Sol está ficando mais tempestuoso e atingirá o pico a tempo de eclipse solar total
O próximo ciclo solar está se intensificando, oferecendo às espaçonaves uma chance sem precedentes de desvendar os mistérios do sol, enquanto proporciona às pessoas na Terra um espetáculo impressionante.
A espaçonave Solar Orbiter, da ESA, registrou esta imagem do sol em ultravioleta extremo em 30 de maio de 2020. Imagens nesse comprimento de onda ajudam a revelar a fina atmosfera superior do sol, ou coroa, que atinge uma temperatura de um milhão de graus.
Apesar de tudo que já aprendemos sobre o sol, nossa estrela natal permanece envolta em mistério. Agora, após sete anos de relativa calma, ela está começando a ficar mais temperamental — e uma frota de naves espaciais está pronta para observá-la acordar. Essas espaçonaves estão oferecendo aos cientistas uma chance sem precedentes de estudar nossa tempestuosa estrela e as maneiras como ela pode afetar nossa região do espaço.
Como ninhadas de cigarras que surgem e desaparecem periodicamente, o sol alterna entre períodos ativos e de inatividade em ciclos de aproximadamente 11 anos. Esses ciclos estão ligados à atividade magnética interna do sol e são indicados por fenômenos como manchas e erupções solares.
Os cientistas ficam atentos às tendências de atividade do sol porque as explosões solares podem causar estragos em nossas redes de energia e sistemas de comunicação — tecnologias que são vitais para a civilização moderna — bem como causar danos a qualquer explorador humano ou robótico em órbita e além. Mas compreender os fios geralmente invisíveis que ligam o sol ao seu sistema planetário tem sido complicado.
“Quando eu dou um passo atrás, como um espectador inocente, penso: como nós podemos saber tudo o que sabemos?” questiona o físico solar da Nasa, James Klimchuk. “Mas há muito mais coisas que nós não compreendemos.”
O próximo ciclo solar começou, com pico de atividade previsto por volta de 2025. E desta vez, o sol vai despertar enquanto a sonda Parker Solar Probe, da Nasa, continuamente mergulha em sua direção, voando mais próximo da estrela do que qualquer nave já tenha ido.
“Ainda fico arrepiada quando penso nisso”, afirma Madhulika Guhathakurta, física solar da Nasa. “Acho que fiquei na sede da Nasa para uma única missão — que é a da Parker Solar Probe.”
A sonda Solar Orbiter, da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), também está viajando em torno do sol, com o objetivo de finalmente nos fornecer as primeiras boas observações dos polos solares. Até essa missão, os cientistas se limitaram a examinar as faces do sol que podemos ver a partir da Terra, e observar seus polos é fundamental para entender sua atividade magnética e a intensidade da atividade durante cada ciclo de 11 anos.
O que talvez seja ainda mais emocionante para os fãs do espaço é que o pico do ciclo atual deve acontecer muito perto do momento em que um eclipse solar total será visível na América do Norte, em abril de 2024. Quando a lua obscurecer o sol, as pessoas que estiverem nas regiões com visibilidade para o eclipse total serão capazes de enxergar o halo fino e delicado da atmosfera superior do sol, ou coroa, o que deve ser uma visão espetacular por acontecer tão perto da máxima atividade solar.
“Terá a aparência de feixes saindo de toda parte, muito dinâmico”, afirma Guhathakurta.
Traçando os terminadores
Embora especialistas solares concordem que o próximo ciclo já começou, o debate gira em torno de quão forte ele deverá ser. Em setembro de 2020, o Painel de Previsão do Ciclo Solar 25 anunciou que o ciclo 25 havia começado — e foi previsto que seria leve. Tradicionalmente, essas previsões são baseadas na contagem de manchas escuras e transitórias na superfície do sol, conhecidas como manchas solares. Aparecendo em regiões com fortes campos magnéticos, as manchas solares surgem e desaparecem à medida que a atividade do sol aumenta e diminui.
