Por que grávidas na Índia ainda não podem ser vacinadas contra a covid-19?

Preocupações do governo com a segurança impedem gestantes de ser vacinadas. Mas alguns médicos alertam sobre o risco maior de doenças graves e mortes entre gestantes.

Por Astha Rajvanshi
Publicado 4 de jul. de 2021, 07:00 BRT
Pregnant women want to get vaccinated

Profissional de saúde utilizando equipamento de proteção coleta amostra de esfregaço nasal de gestante em centro gratuito de testes de covid-19 no distrito de Medchal Malkajgiri, nos arredores de Hyderabad, em 24 de agosto de 2020.

Foto de Noah Seelam, AFP via Getty Images

A segunda onda da Índia causou um dos piores surtos de covid-19 do mundo: o vírus matou mais de 390 mil indianos até o momento, segundo estimativas oficiais. Embora não haja dados do governo sobre quantas mulheres grávidas no país foram acometidas com covid-19, relatos não oficiais sugerem que o número esteja ao menos na casa dos milhares. A situação é muito mais precária em áreas rurais devido à falta de exames e tratamento. (Saiba a extensão da devastação da covid-19 nas áreas rurais da Índia).

O governo aprovou recentemente vacinas para mães lactantes. Contudo, em declaração oficial, Vinod Kumar Paul, do Instituto Nacional para a Transformação da Índia (Niti, na sigla em inglês) Aayog, grupo de reflexão do governo, afirmou que as autoridades não podiam estender o acesso a gestantes devido à falta de dados de segurança disponíveis. O governo espera “esclarecer a situação em alguns dias, quando receberá novas informações científicas”, acrescentou (Paul, que também é porta-voz da força-tarefa de covid-19 da Índia, não respondeu aos pedidos de comentário da National Geographic).

Gestantes e lactantes foram inicialmente excluídas das campanhas de vacinação em massa na maioria dos países porque não fizeram parte de nenhum estudo clínico das vacinas contra a covid-19. Posteriormente, as vacinas de mRNA da Pfizer e da Moderna foram testadas em experimentos com animais fêmeas grávidas e seus filhotes e não apresentaram riscos adicionais à saúde. Um estudo recente publicado no periódico American Journal of Obstetrics & Gynecology apresentou resultados semelhantes com mulheres grávidas e lactantes que receberam uma vacina de mRNA. Com base nesses e em outros estudos, os Estados Unidos, além do Reino Unido e da Bélgica, passaram a priorizar mulheres grávidas na vacinação.

Na Índia, entretanto, há poucos dados de segurança disponíveis sobre mulheres grávidas que receberam a Covishield ou a Covaxin, duas vacinas autorizadas para uso no país. Ainda assim, muitos especialistas acreditam que os benefícios da vacinação de mulheres grávidas e seus bebês provavelmente superam os riscos.

Um relatório dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos constatou que mulheres grávidas infectadas com Sars-CoV-2, o vírus que causa a covid-19, apresentam um risco 70% maior de morrer em comparação com mulheres não grávidas. Elas também estão mais propensas a necessitar de internação hospitalar em UTI, ventilação mecânica e suporte de vida devido ao seu sistema imune debilitado. Esses resultados condizem com um estudo recente publicado no periódico JAMA Pediatrics, que pesquisou 2,1 mil mulheres grávidas em 18 países, incluindo a Índia, e concluiu que mulheres grávidas e recém-nascidos apresentam um risco maior de morrer se as mães contraírem o vírus durante a gestação.

Com menos de 5% da população adulta da Índia totalmente vacinada, especialistas argumentam que vacinar mulheres grávidas deveria ser prioridade para conter o número e a gravidade desses casos. A federação indiana de ginecologistas, também conhecida como Fogsi, pediu publicamente ao governo indiano para mudar sua política de vacinação contra a covid-19. O argumento usado foi que as gestantes deveriam consultar seus médicos e decidir por si mesmas se desejam ou não receber a vacina.

“De uma perspectiva de saúde pública, sabemos que é necessário”, afirma Neerja Bhatla, chefe da ala de ginecologia do Hospital AIIMS em Délhi, hospital importante de pesquisas na Índia. “Esperamos apenas que haja uma definição logo, pois não seria bom haver o mesmo dilema no caso de uma terceira onda.”

