Crianças negras enfrentam temporada traumática selada pela morte de Chadwick Boseman

“Primeiro foi George Floyd, depois Jacob Blake, e eles tendo que voltar às aulas em meio a esse alvoroço. E, então, perdem o Pantera Negra? Caramba.”

Por Alison Bethel McKenzie
Publicado 14 de set. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Antes de sua morte, em agosto, Chadwick Boseman interpretou diversos personagens negros icônicos, incluindo Jackie Robinson, ...

Antes de sua morte, em agosto, Chadwick Boseman interpretou diversos personagens negros icônicos, incluindo Jackie Robinson, Thurgood Marshall e, mais recentemente, o Pantera Negra. Nesta imagem, ele está na estreia europeia de Pantera Negra, em 2018.

Foto de Gareth Cattermole, Getty Images/Disney

MEU SOBRINHO DE 10 ANOS, William Ryan Cook, estava esperando havia semanas pelo dia 28 de agosto. Seria o dia em que seu esporte favorito, a Liga Principal de Beisebol, celebraria um de seus maiores ídolos: Jackie Robinson.

Mas, naquela manhã, a mãe de William, Patricia, o acordou para conversar sobre outra coisa.

“Posso te dizer algo triste?”, perguntou ao filho na casa em Fort Lauderdale. “Sim,” ele respondeu. Foi então que ela contou que um outro ídolo, Chadwick Boseman, ator que interpretou Jackie Robinson no filme 42 - A História de uma Lenda e o icônico personagem da Marvel, Pantera negra, havia morrido.

“Fiquei muito triste. Levei um minuto para processar a notícia”, contou William, que estava cheio de dúvidas. A mais importante era: o que aconteceria com o Pantera Negra 2?

A morte de Boseman aos 43 anos, após uma longa batalha contra o câncer de cólon, é o mais recente golpe que atinge famílias — e crianças — negras em um ano dominado por notícias traumáticas: aumento do número de mortes por covid-19 em comunidades de pessoas negras, confrontos fatais entre negros e policiais, a morte repentina da estrela do basquete Kobe Bryant, reformulações nas escolas devido à pandemia.

“Há muita coisa acontecendo — primeiro foi George Floyd, depois Jacob Blake e eles tendo que voltar às aulas em meio a esse alvoroço,” comentou Patricia Cook. “As crianças negras estão pegando [covid-19] agora, e então perdem o Pantera Negra? Caramba.”

Lançado em janeiro de 2018, Pantera negra foi o primeiro filme de super-herói negro e representou a comunidade negra de uma forma raramente vista nos cinemas. Wakanda, o país fictício governado pelo Pantera Negra, é um símbolo do orgulho africano, lar de tecnologias inéditas em todo o mundo.

Os afro-americanos assistiram em massa ao filme, frequentemente vestidos com trajes de diversas nações africanas. Tornou-se o terceiro filme de maior bilheteria nos Estados Unidos e a décima maior bilheteria do mundo.

“É [um filme] sobre diversas pessoas negras e seus direitos”, contou Olivia James, de 7 anos, de Alexandria, no estado da Virgínia. “Fico feliz em ver um filme inteiro retratando pessoas negras.”

“Quando eu e minha família fomos assistir ao filme,” acrescentou, “estávamos todos vestidos para a ocasião. Quando descobri que ele morreu, fiquei com o coração partido. Ele é um excelente ator, estudou na Universidade Howard e tudo isso significa muito para mim.”

A psicóloga Roselyn Aker-Black conta que o Pantera Negra era “um símbolo de excelência no qual todas as crianças podiam se inspirar, mas especialmente as crianças negras. A representação dele como um rei nos mostrou que nós, o povo, somos régios, inteligentes e simplesmente a excelência negra.”

Crianças negras vivenciam traumas em diversos níveis, explica Merland Baker, psicólogo especializado em saúde mental que atua nos estados da Geórgia e Flórida. “Ver a morte de homens negros ser noticiada na TV produz traumas complexos. Há uma relação interpessoal, porém indireta, que entra em sua psique.”

Josiah Peck, 12 anos, disse que, para as crianças, a enxurrada de notícias traumáticas é “um peso enorme que nos esmaga.”

O mais velho de cinco meninos, Josiah é viciado em notícias e “Obama” foi a primeira palavra que aprendeu a falar. Ele foi o primeiro a contar à mãe, Sajanee Mack, sobre a morte de Boseman.

“Ele estava tipo, 'Saiu na CNN,'” disse Sajanee, que vive com seus filhos em Gaithersburg, Maryland. “Falei: 'Não é possível que seja verdade'. Mas era. É muito avassalador. Tentamos nos agarrar a algo, ter uma atitude positiva e seguir em frente, mas pensar sobre o que vai acontecer a seguir pode gerar depressão ou ansiedade.

“Você descobre que um homem foi baleado, depois outro e mais um”, acrescentou. “Acontece o tempo todo.”

Brittany Beattie, fundadora da clínica de saúde mental Spring Forward Mental Health Counseling em Jacksonville, na Flórida, aconselha os pais a lembrarem a seus filhos que o Pantera Negra ainda existe e a não projetarem neles suas próprias dores.

“Pantera Negra e Wakanda podem ser tudo o que você imaginou. O fato de Chadwick não estar mais conosco não significa que Pantera Negra não exista mais,” afirma ela. “Como adultos, ainda estamos digerindo a notícia. Temos que dizer a nós mesmos: 'preciso me certificar de que não estou preso a sentimentos que meu filho já resolveu por conta própria.'”

Karen James, a mãe de Olivia, espera que as crianças negras aprendam lições de vida valiosas nesses tempos difíceis. “É uma daquelas coisas que são reais e verdadeiras”, declara ela. “Torna-se um momento de aprendizagem que leva a mais conscientização depois.

“Há muita coisa acontecendo com a covid, os protestos e a escola. Essas crianças são as verdadeiras protagonistas. Elas nunca conseguiram se despedir dos professores. Simplesmente foram embora e nunca mais voltaram.” Antes da covid, conta James, os jovens negros “tinham um tipo diferente de Estados Unidos, eram orgulhosos e felizes, mas tudo mudou. Eles estão aprendendo lições mais rapidamente do que nós.”

A Marvel e a National Geographic são ambas de propriedade da The Walt Disney Company.

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