Em dezembro de 2019, cientistas registraram um número mínimo de manchas solares. Posteriormente, o painel afirmou que essa observação marcou o fim do ciclo 24 e, com base na rapidez com que as manchas começaram a reaparecer, parecia que o ciclo 25 teria uma intensidade semelhante à relativa calma do ciclo 24.
No entanto, outros especialistas em ciclo solar chegaram a uma conclusão totalmente diferente: o ciclo 25 pode ser um dos mais fortes desde que os registros começaram em 1755. Em vez de contar manchas solares, Robert Leamon, da Universidade de Maryland, no condado de Baltimore, e seus colaboradores basearam sua previsão em algo que chamam de terminador, ou o ponto em que toda a atividade magnética de um ciclo solar anterior desaparece. As manchas solares geralmente acompanham essa transição, mas o verdadeiro terminador tende a chegar entre 12 e 18 meses após o nível mínimo das manchas solares.
“Se há uma coisa que eu posso garantir, é que a atividade não se resume a manchas solares”, declara Leamon, cuja equipe teve sua contraditória previsão publicada na revista científica Solar Physics.
Ao traçar eventos de terminadores ao longo de 270 anos, Leamon e seus colegas descobriram que o tempo entre os terminadores está intimamente ligado à força do ciclo seguinte, com intervalos mais curtos pressagiando uma atividade mais forte. Segundo ele, essa é a situação que está ocorrendo agora, em que o intervalo entre os terminadores é curto, e a atividade magnética do ciclo 25 provavelmente se tornará predominante nos próximos meses.
“Estamos perto”, afirma Leamon. “É aí que veremos um grande salto na atividade solar.”
Uma imagem de alta resolução da espaçonave Solar Orbiter da ESA, tirada em maio de 2020, mostra os elementos solares, chamados fogueiras, que podem estar contribuindo para um mistério duradouro: por que a atmosfera superior do sol é muito mais quente do que sua superfície?
Prevendo desastres
Um ciclo solar forte pode significar problemas para a Terra. As manchas solares podem desencadear explosões massivas denominadas erupções solares, e essas explosões às vezes lançam rajadas de radiação e partículas carregadas no espaço chamadas ejeções de massa coronal, ou EMCs. Se uma EMC suficientemente forte colidir com a Terra, poderá causar uma tempestade geomagnética que provocará danos ao planeta.
Talvez a mais conhecida dessas tempestades tenha ocorrido em 1859, durante o ciclo solar 10. Conhecida como evento Carrington, ela interrompeu os serviços de telégrafo e provocou choques elétricos em operadores que estavam nos controles, além de iluminar os céus com auroras que eram visíveis até grandes distâncias ao sul, como o Caribe. Hoje, uma tempestade dessa magnitude seria devastadora. Ela poderia desligar redes de energia, derrubar satélites, pôr em perigo astronautas em órbita, alterar rotas de voo planejadas e tornar a atmosfera superior da Terra impenetrável para sistemas de comunicação terrestre.
Erupções mais fracas também são perigosas. Em 12 de março de 1989, toda a província de Quebec ficou sem energia quando uma EMC com uma fração da força do evento Carrington colidiu com a Terra e fritou a rede elétrica, deixando pessoas presas em elevadores e túneis. Em órbita, diversos satélites foram temporariamente desativados ou tiveram problemas para manter a altitude, e os sensores dispararam a bordo do ônibus espacial Discovery — que havia sido lançado no início daquele dia.
A influência da atividade solar na Terra é chamada de clima espacial e, por anos, cientistas têm aperfeiçoado maneiras de prever quando o sol pode se tornar perigoso. Melhores previsões para tempestades solares significam melhores oportunidades para proteger a infraestrutura vulnerável, semelhante às previsões meteorológicas, que permitem que pessoas na região de uma tempestade se preparem para ela.
“Não seremos capazes de impedir uma forte atividade do sol, mas esperamos conseguir mitigar os efeitos disso mudando para redes de energia alternativas se tivermos previsões suficientes”, declara Gordon Emslie, da Universidade Ocidental de Kentucky, presidente do comitê de políticas públicas da Divisão de Física Solar da American Astronomical Society.
