O universo está expandindo mais rápido do que previsto
As últimas medições do Telescópio Espacial Hubble sugerem que o universo está expandindo mais rápido do que previsto pelos modelos dos cientistas — um indício de que algum fator desconhecido pode estar em ação no cosmos.
Esta imagem do Telescópio Espacial Hubble mostra a galáxia espiral Markarian 1337, a cerca de 120 milhões de anos-luz de distância da Terra. Em 2006, astrônomos observaram uma espécie de supernova explodir nessa galáxia, fornecendo aos pesquisadores alguns dos dados necessários para determinar a taxa atual de expansão do universo.
Trata-se de um dos maiores mistérios da astronomia moderna: com base em diversas observações de estrelas e galáxias, o universo parece estar se afastando mais rápido do que previsto pelos melhores modelos do cosmos. As evidências desse enigma vêm se acumulando há anos, a ponto de alguns pesquisadores considerarem iminente uma crise na cosmologia.
Agora, um grupo de pesquisadores usando o Telescópio Espacial Hubble compilou um novo conjunto amplo de dados, chegando à probabilidade de uma em um milhão de que a discrepância seja mero acaso estatístico. Em outras palavras, parece ainda mais provável que haja algum elemento fundamental do cosmos — ou algum efeito inesperado dos elementos conhecidos — ainda não identificado pelos astrônomos.
“O universo parece apresentar muitas surpresas, o que é bom, pois nos permite aprender”, afirma Adam Riess, astrônomo da Universidade Johns Hopkins que liderou a última iniciativa para testar a anomalia.
O enigma é conhecido como tensão de Hubble, em homenagem ao astrônomo Edwin Hubble. Em 1929, ele observou que quanto mais longe uma galáxia está da Terra, mais rápido ela se afasta — uma observação que contribuiu para a teoria atual de que o universo começou com o big bang e se expande desde então.
Os pesquisadores tentaram medir a taxa atual de expansão do universo por meio de dois métodos principais: medindo as distâncias até estrelas próximas e mapeando um brilho fraco que remonta ao início do universo. Essas abordagens oferecem uma maneira de testar nossa compreensão do universo ao longo de mais de 13 bilhões de anos de história cósmica. A pesquisa também identificou alguns elementos cósmicos importantes, como a “energia escura”, força misteriosa que se acredita impulsionar a expansão do universo em aceleração.
Mas há uma divergência de cerca de 8% na taxa de expansão atual do universo entre esses dois métodos. Essa diferença pode parecer pouca, mas se essa discrepância for confirmada, significa que o universo está em expansão mais rápido até mesmo do que pode ser explicado pela energia escura — implicando alguma incoerência nos cálculos do cosmos.
As conclusões dos pesquisadores, descritas em diversos estudos apresentados recentemente ao periódico The Astrophysical Journal, baseiam-se em tipos específicos de estrelas e explosões estelares para medir a distância entre a Terra e galáxias próximas. O conjunto de dados inclui observações de 42 explosões estelares distintas, mais do que o dobro da segunda maior análise do gênero. De acordo com o estudo da equipe, a tensão entre a nova análise e os resultados das medições do cosmos inicial atingiu cinco sigma, o limite estatístico utilizado na física de partículas para confirmar a existência de novas partículas.
Outros astrônomos ainda consideram haver possibilidade de erros nos dados, o que significa que ainda é possível que a tensão do Hubble seja apenas uma criação nossa.
No entanto “não sei como um erro tão grande não teria sido detectado até este momento e, se foi, é algo que passou despercebido”, afirma Dan Scolnic, membro da equipe e astrônomo da Universidade Duke. “Verificamos todas as hipóteses que nos foram apresentadas e nada resolveu a questão.”
Micro-ondas cósmicas e a escada da distância
A tensão de Hubble resultou de tentativas de medir ou prever a taxa atual de expansão do universo, denominada constante de Hubble. Por meio de seu uso, os astrônomos podem estimar a idade do universo desde o big bang.
