Enorme diamante negro é vendido por mais de US$ 4 mi – e ninguém sabe de onde ele veio

Geólogos ainda não sabem ao certo se a enorme pedra chamada Enigma cristalizou-se no manto da Terra ou caiu do espaço sideral.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 11 de fev. de 2022, 15:49 BRT, Atualizado 14 de fev. de 2022, 13:34 BRT

Com 555,55 quilates, o Enigma é o maior diamante lapidado do mundo. Diamantes Carbonados como este podem crescer em tamanhos significativos, e eles são ainda mais resistentes do que diamantes comuns, o que os torna extremamente desafiadores de lapidar. A forma de 55 facetas do Enigma foi inspirada no símbolo de palma popular no Oriente Médio, o Hamsa — uma marca de proteção.

Foto de Sotheby's

Com um lance final de US$ 4,28 milhões, equivalente a mais de R$ 22 mi, um comprador anônimo acaba de se tornar o novo dono do diamante negro de 555,55 quilates conhecido como Enigma. A venda dessa pedra reacendeu um longo debate sobre sua origem, estimulado pela controversa teoria de que ela pode ter chegado do espaço sideral.

O Enigma e todos os outros diamantes carbonados formaram-se em um evento misterioso cerca de 3,8 a 2,6 bilhões de anos atrás. Preto piche, opaco e cheio de buracos visíveis, os carbonados têm uma combinação única de características físicas e químicas, diferentes de qualquer outro diamante conhecido.

Eles são encontrados em apenas duas regiões do mundo — no Brasil e na República Centro-Africana — e podem ser surpreendentemente grandes. Entre os cristais existentes, está um brasileiro de 3.167 quilates conhecido como Carbonado do Sérgio — o maior diamante já encontrado. O Enigma em si não é uma pedra pequena, chegando ao tamanho de uma bola de tênis. "É um diamante muito grande", diz Thomas Stachel, mineralogista especializado em diamantes da Universidade de Alberta, no Canadá.

Até recentemente, porém, os carbonados eram reconhecidos não por sua beleza, mas pela dureza. Ao contrário dos cristais simples encontrados na forma dos diamantes tradicionais, os carbonados são compostos por uma cadeia de cristais entrelaçados, que os faz mais resistentes à quebra sob pressão e os torna valiosos abrasivos industriais. Os carbonados têm sido usados como brocas que podem perfurar rochas resistentes e em rebolos usados para afiar ferramentas. 

As muitas esquisitices do diamante levaram a uma série de teorias sobre sua origem. "Não há um único modelo que explique tudo", diz Wuyi Wang, vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento do Instituto Gemológico da América, que certificou o Enigma como um carbonado natural.

Como se formam os diamantes negros

A história desses minerais ultra-resistentes passa em dois pontos de cada lado do Oceano Atlântico. Os diamantes negros foram descobertos na década de 1840 por mineiros do leste do Brasil que começaram a se referir a eles como “carbonado” em homenagem à aparência de queimado ou carbonizado do mineral. Décadas depois, os carbonados também apareceram na República Centro-Africana — o único outro lugar onde já foram encontrados.

Os carbonados nesses dois locais “são tão semelhantes em detalhes minuciosos” que devem estar relacionados, diz Peter Heaney, mineralogista da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Os carbonados foram provavelmente formados ou depositados quando essas duas regiões eram apenas uma única faixa de terra há mais de um bilhão de anos e foram separados quando o último supercontinente da Terra, a Pangéia, começou a se dividir 180 milhões de anos atrás. 

Através dos milênios, o vento e a água apagaram a maioria das outras pistas sobre as origens dos diamantes negros, corroendo as rochas em que as pedras se formaram e espalhando grãos de diamante ao longo das margens dos rios antigos.

Cerca de 150 anos atrás, as origens do tipo de diamante mais comum de ser encontrado hoje foram encobertas por um problema semelhante, diz Pierre Cartigny, geoquímico especializado em diamantes no Instituto de Física do Globo de Paris. As respostas começaram a tomar forma na década de 1870, quando  diamantes foram encontrados embutidos em tubos verticais de rocha vulcânica na área de Kimberley, na África do Sul. Como os cientistas perceberam mais tarde, violentas erupções vulcânicas explodiram esses dutos para a superfície, arrastando as pedras, agora conhecidas como diamantes de kimberlito, do subsolo com uma onda de magma.

Para os carbonados, diz Cartigny, "basicamente voltamos 150 anos atrás". Sem uma rocha hospedeira, os cientistas só podem procurar pistas nas características estranhas dos próprios diamantes negros – mas cada um parece contar uma história diferente.

Fazendo jus ao nome, ninguém sabe exatamente de onde vem o enigma. O diamante foi estimado em mais de 800 quilates, o equivalente a 160 gramas, quando foi adquirido anonimamente na década de 1990, segundo o representante do vendedor. Mais tarde, foi cortado em sua forma distinta de 55 facetas – uma tarefa que levou três anos por causa da extraordinária dureza da pedra.

Diamantes negros vieram do espaço?

À medida que os diamantes se cristalizam nas áreas de imensa pressão das profundezas da Terra, às vezes eles encapsulam minerais do manto do planeta, como granada vermelha escura ou olivina verde. Mas esses minerais estão ausentes em carbonados. Em vez disso, os geólogos encontraram uma variedade exótica de metais, como osbornita, uma forma natural muito rara de nitreto de titânio, encontrada quase exclusivamente em meteoritos.

