Surpresa científica: novo órgão descoberto em planta mais estudada do mundo

Após uma década de estudos, biólogo demonstrou que uma ramificação horizontal da planta da espécie Arabidopsis thaliana, na verdade, é um apêndice próprio: o cantil.

Por Michael Greshko
Publicado 21 de jun. de 2021, 16:45 BRT

Pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia descobriram um apêndice vegetal denominado cantil, uma estrutura que se projeta horizontalmente a partir do caule da planta da espécie Arabidopsis thaliana. O apêndice se assemelha a um cantiléver da engenharia estrutural e sustenta outro talo que desenvolve uma flor. Um cantil grande e dois cantis menores podem ser observados nesta imagem da planta.

Foto de Timothy Gookin, Pennsylvania State University

O funcionamento da vida é incrivelmente complexo. Para tentar entendê-lo, pesquisadores passam décadas concentrando-se nos chamados organismos-modelo: seres vivos fáceis de estudar em laboratório e que compartilham importantes características com muitas outras formas de vida. Dentre esse grupo de modelos, encontram-se os ratos de laboratório, as moscas-da-fruta e a Arabidopsis thaliana, erva daninha sem importância comercial.

Organismos-modelo estão entre as formas de vida mais estudadas do mundo. Portanto, imagine a surpresa dos cientistas quando, após uma década de pesquisas, um obstinado biólogo vegetal encontrou um órgão totalmente inédito na Arabidopsis que havia passado despercebido.

O órgão recém-descoberto, descrito em 15 de junho no periódico Development, é uma projeção horizontal a partir do caule principal da Arabidopsis que serve de apoio ao pedúnculo, o pequeno talo que sustenta a base de uma flor. Projetando-se do caule principal da planta, o apêndice lembra o suporte estrutural conhecido como cantiléver, motivo pelo qual os pesquisadores denominaram os órgãos “cantis”.

“Ainda há tanto o que descobrir!”, afirma Timothy Gookin, principal autor do estudo e ex-pesquisador de pós-doutorado da Universidade Estadual da Pensilvânia.

Um apêndice surpreendente

A pequena planta florífera da espécie Arabidopsis thaliana é nativa da Europa e da Ásia. Sem dúvidas, a erva daninha tem sido observada por humanos há milênios, por brotar ao longo da Rota da Seda e nascer em trechos abandonados de terras agrícolas romanas. A planta foi descrita cientificamente na década de 1570, e os cientistas começaram a sequenciar seu genoma na década de 1990. Como a planta possui um genoma pequeno e é fácil de cultivar, os biólogos vegetais recorrem a ela há décadas para estudar os segredos celulares de toda a flora.

Em 2015, os cientistas haviam produzido mais de 54 mil artigos sobre a  Arabidopsis, e, desde então, aproximadamente mais quatro mil são publicados a cada ano. Atualmente o DNA da planta é tão bem conhecido que os pesquisadores podem comprar on-line cepas com mutações específicas da espécie. Então, como um órgão inteiro de Arabidopsis passou despercebido pelos pesquisadores por tanto tempo?

Um dos motivos é que os cantis nem sempre aparecem. Na Arabidopsis, os pedúnculos em geral brotam diretamente do caule, sem um cantil como intermediário. Os cantis se formam apenas quando as plantas se desenvolvem sob condições de crescimento semelhantes a uma “primavera” prolongada, em que as plantas recebem apenas entre oito e 10 horas de luz solar por dia, e não as 12 horas ou mais tão comuns no verão.

Além disso, os cantis se formam apenas em uma área específica do caule: na linha divisória entre a região de crescimento das folhas na parte inferior do caule e a extremidade superior onde brotam as flores. A identificação do cantil foi como descobrir um órgão totalmente inédito em um rato ou mosca-da-fruta que se forma apenas sob determinadas condições, quando os animais atingem a puberdade.

“Acredito que esse seja um daqueles estudos em que muitos dirão: nossa, já tinha notado isso! Não sabia para que servia!”, afirma Dominique Bergmann, bióloga vegetal da Universidade de Stanford, na Califórnia, que não participou do estudo.