Uma forma de calcular a constante de Hubble depende da radiação cósmica de fundo em micro-ondas (“CMB”, na sigla em inglês), um brilho fraco formado quando o universo tinha apenas 380 mil anos. Telescópios como o observatório Planck da Agência Espacial Europeia mediram a CMB, oferecendo um retrato detalhado de como a matéria e a energia eram distribuídas no início do universo, bem como a física que as determinava.
Empregando um modelo que prevê muitas das propriedades do universo com êxito espetacular — denominado modelo Lambda de Matéria Escura Fria — os cosmólogos podem desenvolver matematicamente um modelo progressivo do início do universo mostrando a CMB e prever qual deveria ser a atual constante de Hubble. Esse método prevê que o universo deveria expandir a uma taxa de cerca de 67,36 quilômetros por segundo por megaparsec (um megaparsec é igual a 3,26 milhões de anos-luz).
Por outro lado, outras equipes medem a constante de Hubble analisando o universo “local”: as estrelas e galáxias mais modernas que estão relativamente próximas da Terra. Essa versão de cálculo requer dois tipos de dados: a velocidade com que uma galáxia se afasta da Terra e a distância entre essa galáxia e a Terra, o que, por sua vez, requer que os astrônomos desenvolvam o que é denominado escada da distância cósmica.
A escada da distância cósmica dos novos estudos, desenvolvida pelo SH0ES, grupo de pesquisa de Riess, começa com medições das distâncias entre a Terra e algumas estrelas denominadas variáveis cefeidas. As cefeidas são valiosas porque, basicamente, atuam como luzes estroboscópicas de potência conhecida: brilham e escurecem regularmente, e quanto mais brilhantes as cefeidas, mais lentamente pulsam. Tendo por base esse princípio, os astrônomos podem estimar o brilho intrínseco de cefeidas ainda mais distantes em função de suas taxas de pulsação e, por fim, calcular as distâncias entre as estrelas e a Terra.
Para estender a escada ainda mais longe, os astrônomos adicionaram degraus baseados em explosões estelares denominadas supernovas tipo 1a. Ao estudar as galáxias que abrigam as cefeidas e as supernovas do tipo 1a, os astrônomos podem calcular a relação entre o brilho das supernovas e suas distâncias. E como as supernovas do tipo 1a são muito mais brilhantes do que as Cefeidas, elas podem ser observadas a distâncias muito maiores, permitindo que os astrônomos estendam suas medições às galáxias mais remotas do cosmos.
Calculando a variação
O problema é que medir com precisão tantas estrelas e supernovas é extremamente complexo. Tecnicamente, nem todas as cefeidas e supernovas do tipo 1a são exatamente iguais: algumas podem ter composições, cores ou tipos diferentes de galáxias de origem. Os astrônomos passaram muitos anos tentando explicar toda essa variabilidade — mas é extremamente difícil saber ao certo se alguma origem não identificada de erro está exercendo alguma influência.
Para abordar essas questões, uma equipe de pesquisas denominada colaboração Pantheon+ analisou mais de 1,7 mil imagens de supernovas do tipo 1a captadas desde 1981. A análise incluiu iniciativas para quantificar todas as incertezas e fontes de interferência conhecidas.
“Procuramos saber, por exemplo, como estava a meteorologia e se o céu estava limpo sobre cada telescópio em novembro de 1991 — algo bastante difícil”, afirma Scolnic, da Universidade Duke, um dos líderes da Pantheon+ juntamente com Dillon Brouto, pesquisador do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsoniano.
As verificações da equipe foram lançadas em uma nova análise de Riess e seus colegas do SH0ES. Depois de conferir por completo os fatores que poderiam afetar as observações das cefeidas, a equipe gerou sua estimativa mais exata para a constante de Hubble: 73,04 quilômetros por segundo por megaparsec, com uma margem para mais ou para menos de 1,04. É cerca de 8% acima do valor resultante das medições de CMB realizadas pelo observatório Planck.
