Maior vulcão do Sistema Solar pode ter originado meteoritos marcianos incomuns

Rochas provavelmente foram lançadas da cratera Tooting há mais de um milhão de anos e agora ajudam cientistas a desvendar o passado turbulento do Planeta Vermelho.

Por Robin George Andrews
Publicado 24 de nov. de 2021, 07:00 BRT
Martian Meteorites

As cores neste mapa global de Marte representam áreas com diferentes tamanhos de crateras. Ao identificar cerca de 90 milhões de pequenas crateras de impacto, os pesquisadores conseguiram calcular as idades de diferentes regiões de Marte e posteriormente identificar uma cratera específica como sendo a origem de um grupo de meteoritos.

Foto de Lagain et al. 2021, Nature Communications

Há cerca de um milhão de anos, um asteroide colidiu com a superfície normalmente tranquila de Marte. O impacto lançou destroços para o alto e alguns fragmentos rochosos escaparam da gravidade do planeta e se perderam pela escuridão.

Algumas das rochas acabaram alcançando a Terra e sobreviveram ao mergulho na atmosfera do nosso planeta, atingindo sua superfície – incluindo um fragmento pesado de 6,8 quilos que caiu em Marrocos em 2011. Atualmente conhecido pelos cientistas como shergotitas empobrecidas, esse acervo de mais de uma dezena de rochas espaciais constitui parte intrigante dos 317 meteoritos marcianos conhecidos — os únicos materiais de Marte existentes na Terra.

Determinar qual foi a região de origem desses meteoritos em Marte é importante para conhecer a história do planeta, mas é algo que se revelou um grande desafio científico. Agora, com o auxílio de um programa de aprendizado de máquina que conta crateras, uma equipe de pesquisadores que estuda as shergotitas empobrecidas pode ter finalmente resolvido a questão: concluíram que esses projéteis geológicos são provenientes de uma única cratera no topo de Tharsis, o maior acidente geográfico vulcânico do Sistema Solar.

Esse antigo gigante vulcânico em Marte é composto por milhares de vulcões individuais e se estende pelo triplo da área do território continental dos Estados Unidos. Formou-se ao longo de bilhões de anos por inúmeras injeções de magma e fluxos de lava. É tão pesado que, durante sua formação, causou uma inclinação de 20 graus no planeta.

Se esses meteoritos de fato são provenientes de Tharsis, como sugere a análise publicada no periódico Nature Communications, então os cientistas têm à disposição meteoritos que podem ajudar a identificar as forças infernais que afetaram a formação dessa estrutura capaz de inclinar planetas.

“Isso realmente poderia mudar nossa compreensão sobre Marte”, afirma Luke Daly, especialista em meteoritos da Universidade de Glasgow, que não participou do estudo.

Indícios meteoríticos

A maioria dos meteoritos marcianos enquadra-se em uma categoria denominada shergotitas, em homenagem à cidade indiana de Sherghati onde um deles foi visto caindo do céu em 1865. As shergotitas são rochas vulcânicas com composições semelhantes, mas algumas delas, as shergotitas empobrecidas, possuem uma composição química peculiar.

Em Marte, certos elementos, como o neodímio e o lantânio, não possuem afinidade com os minerais do manto, a parte sólida, porém pastosa do planeta abaixo da crosta. As shergotitas empobrecidas carecem desses elementos — razão do nome “empobrecida” — sugerindo que são provenientes do manto de Marte.

Mas como essas rochas chegaram perto o suficiente da superfície a ponto de serem lançadas em um impacto? Na Terra, a rocha do manto pode chegar à superfície de duas maneiras: quando duas placas tectônicas se afastam e permitem a ascensão do manto, ou quando uma fonte de material superaquecido do manto, conhecida como pluma mantélica, sobe das profundezas. Ao que tudo indica, Marte nunca teve placas tectônicas, então uma pluma mantélica é o cenário mais provável.

Os cientistas também sabem que todas as rochas vieram de uma região vulcânica relativamente recente — talvez um acúmulo de depósitos de fluxo de lava — com base no decaimento radioativo de elementos específicos nos meteoritos.