Ansiedade e perda

No início deste ano, Priyanka Chand, de 26 anos, e seu marido Jayasurjya Bhanja perguntaram ao ginecologista se ela poderia receber a vacina. Embora a campanha de vacinação da Índia não estivesse aberta a todos os adultos, Chand estava grávida e queria evitar a contaminação pelo vírus. “Queríamos nos precaver”, conta Bhanja. “Mas o médico nos disse que a vacinação de gestantes não era permitida.”

Chand testou positivo para a covid-19 no fim de abril, durante seu sexto mês de gravidez. Ela mal havia saído de casa, mas depois de sentir dores de cabeça e um surto de febre, resolveu fazer o teste para o novo coronavírus, testando positivo. Quando seus níveis de saturação de oxigênio caíram a 30%, seu ginecologista recomendou que fosse ao hospital imediatamente.

Mas foi justamente no início da segunda onda na Índia e, por três dias, o casal não conseguiu encontrar vaga em um hospital. À 1 hora local do dia 28 de abril, Chand foi finalmente admitida no Max Super Specialty Hospital, no sul de Délhi. A essa altura, seu estado já era grave e ela foi entubada para receber auxílio respiratório. Ela sobreviveu após o tratamento na UTI — mas perdeu o bebê. Agora Chand se recupera em casa, ainda com suporte de oxigênio e corticoides, mas o casal se pergunta se uma vacina poderia ter evitado essa tragédia.

“Quem sabe, talvez nosso bebê pudesse ter sobrevivido”, lamenta Bhanja. Sua experiência terrível deixou algo claro: “mulheres grávidas são muito vulneráveis, é preciso encontrar uma maneira de reforçar sua imunidade”, acrescenta ele.

No Hospital AIIMS em Délhi, a ginecologista-chefe Bhatla afirma ter percebido um aumento nítido nos partos prematuros ou natimortos entre mulheres grávidas com covid-19. Não há nenhum outro motivo aparente, conta Bhatla. Embora haja um comprometimento geral na imunidade durante a gravidez, o aumento da pressão abdominal também pode comprimir os pulmões e agravar a falta de ar, um sintoma comum desencadeado pela nova variante Delta da covid-19, que assola a Índia (Descubra por que a variante Delta é tão assustadora).

Hema Divakar, médica e ex-presidente da Fogsi, afirma que, em sua rede, obstetras e ginecologistas também testemunharam “números assustadores” de mortes entre gestantes. O médico acredita que muitas das mortes poderiam ter sido evitadas, mas as pacientes demoraram demais para consultar o médico, ou então os médicos não reconheceram os sintomas da covid-19.

“Como cada caso é bastante diferente, o tratamento de gestantes com covid-19 não pode ser padronizado”, explica ela.

Sistema de saúde em crise

O Conselho Indiano de Pesquisas Médicas possui um protocolo padrão de atendimento a gestantes durante a pandemia: possíveis casos ou casos leves de covid-19 devem ser testados, isolados e monitorados em casa, ao passo que casos com sintomas mais graves requerem internação hospitalar. Contudo, na prática, em um sistema de saúde sobrecarregado, a maioria dos médicos precisa encontrar suas próprias soluções.

Muitos hospitais em todo o país recusaram-se a admitir gestantes devido à falta de leitos hospitalares ou porque não dispunham de instalações especiais, como maternidades e UTIs neonatais, para tratar mães e filhos. Outros hospitais não foram designados para o tratamento de pacientes de covid-19. Há inúmeros relatos locais como estes: em Karnataka, uma mulher teve alta do hospital após testar positivo para a covid-19, apesar de estar em trabalho de parto; em Kerala, outra mulher que havia se recuperado da covid-19 ainda assim foi recusada por hospitais privados e públicos e, pouco depois, perdeu seus gêmeos antes que nascessem.

A falta de atendimento pré-natal especializado durante a segunda onda também afetou gestantes que não contraíram covid-19. Muitas mulheres não puderam fazer exames de rotina e exames clínicos devido ao isolamento forçado. Como resultado, “muitas gestantes desenvolveram anemia, pré-eclâmpsia e outras morbidades graves devido aos atrasos”, afirma Bhatla.