Reconhecendo o poder destrutivo das tempestades solares, o governo dos Estados Unidos adotou a Lei Proswift em outubro de 2020, que orienta diversas agências governamentais a trabalharem juntas para desvendar os mistérios do clima espacial e melhorar as previsões. Isso significa priorizar a pesquisa básica sobre como ocorrem as erupções solares e como as ejeções de massa coronal viajam pelo espaço, bem como estabelecer diversos programas de monitoramento e satélites.
“Assim como é possível entender melhor as microexplosões, tornados e furacões se nós os observamos e tentarmos compreendê-los, o mesmo ocorre com o clima espacial”, explica Emslie.
As agências espaciais já possuem uma série de telescópios de observação solar tanto no solo quanto em órbita que oferecem, coletivamente, vistas de nossa estrela natal em vários comprimentos de onda. Recentemente, mais duas espaçonaves se juntaram à frota, e estão fornecendo aos cientistas uma visão aproximada da estrela que logo se tornará tempestuosa — e os dados das sondas já começam a desvendar os mistérios do sol.
Reunião ao redor da fogueira
Lançada em fevereiro de 2020, a Solar Orbiter, da ESA, está atualmente orbitando o sol, utilizando encontros gravitacionais com Vênus para ajudar a colocá-la em uma órbita onde seja possível ver os polos solares. Por enquanto, a espaçonave está ocupada estudando nossa estrela natal com uma variedade de instrumentos a bordo que ajudarão a melhorar nossa compreensão de sua influência sobre a Terra.
No último mês de maio, essas câmeras avistaram cerca de 1,5 mil erupções em miniatura na baixa atmosfera solar — ou melhor, erupções em miniatura para os padrões solares, já que algumas delas abrangeriam continentes inteiros. As pequenas erupções duram dezenas de segundos, e a equipe as denominou de “fogueiras”.
“É um termo observacional que foi criado para descrever coisas muito, muito pequenas que surgem por um período muito curto de tempo — mas em todo lugar”, explica Daniel Müller da ESA, cientista do projeto da Solar Orbiter.
Ocorrendo em regiões calmas do sol, fogueiras são acesas quando a tensão aumenta em linhas de campo magnético retorcidas e emaranhadas, fazendo com que se partam como elásticos esticados. À medida que as linhas se rompem e se reconectam, elas emitem calor e produzem as minúsculas erupções. No fim de abril, cientistas anunciaram em uma reunião da União Europeia de Geociências que a energia liberada por essas fogueiras poderia ser suficiente para explicar um antigo mistério solar.
Enquanto a superfície do sol queima a cerca de 5,4 mil graus Celsius, a coroa atinge um milhão de graus ou mais. É um enigma que físicos solares vêm tentando desvendar há quase um século.
“Não é possível se afastar de uma lareira e, de repente, quando se está a quase 100 metros de distância, ficar muito quente”, explica Müller. “Como isso pode acontecer?” Através de simulações da superfície solar, uma equipe liderada por Yajie Chen, da Universidade de Pequim, calculou que o calor produzido por essas fogueiras parece ser suficiente para superaquecer a coroa.
“Os modelos chegaram a um grau de sofisticação em que podemos começar a acreditar no que eles mostram”, afirma Müller. “E eles mostram que estamos no caminho certo.”
Isso talvez não seja tão surpreendente, afirma Klimchuk, da Nasa. Ele explica que as fogueiras parecem ser uma versão maior das nanoerupções, um tipo de pequena explosão solar que o físico Eugene Parker sugeriu que poderia ser a responsável pela temperatura da coroa em 1988.
A nova pesquisa traz ressalvas que indicam que o caso ainda não está encerrado, incluindo o fato de que fogueiras ocorrem em regiões solares tranquilas e tendem a despejar calor na atmosfera solar, enquanto as nanoerupções ocorrem em áreas mais altas e são especialmente poderosas em regiões ativas. Ainda assim, as observações da Solar Orbiter estão ajudando os cientistas a entender melhor o fenômeno.
