Variante Delta da covid-19 é preocupante e sua ocorrência está em alta

A variante do vírus que causou aumento do número de casos no Reino Unido agora se propaga pelos Estados Unidos, deixando os especialistas extremamente preocupados.

Estudante faz demonstração do Teste Rápido de Antígeno para detecção do novo coronavírus fornecido pelo Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês) para ser realizado em casa, em 12 de maio de 2021, na Inglaterra. Como exigência para frequentar a escola, as crianças na Inglaterra precisam realizar dois testes por semana e disponibilizar os resultados em um portal on-line.

Foto de Photo Illustration by Matt Cardy/Getty Images
Por Sanjay Mishra
Publicado 17 de jun. de 2021, 12:19 BRT

Com o ritmo da vacinação diminuindo nos Estados Unidos e outros países enfrentando dificuldades para obter vacinas, cresce a preocupação de especialistas em saúde pública de que a variante Delta do novo coronavírus, identificada pela primeira vez na Índia em março, possa provocar um drástico aumento no número de casos e mortes nos Estados Unidos e no mundo.

A variante Delta já é responsável por 18% dos casos nos estados norte-americanos do Colorado, Montana, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Utah e Wyoming, e por cerca de 6% dos casos em todo o país. Já está circulando em mais de 70 países e agora é a variante predominante na Índia, no Reino Unido e em Singapura. Na semana passada, a variante Delta causou mais de 90% dos novos casos de covid-19 no Reino Unido, levando a um aumento de 65% no número de novas infecções desde 1o de maio. Recentemente, para conter a propagação da variante Delta, o governo do Reino Unido decidiu adiar o “dia da liberdade”, que marcaria o fim das restrições sanitárias.

A variante Delta é 60% mais transmissível do que a variante Alfa — identificada pela primeira vez no Reino Unido — que, por sua vez, era cerca de 50% mais transmissível do que a cepa originária de Wuhan. “É uma variante de rápida propagação e isso é preocupante”, afirma Eric Topol, fundador e diretor do Instituto Translacional de Pesquisa Scripps. A variante possui características que lhe permitem driblar o sistema imunológico e talvez seja mais evasiva do que a variante Beta (B.1.351), identificada pela primeira vez na África do Sul, e que foi a pior até agora, diz Topol. “Além disso, a Delta apresenta a maior transmissibilidade entre todas as variantes já identificadas até o momento. É uma combinação muito ruim.”

Consternado com a trajetória da variante Delta no Reino Unido, Anthony Fauci, chefe do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, alertou o presidente Joe Biden: “não podemos permitir que isso aconteça nos Estados Unidos”.

O presidente ecoou esse sentimento e tuitou: “Pessoal, a variante Delta — uma cepa altamente infecciosa do novo coronavírus — está se espalhando rapidamente entre jovens de 12 a 20 anos de idade no Reino Unido. Se você é jovem e ainda não foi vacinado, realmente chegou a hora”. Uma dose completa de uma vacina contra a covid-19 ainda é eficaz na prevenção da forma grave da doença causada pela variante Delta.

Por que a variante Delta é tão assustadora?

Os vírus de livre circulação, especialmente os coronavírus e os vírus da gripe, que codificam suas instruções genéticas usando a molécula de RNA, sofrem mutações frequentes e aleatórias devido a erros de cópia introduzidos à medida que se replicam em suas células hospedeiras humanas. Algumas mutações permitem que o vírus escape da ação dos anticorpos; outras aumentam sua capacidade de infectar as células; e há ainda mutações que passam despercebidas, pois não trazem benefícios ao vírus, ou podem até mesmo enfraquecê-lo.

O alto índice de propagação da variante Delta se deve às suas diversas mutações na proteína de espícula, que reveste o Sars-CoV-2 e dá ao vírus sua aparência característica de coroa. Conforme explica Markus Hoffmann, biólogo de doenças infecciosas do Instituto Leibniz para Pesquisa de Primatas, na Alemanha, essas mutações alteraram a espícula e, como resultado, alguns dos anticorpos existentes podem não se ligar com tanta força ou frequência. Hoffman mostrou que a variante Kappa, que possui estreita relação com a variante Delta, dribla os anticorpos produzidos por uma infecção prévia e pela vacinação; e também resiste a terapias com anticorpos sintéticos, como o banlanivimabe.

A variante Delta tem mutações na proteína de espícula que alteram a forma como ela interage com o receptor ECA2, encontrado na superfície do pulmão e em outras células humanas, considerado a porta de entrada para a célula. A mutação na posição 452 da proteína de espícula, que também está presente em algumas das variantes da Califórnia, parece tornar o vírus mais transmissível e ajuda o micro-organismo a se propagar na população, explica Mehul Suthar, imunologista do Centro de Vacinação Emory.

Se uma mutação dá a um vírus uma aptidão ou vantagem reprodutiva, essa mutação tende a evoluir de forma independente ao redor do mundo. Delta, suas variantes estreitamente relacionadas e a variante Alfa, que é altamente contagiosa, possuem uma mutação na posição 681 da proteína de espícula, que é considerada fundamental em termos evolutivos e também facilita a invasão da célula hospedeira pelo Sars-CoV-2 e sua propagação. Essa mutação é cada vez mais comum nos vírus que causam a covid-19 em todo o mundo e isso está ocorrendo de forma acelerada.

Além dessas mutações, um estudo recente, não revisado por pares, mostra uma variação na posição 478 na espícula da variante Delta que permite ao vírus escapar da ação de anticorpos neutralizantes fracos. Essa mutação também se tornou cada vez mais comum nas variantes do Sars-CoV-2 nos Estados Unidos, México e Europa desde o início de 2021.