Talvez, os diamantes tenham se formado em estrelas ou planetas ricos em carbono, cujos pedaços foram trazidos para a Terra em meteoritos entre 4 e 3,8 bilhões de anos atrás, quando rochas espaciais atingiam regularmente nosso planeta.

Stephen Haggerty, geofísico especializado em diamantes da Universidade Internacional da Flórida, propôs essa origem extraterrestre pela primeira vez na conferência de 1996 da União Geofísica Americana – e ele ainda afirma veementemente que essa é a única explicação lógica para as muitas curiosidades do carbonado.

"Eu ficaria absolutamente encantado se alguém apresentasse uma alternativa cientificamente robusta", diz ele.

Outros cientistas não têm tanta certeza. Quando Heaney, da Universidade Estadual da Pensilvânia, começou a estudar carbonados na década de 1990, a proposta do meteorito parecia uma explicação lógica. Mas, quanto mais diamantes negros ele analisava, mais provável era que tenham se formado no manto da Terra.

Ele ressalta que os cientistas identificaram alguns dos mesmos metais exóticos em diamantes de kimberlito. O osbornita, embora raro, também foi encontrado encapsulado em minerais e rochas formadas no manto da Terra.

Mas a evidência que realmente mudou a mente de Heaney foi o tamanho gigante de muitos carbonados. Diamantes já foram encontrados em meteoritos — ou formados pelo calor e pressão intensa resultante da entrada e impacto das pedras espaciais — mas essas gemas extraterrestres são todas minúsculas.

"Não é nada como uma joia", diz Cartigny. "Você não poderia fazer nada com isso."

As condições precisas no manto que permitiriam a formação de carbonados permanecem incertas. Uma característica intrigante é que todos os carbonados estão cheios de buracos, como esponjas. A maioria dos diamantes terrestres se formam a pelo menos 160 km abaixo da superfície, em temperaturas escaldantes e pressões esmagadoras. Os poros não sobreviveriam a tais condições.

"Eles simplesmente entrariam em colapso em si mesmos", diz Haggarty, observando, em vez disso, que tais poros poderiam ter se formado a partir de carbono derretido desgaseificado presente na superfície de estrelas prestes a morrer.

Outras pesquisas sugerem que os poros podem ser o resultado de carbonados que se cristalizaram a partir de fluidos subterrâneos quentes, ou talvez as cavidades eram  preenchidas com minerais que há muito foram desgastados. Heaney sugere que os buracos podem ter contido minerais de fosfato enriquecidos em elementos radioativos, o que poderia ter danificado a estrutura de rede de cristal dos diamantes e escurecido sua cor à medida que foram se deteriorando. 

As redes interconectadas de poros, no entanto, dificultam o estudo de qualquer material remanescente, já que não é fácil dizer se as aberturas são originais ou de minerais que se formaram mais tarde na vida do diamante, diz Cartigny.

"O carbonado é realmente um problema difícil", diz Stachel, acrescentando que a chave pode estar na química dos próprios diamantes.

A química dos diamantes negros

Enquanto os diamantes são inteiramente compostos de carbono, o elemento pode assumir a forma de isótopos pesados ou leves. Fiel à sua natureza enigmática, a assinatura dos isótopos em carbonados difere do encontrado na maioria dos diamantes comuns: é muito mais leve do que as gemas que se formam no interior da Terra e mais semelhante ao carbono orgânico que compõe a vida.

Alguns cientistas sugerem que essa assinatura de carbono leve poderia significar que carbonados foram gerados a partir de material orgânico arrastado profundamente sob a superfície em zonas de subducção, um mecanismo anteriormente proposto para a formação de alguns diamantes comuns. Cerca de três bilhões de anos atrás, quando os carbonados estavam se formando, a vida estava começando a aparecer no planeta.

"Os carbonados são fósseis dos primeiros organismos a se formar na Terra?", se pergunta Heaney. "Ninguém sabe a resposta para isso."

Mas Cartigny e seus colegas descobriram uma pista que sugere outra fonte. Em 2010, os pesquisadores encontraram diamantes com uma química surpreendentemente semelhante aos carbonados na Guiana Francesa. Os diamantes foram incorporados em komatiita — um tipo de rocha vulcânica de lavas excessivamente quentes e líquidas que só fluíram no início da história da Terra. Embora a estrutura desses diamantes seja diferente da combinação de múltiplos cristais dos carbonados, Cartigny sugere que o calor escaldante das lavas komatiita poderia estimular os cristais a assumir formas semelhantes aos diamantes negros.

"Não podemos mais rejeitar  que o carbonado possa se formar a partir do manto da Terra", diz Cartigny.

Uma resposta definitiva, no entanto, só pode surgir ao encontrar mais desses diamantes negros. Talvez um deles contenha uma inclusão de material que aponte para uma fonte inequívoca, ou seja, incorporada em uma rocha hospedeira que revele suas verdadeiras origens.

Enquanto isso, o Enigma permanece como um brilhante e antigo lembrete das muitas maravilhas e mistérios que nosso universo ainda guarda.

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