclatura das variantes começa de maneira muito mais informal entre os cientistas — e vai variar entre um patógeno e outro, comenta Hodcroft.

“Não existem regras de nomenclatura para patógenos”, ela afirma. Basicamente, os cientistas inventam um nome e esperam para ver se ele é adotado pela comunidade científica, ou se outro nome é estabelecido no seu lugar.

Uma maneira típica de se classificar um vírus é através de seus antígenos — uma parte do vírus que provoca uma resposta do sistema imunológico e cujas mutações são especialmente importantes.

O vírus que causa a influenza A, por exemplo, tem dois antígenos principais, conhecidos como H (hemaglutinina) e N (neuraminidase). Esses antígenos ganham um novo número a cada vez que sofrem uma mutação — por isso o subtipo mais conhecido da pandemia de influenza se chama H1N1. O vírus tem 18 mutações diferentes de H e 11 mutações diferentes de N, que podem formar 198 combinações — embora apenas 131 subtipos tenham sido identificados na natureza.

“Todos esses vírus sofrem mutações o tempo inteiro, então não podemos dar nomes diferentes para todos”, afirma Abdool Karim. “Apenas quando um antígeno significativo sofre alteração é que nós atribuímos um nome novo”.

Sars-CoV-2, o vírus que causa a covid-19, está sofrendo mutações em um ritmo acelerado e de diversas maneiras tanto inócuas como perigosas — Perlman afirma que esse fato requer “um sistema de nomenclatura elaborado”. O problema é que os cientistas têm feito isso de maneira improvisada — e criaram vários sistemas diferentes, cada um com um uso diferente.

O caos das variantes de Sars-CoV-2

Em novembro de 2020, pesquisadores na África do Sul sequenciaram uma variante nova e mais transmissível do Sars-CoV-2, que continha uma mutação N501Y que permitia que a proteína de espícula se ligasse com mais facilidade às células humanas. Essa mutação substitui o aminoácido asparagina (N), geralmente encontrado na posição 501 da proteína de espícula, pela tirosina (Y). Mas antes de anunciarem ao público, os pesquisadores precisavam de um nome.

“Nós sentamos para tomar um chá e decidimos chamá-la de 501Y.V2”, conta Abdool Karim. A primeira parte do nome representa a mutação mais importante do vírus, ao passo que V2 significa simplesmente que é a segunda variante daquela mutação específica identificada. (A variante que foi descoberta no Reino Unido é a 501Y.V1 e a variante descoberta no Brasil é a 501Y.V3).

Mas esse não é o único nome da variante. Desde o início da pandemia surgiram vários sistemas de nomenclatura — sendo o Nextstrain e o Pango os mais importantes. Embora ter mais de um sistema de classificação de variantes possa ser um exagero, isso oferece aos cientistas diferentes maneiras de analisar a árvore genealógica do Sars-CoV-2.

Hodcroft afirma que o sistema Nextstrain, que ela ajudou a desenvolver, é destinado a cientistas que querem analisar padrões mais amplos da árvore genealógica do vírus ao atribuir nomes para grupos genéticos ou clãs. Ele usa nomes simples, com base no ano em que o clã foi identificado, seguido de uma letra que é atribuída em ordem alfabética. O clã-raiz do sistema é o 19A, que representa os vírus que eram predominantes na China no início do surto.

No entanto, Hodcroft admite que as limitações no sistema de nomenclatura Nextstrain ficam aparentes quando variantes como a 501Y.V2 começam a aparecer em surtos regionais. Embora, na teoria, elas não se espalhem o suficiente para criar seu próprio clã, ela afirma que essas variantes de fato precisam ser identificáveis. Consequentemente, nesse sistema, a variante identificada na África do Sul agora se chama 20H/501Y.V2.

“Somente porque não existe um sistema para isso”, explica Abdool Karim. “Ele está sendo elaborado conforme avançamos. Nós o alteramos à medida em que aprendemos”.

