Bactéria gigante: como é e por que pode ser vista a olho nu?
Para os cientistas, encontrar o enorme e bizarramente complexo micróbio é como "achar um ser humano tão alto quanto o Monte Everest".
Ilustração das bactérias gigantes Thiomargarita magnifica crescendo em folhas submersas em um mangue do Caribe.
Geralmente pensamos em bactérias como organismos tão pequenos que só podem ser vistos através de um microscópio. Mas os cientistas descobriram uma bactéria branca gigante em folhas podres nas águas salobras de um mangue vermelho em Guadalupe, nas Pequenas Antilhas.
É tão grande que pode ser vista facilmente a olho nu. Mas o tamanho não é a única característica surpreendente desse micróbio longo e filamentoso; ele tem uma estrutura mais complexa do que qualquer outra bactéria previamente descoberta e, ao contrário da maioria, armazena seu DNA em pequenos pacotes organizados.
Filamentos da Thiomargarita magnifica, a maior bactéria descoberta até hoje. É 50 vezes maior do que o recorde anterior de bactéria.
A Thiomargarita magnifica foi descoberta nos manguezais do Caribe francês.
Bactérias gigantes previamente descobertas, algumas das quais também podem formar filamentos de centímetros de comprimento, são compostas de centenas a milhares de células. Mas a bactéria recém-descoberta, que tem aproximadamente a forma e o tamanho de um cílio, é uma única célula bacteriana.
“Perceber que uma bactéria filamentosa desse tamanho é na verdade apenas uma única bactéria foi um momento incrível”, relata Jean-Marie Volland, biólogo marinho do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia, EUA, que liderou a pesquisa, em entrevista à National Geographic .
Os cientistas nomearam o micróbio Thiomargarita magnifica por seu tamanho e pelas pérolas de enxofre encontradas dentro da célula. T. magnifica não é apenas mais de mil vezes maior do que uma bactéria típica, mas também mais longa do que muitos animais multicelulares, como as moscas-das-frutas. Em uma entrevista coletiva na última terça-feira, Vollard disse que “descobrir essa bactéria é como encontrar um ser humano tão alto quanto o Monte Everest”.
“A descoberta dessa nova bactéria Thiomargarita nos faz apreciar a incrível diversidade do mundo microbiano e as intrincadas adaptações estruturais e genômicas das bactérias que permitem que elas cresçam em tamanhos de células que ninguém esperaria”, diz Andreas Teske, biólogo marinho na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. Teske co-descobriu o recordista de tamanho anterior, Thiomargarita namibiensis.
É uma prova impressionante que as bactérias são muito mais complexas, organizadas e versáteis do que esperamos, diz Chris Greening, microbiologista da Universidade Monash, na Austrália, que não esteve envolvido na descoberta. “As bactérias continuam desafiando as descrições dos livros sobre elas.”
A Thiomargarita magnifica ao lado de uma moeda de dez centavos dos EUA.
As bactérias não são simples
Em 1999, Teske e outros cientistas descobriram uma bactéria surpreendentemente grande que chamaram de Thiomargarita namibiensis , ou a “Pérola de Enxofre da Namíbia”. Até agora, essa bactéria – que cresce como um cordão de contas brancas, ocasionalmente atingindo o tamanho de três quartos de milímetro e é grande o suficiente para ser visível a olho nu – detinha o recorde de maior bactéria. Mas a bactéria caribenha é mais de 50 vezes maior.
Petra Anne Levin, microbiologista da Universidade de Washington, em St. Louis, que não esteve envolvida na descoberta, não está surpresa com seu tamanho. “A principal mensagem para levar para casa é que não devemos subestimar as bactérias como organismos simples, porque essa definição está desatualizada”, define. “As bactérias são infinitamente adaptáveis, e devemos esperar vê-las em uma ampla variedade de tamanhos”.
As bactérias pertencem ao ramo da vida chamado procariontes, que são os seres vivos mais básicos. Eles são frequentemente descritos, embora não com precisão, como um saco de enzimas cercado por uma única membrana. O que diferencia as células procarióticas bacterianas das células eucarióticas – que incluem células animais, vegetais e fúngicas – é que elas não têm um núcleo, que é um compartimento separado onde o DNA está alojado, explica Danny Ionescu, microbiologista aquático do Instituto Leibniz de Ecologia de Água Doce e Pesca Interior, na Alemanha. “Existem muitas outras diferenças fisiológicas funcionais, mas esta é a que os torna diferentes dos eucariontes, como nós.”
A bactéria recém-descoberta desafia essa definição porque empacota seu material genético em compartimentos cercados por membranas que lembram um núcleo primitivo.