A equipe também procurou testar hipóteses de cientistas externos para explicar por que sua estimativa da constante de Hubble é maior do que a do Planck. Ao todo, os pesquisadores executaram 67 variações de sua análise — muitas das quais pioraram ainda mais a tensão.
“Foram consideradas criteriosamente diversas preocupações e problemas”, conta Riess. “Não se chegou a esse resultado do zero... Fizemos inúmeras análises profundas de cenários absolutamente implausíveis.”
Universo desconhecido
Nos últimos anos, entretanto, Wendy Freedman, da Universidade de Chicago, vem desenvolvendo uma estimativa que não depende de estrelas pulsantes. Em vez delas, ela utiliza um grupo específico de estrelas gigantes vermelhas, que também atuam como lâmpadas de potência conhecida. Partindo dessas “iluminações padrões” alternativas, ou objetos com brilho intrínseco conhecido, a estimativa independente formulada por Freedman para a constante de Hubble é de 69,8 quilômetros por segundo por megaparsec — uma cifra entre as duas outras medições.
Apesar do empenho da equipe, Freedman afirma que erros despercebidos ainda podem estar afetando a análise e criando uma tensão ilusória. Ela acrescenta que algumas fontes de incerteza também são inevitáveis. Por exemplo, existem apenas três galáxias perto o suficiente da Via Láctea cujas distâncias podem ser medidas diretamente, e a base da escada da distância cósmica repousa sobre esse trio.
“Três é um número pequeno, mas é o que existe à nossa disposição”, explica Freedman.
As equipes Pantheon+ e do grupo SH0ES analisaram extensamente os resultados de Freedman e de outros, e algumas de suas diversas análises estudam o que ocorreria se as estrelas preferidas de Freedman fossem adicionadas à escada da distância cósmica, juntamente com as cefeidas e as supernovas do tipo 1a. Segundo seu estudo, a inclusão dessas estrelas adicionais reduz discretamente a estimativa da constante de Hubble — mas não elimina a tensão.
E se a tensão do Hubble de fato reflete nossa realidade física, então explicá-la provavelmente exigirá que algo seja adicionado à lista conhecida de elementos fundamentais do universo.
Um dos principais elementos hipotéticos, denominado energia escura inicial, propõe que cerca de 50 mil anos após o big bang, houve uma breve explosão de energia escura. A princípio, um pequeno instante de energia escura adicional poderia alterar a expansão do universo inicial o suficiente para resolver a tensão de Hubble sem interferir muito com o modelo padrão da cosmologia.
Mas, nesse processo, as estimativas da idade do universo feitas pelos cosmólogos cairiam dos atuais 13,8 bilhões de anos para cerca de 13 bilhões de anos.
“Há muitas perguntas sobre por que é necessário acrescentar algo novo que simplesmente aparece e desaparece – é um pouco inusitado”, afirma Mike Boylan-Kolchin, astrofísico da Universidade do Texas em Austin. “Mas diante dessa tamanha discrepância, talvez seja necessário analisar teorias inusitadas do universo.”
Por ora, não há nenhuma evidência definitiva da energia escura inicial, embora tenham surgido alguns indícios. Em setembro, o Telescópio Cosmologia do Atacama, instalação no Chile que mede a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, alegou que um modelo incluindo a energia escura inicial é mais condizente com seus dados do que o modelo cosmológico padrão. Os dados do telescópio Planck divergem, então serão necessárias observações futuras para elucidar o mistério.
Outros observatórios também devem ajudar a esclarecer a tensão do Hubble. O satélite Gaia da Agência Espacial Europeia, por exemplo, mapeia a Via Láctea desde 2014 e gera estimativas de distâncias cada vez mais precisas entre a Terra e muitas das estrelas da nossa galáxia, incluindo as cefeidas. E o futuro Telescópio Espacial James Webb — com lançamento previsto para o fim deste mês — deve ajudar astrônomos a conferir as medições feitas pelo Hubble para algumas estrelas.
“Estamos trabalhando no limite do que é possível”, afirma Freedman. “Chegaremos ao cerne dessa questão.”