Já o sistema Pango tem uma abordagem detalhada da árvore genealógica do Sars-CoV-2 e se tornou o sistema mais utilizado, já que é eficiente para rastrear surtos locais. Há centenas de linhagens nesse sistema, que tem o objetivo de demonstrar como o vírus evoluiu ao longo de cada novo surto da doença. Ele atribui linhagens novas com base não apenas em mutações significativas, mas também inclui outros eventos epidemiológicos, como se o vírus migrasse de um local para outro.

“O princípio fundamental é que os nomes das linhagens representam ancestralidade e descendência”, explica Oliver Pybus, biólogo evolucionista da Universidade de Oxford, que ajudou a desenvolver o Pango.

Pybus conta que cada linhagem do Pango pode ser analisada como uma árvore genealógica. Os primeiros vírus que circularam na China são denotados como as linhagens A e B. Conforme eles evoluem e se espalham ao redor do mundo, seus descendentes são marcados com uma série de números. Por exemplo, B.1 inclui o surto no norte da Itália no início de 2020 e é o primeiro descendente da linhagem B a receber um nome. Assim, a variante identificada na África do Sul, que recebeu o nome de B.1.351, é o 351º descendente do vírus que causou o surto na Itália.

Para evitar que os nomes se tornem muito difíceis de gerir, cada linhagem do Pango pode ter apenas três pontos. Se o vírus sofrer uma mudança significativa após isso, uma nova linhagem é iniciada com uma letra diferente do alfabeto. É por isso que a variante que foi identificada no Brasil chama-se P.2, apesar de ser descendente da linhagem B.1.1.28.

Isso tudo ainda parece confuso? É porque esses sistemas de nomenclatura não foram criados para serem fáceis de entender, e sim para fornecer aos cientistas uma linguagem comum em que eles possam discutir e investigar a evolução do Sars-CoV-2.

“Nós, cientistas, estamos bem acostumados com esses tipos de nomes complicados”, afirma Hodcroft. “Nós adoramos dividir as coisas e dar nomes a elas”.

Variantes de vírus geralmente não se tornam notícia nacional. Mas, como algumas variantes estão impulsionando a pandemia e dominando as manchetes, Hodcroft diz que precisa haver uma maneira de as pessoas comuns as acompanharem também — e o ideal seria evitar o uso de nomes geográficos.

Desenvolvendo um novo sistema de nomenclatura

Por todos esses motivos, a OMS está tomando a iniciativa de desenvolver outro sistema de nomenclatura para as variantes mais preocupantes do vírus. Embora os cientistas continuem a usar sistemas de nomenclatura como o Nextstrain e o Pango — que passará por mudanças organizacionais, segundo Pybus — espera-se que o novo sistema da OMS torne mais fácil para o público acompanhar as mutações do vírus que estão ameaçando suas comunidades.

Cientistas sugeriram que as variantes fossem tratadas como as tempestades tropicais — criando um banco de nomes como Irene e Hugo e atribuindo-os às novas variantes. Hodcroft diz que a OMS também poderia adotar uma abordagem similar aos fabricantes de remédios, que criam nomes de marcas de produtos juntando duas sílabas aleatórias para criar nomes fáceis de serem pronunciados, como Zoloft ou Advil, e que não possuem significado nenhum em qualquer idioma. Esse sistema garante que os nomes das marcas sejam distintos e possam ser usados em qualquer lugar do mundo.

Abdool Karim, que já conhece o novo sistema da OMS, diz que espera que ele seja lançado em breve e confirma que é um adeus à prática atual de usar emaranhados de letras e números. “Eu acho que ficou muito bom”, ele comenta.

Uma vez que o sistema novo seja revelado, o desafio será fazer com que o público o utilize no lugar dos nomes geográficos das variantes. Hodcroft conclui que nesse momento a OMS pode ter um papel crucial na nomenclatura do vírus: se a organização conseguisse reunir um grupo de virologistas e fizesse com que concordassem em usar esses nomes ao abordar o público, há uma chance muito maior de que a comunidade científica e o resto do mundo adotem o novo sistema.

De qualquer maneira, Abdool Karim diz que os cientistas aprenderam uma lição importante a ser utilizada na próxima, e inevitável, pandemia. “Nós aprendemos que precisamos ter um sistema de nomenclatura logo no início”, afirma Abdool Karim. “Acho que na próxima vez seremos proativos nesse sentido”.

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