Se todas essas rochas vulcânicas que viajam pelo espaço são oriundas de um único impacto, então ele deve ter sido muito potente, pois deixou uma cratera com no mínimo três quilômetros de diâmetro ou talvez maior ainda. E a cratera teria cerca de 1,1 milhão de anos, já que os raios cósmicos que bombardearam e alteraram as superfícies dos meteoritos ao longo do tempo revelaram a duração da trajetória pelo espaço após o impacto.

Contudo, apesar desses indícios, identificar o local de origem desses fragmentos de rochas marcianas se revelou uma tarefa extremamente complexa. São como peças individuais perdidas de um quebra-cabeça: sem saber como era seu ambiente original, é quase impossível colocá-las em uma região específica do planeta.

“Como geólogos, registramos muitas informações sobre os locais de coleta de amostras de rochas devido à importância do contexto”, afirma Áine O’Brien, doutoranda que pesquisa meteoritos marcianos na Universidade de Glasgow e que não participou do estudo. “Como não é conhecido o contexto em que os meteoritos marcianos estavam inseridos, é preciso fazer suposições bastante fundamentadas sobre o que ocorreu em sua formação.”

E para fazer essas suposições, os cientistas recorreram a uma nova ferramenta na ciência planetária: o aprendizado de máquina.

Uma cratera entre milhões

A única maneira de determinar ao certo a idade da superfície de um planeta é coletar uma amostra física e estudar seus compostos radioativos. No entanto, até que a Nasa e a campanha Mars Sample Return da Agência Espacial Europeia tragam rochas marcianas imaculadas à Terra na década de 2030, os pesquisadores precisam confiar em uma técnica para estimar as idades da superfície conhecida como contagem de crateras.

Na Terra, ventanias, água corrente, lava em erupção e uma infinidade de seres vivos apagam rapidamente as crateras de impactos antigos. Não é o que ocorre em Marte, um planeta geologicamente letárgico com brisas fracas e sem água na superfície. Lá, crateras de tamanho considerável permanecem intactas por centenas de milhões ou até bilhões de anos. Supondo que a taxa de impactos ao longo do tempo seja conhecida, uma superfície de Marte com mais crateras seria mais antiga do que outra com menos crateras.

Os cientistas podem utilizar outras estratégias para deduzir a idade de uma cratera. “Quando um asteroide atinge a superfície, diversos destroços são lançados”, explica Anthony Lagain, geólogo planetário da Universidade Curtin, na Austrália, e autor principal do novo estudo. Os fragmentos que caem de volta em Marte produzem impactos na superfície e formam pequenas crateras secundárias ao redor da cratera principal original. Até mesmo em Marte, essas crateras secundárias ficam sujeitas à erosão do vento ao longo de alguns milhões de anos, então qualquer cratera grande cercada por crateras secundárias deve ter sido feita mais recentemente na história do planeta.

“Para determinar melhor as idades, é preciso analisar crateras cada vez menores”, observa Gretchen Benedix, astrogeóloga da Universidade Curtin e coautora do estudo. Impactos menores são mais comuns do que os maiores, então podem ser utilizadas pequenas diferenças no número de crateras menores em duas superfícies para calcular cronologias mais detalhadas.

Para determinar se uma cratera tinha exatamente 1,1 milhão de anos, a equipe precisou catalogar as pequenas crateras de Marte e as utilizou para datar a superfície com precisão. Seria quase impossível fazer isso manualmente. Por isso, lançaram imagens da órbita de Marte em um programa de aprendizado de máquina e o treinaram para localizar crateras com menos de um quilômetro de comprimento.

Logo foram localizadas cerca de 90 milhões de crateras, conta Kosta Servis, cientista de dados da Universidade Curtin e coautor do estudo. Com essa linha do tempo das crateras disponível, a equipe pôde começar a estreitar as possíveis origens das shergotitas empobrecidas.

Fragmentos de um titã vulcânico

Após examinar os dados, a equipe identificou 19 crateras grandes em regiões vulcânicas em Marte que eram cercadas por várias crateras secundárias — um sinal de que essas cicatrizes planetárias poderiam ser tão recentes quanto a cratera buscada de 1,1 milhão de anos. Utilizando o catálogo de 90 milhões de crateras pequenas, os pesquisadores conseguiram determinar com precisão a idade das camadas de destroços irradiados das crateras maiores, o que permitiu estimativas ainda mais exatas de suas idades.