Mas talvez a mais urgente das perguntas sem resposta sobre nossa estrela natal seja como ela gera e controla seu campo magnético.
“Essa é a pergunta mais importante”, afirma Leamon — e é uma questão que essas espaçonaves orbitando o sol podem estar posicionadas para responder.
O campo magnético do sol é gerado à medida que gases quentes se agitam em suas profundezas, produzindo o que é chamado de dínamo. Nesse sistema, linhas de campo magnético irrompem na superfície do sol e se espalham. Compreender esse processo requer olhar para os polos do sol, que têm sido difíceis de estudar devido à energia necessária para lançar uma espaçonave em uma órbita de observação polar. Ao orbitar sobre os polos da estrela por mais alguns anos, a Solar Orbiter irá coletar dados daquela região, fornecendo-nos uma peça fundamental do quebra-cabeça.
Simultaneamente, a Parker Solar Probe da Nasa está chegando cada vez mais perto do sol — até mesmo entrando e saindo de sua atmosfera superior — o que significa que a sonda terá um assento na primeira fila no decorrer do ciclo solar 25. Pela primeira vez, cientistas serão capazes de estudar o sol de perto enquanto ele inicia um novo ciclo, conectando as informações da Parker Solar Probe com os efeitos da atividade solar que se estendem até a Terra.
Totalidade espetacular
Porém, para este ciclo solar, as pessoas não precisarão estar em uma equipe de espaçonaves para ter uma boa visão do sol em ação. Em 8 de abril de 2024, a lua deslizará entre a Terra e o sol e encobrirá completamente a face de nossa estrela. Por quase quatro minutos e meio, esse eclipse solar total será visível em uma faixa estreita dos Estados Unidos, do Texas ao Maine — e ocorrerá num momento em que a atividade solar atingirá seu pico.
Guhathakurta, uma caçadora de eclipses, tem seguido a sombra da lua enquanto ela se estende sobre nosso planeta desde que viu seu primeiro eclipse solar total na costa do México em 1991 — uma experiência que, para ela, foi surpreendentemente transcendental.
“É algo que muda as pessoas”, ela afirma. “Algo que nos provoca a pensar profundamente sobre o cosmos e nossa relação com ele, sobre as questões básicas que temos como seres humanos.”
O próximo eclipse será diferente daquele que deixou os caçadores de eclipses entusiasmados em 2017. Embora esse evento tenha sido visível em porções incomumente grandes dos Estados Unidos, ele ocorreu enquanto a atividade solar estava diminuindo, o que significa que uma das principais atrações de um eclipse — uma visão da coroa — foi bastante modesta.
Normalmente ofuscada pela luz do sol, a coroa solar se estende a milhares de quilômetros acima da superfície. Mas, com a face do sol estando obscurecida durante um eclipse, os espectadores podem distinguir o fino contorno parecido com um halo cintilante adornando o disco lunar enegrecido.
Durante eclipses no mínimo solar, minúsculas chamas são visíveis principalmente perto do equador solar, e talvez um punhado de pequenas erupções cintilem perto da borda da lua. No máximo solar, entretanto, a visão da coroa será espetacular.
“Poderemos ver muitas dessas pequenas chamas, não apenas das latitudes equatoriais, mas da região polar”, afirma Guhathakurta. “Poderemos observar algumas proeminências ou laços pós-erupções.”
Essas chamas e outras belezas solares não serão visíveis até que a lua cubra completamente a face do sol, o único momento em que é seguro olhar para nossa estrela natal com os olhos desprotegidos. Assistir ao espetáculo enquanto a lua se arrasta pelo disco solar, enquanto sombras crescentes marcam as calçadas e um crepúsculo assustador se aprofunda, requer óculos de proteção. Até mesmo nossas intrépidas espaçonaves de observação do sol são fortemente protegidas.
Mas quando a coroa brilhar por trás da lua, seus delicados laços e chamas traçarão as linhas do campo magnético do sol, impossíveis de serem vistas de outra forma, iluminando um enigma que a ciência pode estar prestes a desvendar.