Bhatla e Divakar estão entre os diversos profissionais médicos que acreditam que a vacinação ao menos prevenirá ou reduzirá drasticamente o número de casos de covid-19 e a mortalidade entre mulheres grávidas. Em um estudo ainda não publicado, cujo pesquisador principal é Yamini Sarwal, diretor médico do Hospital Safdarjung de Nova Délhi, as evidências de segurança e eficácia das vacinas contra a covid-19 obtidas por estudos em todo o mundo revelaram que muitas gestantes reagem bem a qualquer tipo da vacina que receberem e produzem uma “resposta imune robusta”. O relatório ainda recomenda que a vacinação seja acrescentada aos protocolos pré-natais de rotina, já que as vacinas também protegem o feto por meio da transferência de anticorpos.

Mas até que as vacinas indianas sejam corroboradas por dados e aprovadas para aplicação em gestantes, os médicos ficam sem saber como orientar melhor suas pacientes: “é um processo de tomada de decisão arriscado”, observa Divakar. Ela acrescenta que todas as suas pacientes desejam “certeza absoluta” de que a vacina não fará mal a elas nem a seus bebês, algo que ela não pode garantir.

Nupur Kaushik, mãe de 35 anos atualmente grávida de seis meses de seu segundo filho, deseja se vacinar, mas não confia na Covishield, que utiliza um vírus modificado do resfriado comum para transferir material genético do Sars-CoV-2, tampouco na Covaxin, que utiliza um coronavírus inativado para desencadear uma resposta imune protetora. Kaushik acredita que o governo apressou a aprovação dessas vacinas.

“Tem havido muita politicagem com a campanha de vacinação na Índia”, desabafa ela. Em janeiro, o processo de aprovação da Covaxin foi acelerado antes de passar pela fase três dos testes, ao passo que a Covishield foi aprovada antes que fossem concluídos os testes clínicos locais na Índia. Kaushik prefere aguardar para receber as vacinas da Pfizer ou da Moderna. “Quando se trata de meus filhos, não quero correr nenhum risco”, afirma.

Até então, Kaushik continuará a se isolar em sua casa em Noida, cidade satélite a cerca de 50 quilômetros de Délhi, capital do país. Ela fica em um quarto separada de seu marido, advogado que sai de casa todos os dias para trabalhar, e do filho de cinco anos.

“Ficamos tão felizes quando engravidei de novo, mas agora me sinto ansiosa e solitária o tempo todo”, conta ela. “Esse vírus mudou tudo.”

Quando as mulheres grávidas serão vacinadas?

Apesar das expectativas do governo em relação à aprovação de vacinas para mulheres grávidas quando novas informações forem recebidas, os médicos estão céticos de que isso ocorra em breve. A coleta de dados de segurança levará tempo, pois as vacinas aplicadas na Índia são diferentes das aprovadas para gestantes no exterior. Na Índia, a autoridade para aprovar a vacinação de grupos específicos cabe ao Ministério da Saúde e Bem-Estar da Família, que analisa dados de imunização coletados por um grupo consultivo técnico nacional antes de conceder permissão para aplicação.

Existem métodos mais eficientes de coleta e análise de dados sobre gestantes, ressalta Divakar. Algumas mulheres grávidas desejam participar de estudos clínicos, ao passo que outras podem ter gestações não planejadas após tomar suas doses. Até o momento, entretanto, o grupo consultivo não adotou essas sugestões e seu processo de coleta de dados não está claro.

Além disso, priorizar gestantes será difícil diante da atual escassez de vacinas no país. Em janeiro, o governo encomendou apenas 15,5 milhões de doses para sua população de 1,4 bilhão. Quando os casos dispararam em março, foi feito outro pedido de 110 milhões de doses, porém os fabricantes de vacinas da Índia não estão conseguindo atender à demanda. Diante desse cenário, mulheres lactantes, que já enfrentam dificuldades para se vacinar, serão preteridas após a aprovação da vacinação de gestantes, as quais serão priorizadas nos centros de vacinação.

“Será um pesadelo para o governo se forem recusadas doses a essas mulheres”, lamenta Divakar.

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