Algumas das crateras tinham a idade certa, mas não era o suficiente. A idade de formação do terreno circundante também precisava coincidir com a idade dos minerais encontrados nos meteoritos. Para fazer essa verificação, a equipe mais uma vez recorreu ao seu catálogo de crateras para determinar a idade das planícies vulcânicas.

Dentre essas 19 crateras, apenas duas foram escavadas a partir de depósitos vulcânicos recentes por um evento de impacto há 1,1 milhão de anos: a cratera 09-00015 e a cratera Tooting. Essa última (em homenagem a um distrito de Londres) parece ter sido formada por um poderoso impacto oblíquo: o tipo de colisão que lançaria muitos meteoritos marcianos para o espaço.

“A cratera Tooting apresenta um tipo especial de depósito de material lançado em diversas camadas que sugere a presença de gelo ou água ao seu redor no momento do impacto”, conta Peter Grindrod, cientista planetário do Museu de História Natural de Londres, que não participou do estudo . Simulações de impactos demonstram que o gelo e a água podem gerar mais destroços, muitos dos quais podem escapar para o espaço se receberem impulso suficiente.

Diante de todas essas evidências, a equipe identificou a cratera Tooting de 30 quilômetros de comprimento como a origem mais provável das shergotitas empobrecidas. “É um argumento muito convincente”, comenta Daly. “Tudo parece fazer sentido.”

Os cientistas não descartaram completamente a cratera 09-00015, mas o importante é que ambas as crateras “estão localizadas na região de Tharsis, onde um extenso ponto de atividade magmática, ou superpluma, há muito se acredita ter produzido uma protuberância imensa na superfície de Marte”, segundo Grindrod. Independentemente de qual cratera específica tenha originado os meteoritos, elas podem indicar a história da maior região vulcânica de Marte.

A contagem de crateras já revelou que alguns dos acidentes geográficos de Tharsis surgiram há mais de 3,7 bilhões de anos, mas os meteoritos de shergotitas mais recentes possuem apenas algumas centenas de milhões de anos, o que sugere que a superpluma de Tharsis é quase tão antiga quanto o próprio planeta Marte e continuou a produzir magma muito depois de diversos outros centros vulcânicos do planeta se extinguirem.

Assim como as plumas da Terra, as plumas do manto de Marte ajudaram a moldar a evolução da superfície desse planeta, lançando enormes volumes de gases que alteram a atmosfera enquanto modificavam drasticamente sua topografia. A superpluma de Tharsis pode ter tido uma influência quase incessante no desenvolvimento do planeta vermelho.

Os dias de erupções frequentes e prolíficas de Marte acabaram. Mas o vulcanismo prolongado de Tharsis reforça a noção de que até mesmo planetas pequenos que deveriam ter perdido seu calor interno há bastante tempo podem manter atividade vulcânica por um período muito maior do que se acreditava.

Desvendando crateras em outros planetas

Animada por sua descoberta, a equipe de Lagain espera identificar as crateras de origem de outros meteoritos marcianos — incluindo alguns dos mais antigos, que podem revelar mais sobre o passado de Marte com abundância de água.

Mas o êxito futuro, bem como as implicações desse estudo, dependem de uma contagem correta de crateras pelo programa de aprendizado de máquina. A contagem de crateras está repleta de dificuldades: a taxa de impactos ao longo do tempo é apenas uma estimativa, por exemplo, e pequenas estruturas circulares em Marte semelhantes a crateras podem enganar um programa de computador.

O aprendizado de máquina “é uma maneira bastante criativa de tentar resolver esse problema”, afirma Lauren Jozwiak, vulcanóloga planetária do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, que não participou do estudo. “Espero que esse método funcione”, prossegue ela, porque, se funcionar, “seria muito interessante aproveitar e aplicar o método para outros planetas”.

Os autores do estudo concordam. “Marte é interessante”, observa Benedix. “Mas esse algoritmo e essa metodologia não se restringem a esse planeta. Poderiam ser empregados em relação à Lua e também a Mercúrio.”

Se o aprendizado de máquina de fato solucionou esse mistério de longa data sobre os meteoritos, abrirá as portas para inúmeras possibilidades nunca imaginadas. “Sem dúvida, estamos apenas começando a perceber as implicações do aprendizado de máquina na ciência planetária”, afirma Grindrod.

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