Decifrando o cantil

Gookin notou os cantis pela primeira vez em 2008, ao trabalhar no laboratório de Sarah Assmann, bióloga vegetal da Universidade Estadual da Pensilvânia. Na época, Gookin era um pesquisador de pós-doutorado que estudava a genética do envelhecimento foliar e utilizava variedades de Arabidopsis com mutações que murchavam quando mantidas sob menos horas de luz.

Durante esses experimentos, ele percebeu algo incomum: em algumas das plantas, ramificações horizontais se projetavam a vários milímetros dos caules. Gookin descartou a importância da observação, atribuindo-a a uma casualidade em decorrência das mutações das plantas do laboratório.

Mas, com o avanço de sua pesquisa, Gookin se deparou com a estrutura sucessivas vezes — incluindo em algumas cepas silvestres de Arabidopsis que não haviam sido manipuladas para pesquisas de laboratórioEle verificou todas as fontes de contaminação possíveis, até mesmo cultivando as plantas em diferentes laboratórios para se certificar de que substâncias suspensas no suprimento de ar de seu primeiro laboratório não haviam desencadeado o crescimento das estruturas.

As estruturas apareceram repetidas vezes. Só então ele aceitou a ideia de que os cantis não eram uma casualidade, mas parte da biologia da Arabidopsis nunca descrita antes.

Durante anos, Gookin trabalhou noites e fins de semana para identificar a causa do surgimento dos cantis, do ponto de vista genético. Ainda não há um entendimento completo, mas, até o momento, ele fez três constatações importantes. A primeira foi que um gene denominado Flowering Locus T, que induz a floração, desencadeia a formação de cantis. Em segundo lugar, a supressão de moléculas denominadas proteínas G, que auxiliam as células no recebimento de sinais externos, pode aumentar as chances de formação de cantis.

Por fim, Gookin descobriu que um importante gene vegetal denominado Erecta atua como se fosse uma chave interruptora de cantis. Se o gene Erecta estiver desativado, os cantis não se formarão, independentemente da atuação dos demais genes.

O papel do Erecta em atrofiar cantis é uma das razões pelas quais as estruturas não haviam sido descobertas antes. Plantas da espécie Arabidopsis com genes Erecta partidos se comportam bastante bem em laboratório, crescendo fortes e eretas sem necessidade de suporte adicional, daí a origem do nome do gene. Essas cepas robustas formam as bases da pesquisa da Arabidopsis , o que significa que muitos cientistas estudavam plantas incapazes de produzir cantis.

Qual é a função de um cantil?

A descoberta ressalta a flexibilidade de adaptação da flora em seu desenvolvimento evolutivo. Como as plantas não podem se deslocar e mudar de ambiente, precisam desenvolver novos órgãos constantemente, mudando de estrutura de forma rápida.

“As pessoas nascem com dois braços”, compara Bergmann. “Já as plantas podem sentir a necessidade de desenvolver seis braços em alguma área.” Esse tipo de flexibilidade — e caos bioquímico — alcança seu auge antes da floração, então há um significado no fato de que cantis só se formam na Arabidopsis durante esse período.

Até o momento, não está claro se os cantis ajudam a planta a sobreviver na natureza ou se os apêndices são um efeito colateral inerte de outras alterações vegetais. As estruturas podem ser vestigiais, o que significa que são sobras evolutivas de uma ancestral antiga na linhagem da planta, não servindo mais a um propósito prático.

Nicholas Provart, biólogo da Universidade de Toronto, que não participou do estudo, suspeita que os cantis não confiram uma vantagem evidente à Arabidopsis, pois o órgão aparece apenas em situações excepcionais. Contudo, ainda que a função do cantil permaneça desconhecida, Provart está surpreso com tamanho empenho de Gookin na pesquisa sobre a estrutura — e na definição de um novo órgão na planta mais estudada do mundo. “Foi um trabalho de muita dedicação”, comenta ele.

loading

Descubra Nat Geo

  • Animais
  • Meio ambiente
  • História
  • Ciência
  • Viagem
  • Fotografia
  • Espaço
  • Vídeo

Sobre nós

Inscrição

  • Assine a newsletter
  • Disney+

Siga-nos

Copyright © 1996-2015 National Geographic Society. Copyright © 2015-2024 National Geographic Partners, LLC. Todos os direitos reservados