A Thiomargarita magnifica foi detectada pela primeira vez por Olivier Gros, biólogo de manguezais da Universidade das Antilhas Francesas, em Guadalupe. “Passo muito tempo na água observando coisas diferentes nos sedimentos do mangue. Uma vez eu vi esses longos filamentos brancos, então eu os coletei por curiosidade”, explica.
Os cientistas do laboratório de Gros tentaram caracterizar esses filamentos, que originalmente pensavam ser um fungo ou algum outro organismo multicelular. Mas suas primeiras análises sugeriram que esses micróbios provavelmente pertenciam à família das bactérias gigantes Thiomargarita. “Mas não estávamos tão confiantes sobre isso”, diz Gros.
Volland, que fez pós-doutorado no laboratório de Gros, juntou-se a Shailesh Date, fundador e diretor executivo do Laboratório de Pesquisa em Sistemas Complexos em Menlo Park, para continuar a busca para caracterizar esse estranho espécime. O laboratório de Date é uma corporação sem fins lucrativos que faz parceria com instituições acadêmicas para pesquisa transdisciplinar.
“Ficou muito claro para todos que o que tínhamos era uma grande bactéria, e era uma única célula”, lembra Date. Mas o desafio era descobrir o que mais havia de especial no micróbio. Usando uma variedade de técnicas de biologia molecular, Volland, Date e colegas criaram fotografias tridimensionais de alta ampliação desses longos espécimes. Isso permitiu que eles vissem cada uma dessas células super grandes que compunham um filamento.
Vistas subaquáticas e de superfície dos locais de amostragem entre os manguezais do arquipélago de Guadalupe, no Caribe francês, abril-maio de 2022.
Fotos aéreas mostrando os manguezais do arquipélago de Guadalupe, no Caribe francês, em abril-maio de 2022.
Limites de tamanho
Há muito se pensa que as células bacterianas não podem se tornar muito grandes por razões que se resumem à física básica . Por exemplo, quanto maior uma célula se torna, maior a área de superfície necessária para absorver os nutrientes e a energia necessários para sustentar um organismo tão grande.
“Esta bactéria quebra essas regras por ter uma organização sofisticada semelhante às células animais e vegetais mais avançadas”, explica Greening.
A equipe de Vollard mostra que a estrutura da bactéria é subdividida em inúmeros compartimentos que desempenham diferentes funções e aumentam drasticamente as superfícies disponíveis. Essa complexidade pode ajudar o organismo a superar os limites previstos para o tamanho das células bacterianas.
“Nós, cientistas, tentamos definir limites e dizer ‘ok, as bactérias não podem atingir este ou aquele tamanho, devido a certos limites teóricos’”, esclarece Ionescu. “E, aparentemente, as bactérias não lêem nossos livros."
A nova bactéria armazena seu DNA em compartimentos ligados à membrana que os cientistas chamaram de grão, porque se parecem com pequenas sementes de frutas como a melancia.
A estrutura desses grãos obscurece ainda mais as distinções entre células bacterianas e eucarióticas porque separar o material genético de todo o resto nas células permite um controle mais sofisticado e maior complexidade, explica Greening.
Thiomargarita magnifica também é única porque, embora todas as bactérias gigantes carreguem várias cópias de seus genomas, ela carrega mais de 700 mil cópias de seu projeto genético em uma única célula.
Essa bactéria nos ajudará a descobrir por que os genomas eucarióticos, como os de células animais e vegetais, estão ficando cada vez maiores, escreveram Yoichi Kamagata e Hideyuki Tamaki do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Industrial Avançada do Japão em um e-mail.
Enquanto Vollard e seus colegas examinam os espécimes coletados nos manguezais, o próximo objetivo é cultivar a bactéria no laboratório. Isso permitirá que os cientistas entendam como ela se reproduz e como mantém seu grande estoque de material genético.
“As descobertas aguardam quando as pessoas olham mais de perto e as percebem”, diz Teske. “T. magnifica está escondida à vista de todos, em um habitat costeiro muito comum, esperando que um microbiologista pare e se pergunte: Ei, isso poderia ser um novo tipo de Thiomargarita?”
As bactérias não têm uma organização tão complexa com tantos compartimentos quanto os eucariotos, explica Vollard. “Elas não formam tecidos que são organizados em órgãos para formar organismos complexos.”
Mas ele ressalta: “Elas são muito mais complexas em termos de bioquímica. Eles podem fixar carbono, usar açúcares, crescer em todos os tipos de substratos, se comunicar e fazer sinalização. Todos os tipos de mecanismos complexos também são capazes de comportamento social e alguns deles têm ciclos de vida complexos. Portanto, não é verdade que as bactérias sejam simples e os eucariontes sejam complexos”.