“Quando se tem todas essas mutações, é possível começar a perceber uma diferença na capacidade de infecção (do vírus)”, diz Ravindra Gupta, professor de microbiologia clínica da Universidade de Cambridge, que em um estudo não publicado demonstrou como essas variantes podem ter maior potencial para causar a doença.

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Vacinas menos eficazes contra a variante de alta transmissibilidade

Dados provenientes da Índia e do Reino Unido demonstram que a variante Delta passou a ser a variante predominante nesses países em um período de quatro a seis semanas. Isso indica que a variante Delta é mais transmissível e infecciosa do que as variantes anteriores. Novas evidências sugerem que ela também pode causar formas mais graves da doença. Por exemplo, na Escócia, a variante causou cerca de duas vezes mais internações do que a variante Alfa, que já causava formas mais graves da doença do que a cepa original do Sars-CoV-2.

“Essa combinação de alta transmissibilidade, alta severidade e capacidade de se esquivar das vacinas torna a Delta uma variante extremamente perigosa”, afirma Deepti Gurdasani, epidemiologista clínica da Universidade Queen Mary de Londres. Assim que a variante Delta é introduzida em um país, ela se espalha rapidamente. “É muito difícil contê-la e ela provavelmente se torna a variante dominante em questão de semanas. Isso pode mudar a trajetória da pandemia em todo o mundo.”

Embora as vacinas ainda sejam eficazes contra as formas graves da doença e evitem hospitalizações causadas pelas variantes Alfa e Beta, os imunizantes oferecem menos proteção contra a Delta. Pessoas que foram vacinadas com uma ou duas doses da vacina da Pfizer produziram níveis mais baixos de anticorpos capazes de neutralizar a variante Delta em comparação com os níveis produzidos contra Alfa e Beta. No Reino Unido, 31% de todos os pacientes confirmados com a variante Delta que precisaram de atendimento de emergência haviam recebido pelo menos uma dose de vacina.

Da mesma forma, um estudo em revisão revelou que, após ambas as doses, a vacina da Pfizer demonstrou 88% de eficácia contra a doença sintomática causada pela variante Delta em comparação a 93% para a variante Alfa. Duas doses da vacina da AstraZeneca ofereceram eficácia de 66% contra a Alfa, mas apenas de 60% contra a Delta. Porém, com apenas uma única dose de qualquer uma das duas vacinas, a eficácia foi de apenas 51% contra a variante Alfa e 33% contra a Delta. Essa taxa de eficácia fica abaixo do limite de 50% estabelecido pela Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) para o desenvolvimento de vacinas seguras contra a covid-19; no qual uma vacina deve impedir que pelo menos metade das pessoas vacinadas desenvolva os sintomas de covid-19.

Em outros estudos que ainda aguardam revisão por pares, os pesquisadores relatam que a variante Delta foi responsável pela maioria das infecções de escape — infecções que ocorrem mesmo após vacinação completa — na Índia, levando a uma concentração de casos desse tipo entre profissionais de saúde totalmente vacinados.

Existem muitas vacinas candidatas sendo desenvolvidas em todo o mundo e, uma vez que não foram convencionados padrões internacionais de eficácia, cada vacina pode oferecer um grau variável de proteção contra novas variantes. “Precisamos de mais informações sobre o desempenho de algumas das vacinas mais amplamente disponíveis em outras partes do mundo”, disse o médico e virologista Benjamin Pinsky, da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford. “É preciso garantir que as pessoas sejam vacinadas. E até que tenham tomado todas as doses necessárias, manter as intervenções sanitárias é extremamente importante”, alerta ele.

A vacina apenas retarda a progressão de uma doença contagiosa, aumentando a imunidade de rebanho. Até isso acontecer, medidas preventivas, como distanciamento social e uso de máscaras, são estratégias comprovadas para conter a propagação do vírus.

Com apenas 44% da população dos Estados Unidos totalmente vacinada, a maioria das pessoas ainda está vulnerável. Relaxar as restrições sanitárias e declarar vitória prematuramente podem dar à variante Delta a chance de ela ganhar força — principalmente no outono do Hemisfério Norte.

Um estudo, ainda não publicado, sugere a possibilidade de variações sazonais na incidência de covid-19 com base em análises de um ano inteiro de pandemia na Europa e em Israel. Embora as tendências sazonais do vírus ainda não estejam claras, diz Topol, sabemos que quando as pessoas passam mais tempo em ambientes fechados com ventilação insuficiente e baixa umidade, o vírus se espalha mais rapidamente.

O que está acontecendo no Reino Unido pode ocorrer em muitos lugares do mundo. “Devemos manter o distanciamento social após a vacinação porque sempre haverá a possibilidade de infecção. É possível que as vacinas não sejam eficazes contra as variantes que surgirem”, esclarece Kei Sato, virologista da Universidade de Tóquio, no Japão, que estuda o efeito das mutações na transmissão da variante Delta e outras variantes emergentes.

“Conforme mais variantes como essa se propagam, especialmente entre pessoas não vacinadas, mais os vírus sofrem mutações e, em algum momento, incorporam alterações que permitem driblar o sistema imunológico de forma mais eficiente. Teoricamente, isso poderia tornar as vacinas atuais ainda menos eficazes contra essas variantes”, alerta Suthar.

Se não levarmos a variante Delta a sério, “haverá uma nova onda nos Estados Unidos. Já é possível observar que o número de casos parou de cair”, adverte Gupta. Topol concorda que, se ignorarmos essa variante, “teremos um aumento significativo no número de casos em áreas vulneráveis, assim como no número de internações, fazendo com que a pandemia dure mais nos Estados Unidos”.

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