Dezenas de vulcões de gelo descobertos em planeta anão vizinho
Novas observações sugerem que um planeta solitário no cinturão de asteroides tem expelido lava congelada pelos últimos bilhões de anos.
No planeta anão Ceres - o maior corpo no cinturão de asteroides -, a atividade vulcânica gelada pode ser uma ocorrência regular em vez de uma anomalia intrigante. Novas observações, relatadas na Nature Astronomy, sugerem que o pequeno mundo tem estado continuamente em erupção ao longo dos últimos bilhões de anos, embora seu vulcanismo tenha liberado substancialmente menos material que os vulcões da Terra, Marte ou Vênus.
Embora as evidências deste vulcanismo generalizado sejam fortes, os cientistas ainda estão perplexos com o que está alimentando essas erupções.
"Nós realmente não sabemos", diz Ottaviano Ruesch, da Agência Espacial Europeia, que não esteve envolvido no estudo. "Uma nova missão espacial para este planeta anão provavelmente nos diria isso."
Com um diâmetro de cerca de 965 km, Ceres é o único planeta anão no cinturão de asteroides, a faixa de rochas espaciais espalhadas entre as órbitas de Marte e Júpiter. A sonda Dawn da NASA orbita o mundo congelado e redondo desde março de 2015, e vem observando atentamente sua superfície congelada e pontos surpreendentemente brilhantes.
Mas vários meses após entrar em órbita, Dawn viu algo realmente estranho: um corpo alto e em forma de pirâmide que se estendia a quase 4 mil km acima da superfície da cratera. Todos acreditavam se tratar de um vulcão jovem. Mas como poderia haver um vulcão em Ceres, um mundo que deveria estar geologicamente morto?
E talvez a parte mais confusa, por que havia apenas um jovem vulcão? Depois de orbitar o sol por 4,5 bilhões de anos, por que Ceres de repente se tornou vulcanicamente ativo?
Lava congelada
Os cientistas nomearam o corpo de Ahuna Mons, e em 2016, eles anunciaram que se tratava, de fato, de um vulcão. Mas em vez de expelir fogo e enxofre, é provável que exista lava congelada feita de gelo, sais e outros materiais. Isso ocorre porque as temperaturas dentro de Ceres são muito frias para derreter a rocha, diz Ruesch, um autor no jornal que identificou Ahuna Mons como um vulcão criogênico.
"A temperatura, no entanto, era alta o suficiente para derreter o gelo", diz ele.
Uma erupção vulcânica de gelo pode parecer um conceito estranho, mas Ahuna Mons está longe de ser o único crio-vulcão no sistema solar. O crio-vulcanismo foi visto nas luas Enceladus, Europa e Triton e, possivelmente, em vários outros mundos no sistema solar exterior. Os cientistas acreditam que essas erupções são alimentadas pelo calor interno dos corpos, o que, no caso de algumas luas, é gerado por interações gravitacionais com seus planetas domésticos.
E em alguns desses mundos - notadamente Enceladus e Europa - os gêiseres e plumas que resultam do crio-vulcanismo fornecem alguns dos melhores lugares para se procurar vida fora da Terra, pois trazem materiais de reservatórios enterrados, potencialmente benéficos à vida, à superfície.
No entanto, os cientistas não sabiam sobre esse tipo de atividade crio-vulcânica até que a espaçonave Voyager passou por Triton em 1989, tirando fotos que mostravam a possível existência de gêiseres gelados na superfície da lua.
"Realmente aprendemos muito e entendemos que o crio-vulcanismo é provavelmente muito mais comum do que imaginávamos", diz Rosaly Lopes, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, que não participou do estudo. "Mas é muito intrigante, porque os mecanismos não são bem compreendidos".
Montanha solitária
O mesmo vale para Ceres, onde nenhum mecanismo óbvio foi descoberto. O mais enigmático, pelo menos no começo, era a solidão de Ahuna Mons. Ele foi o único pico observado em muitos voos ao redor do planeta anão. O fato mais intrigante é que ele parece ter cerca de 200 milhões de anos, sendo incrivelmente jovem, geologicamente falando.
Dado que a atividade vulcânica em outros corpos no sistema solar interno geralmente diminui com o tempo à medida que seus interiores esfriam, como é o caso de Vênus, Marte e a Lua da Terra, não faz sentido que Ceres, com seus 4,5 bilhões de anos, tenha se tornado crio-vulcânica em um piscar de olhos geológico, diz o autor do estudo, Michael Sori, da Universidade do Arizona.
“É muito difícil encontrar uma razão pela qual Ceres, ou qualquer outro corpo, estaria vulcanicamente morto nos primeiros 99% de sua vida e, em seguida, de repente, ligar ontem, relativamente falando”, diz Sori. “Deve haver algum processo que elimine vulcões mais antigos - Ceres pode ter sido geologicamente ativo durante toda a sua vida, mas alguma coisa se livra das montanhas antigas.”
Com essa hipótese em mente, Sori e seus colegas procuraram características na superfície Cerereana que poderiam ser vulcões mais antigos e deformados. As simulações sugeriam que essas características suaves e geladas pareceriam cúpulas que ruíram ou montanhas que desmoronaram com o tempo.
Erupções antigas
A equipe encontrou mais de três dúzias de possíveis domos crio-vulcânicos. Depois de eliminar os suspeitos de gelo que não se apresentaram como candidatos particularmente fortes, os cientistas se fixaram em 22 cúpulas que sugeriam atividade crio-vulcânica. Uma delas é Ahuna Mons. Os demais têm entre 16 e 80 km de largura, com alguns chegando a mais de 4 km acima da superfície. A equipe determinou que eles teriam menos de um bilhão de anos, mas essa estimativa é complicada por conta dos tamanhos relativamente pequenos das cúpulas.
“Tentamos ser conservadores em nossas escolhas, e isso provavelmente significa que estamos vendo, preferencialmente, os mais jovens, porque os mais velhos são menos conservados e mais difíceis de medir”, diz Sori.
As observações indicam que, nos últimos bilhões de anos, Ceres pode ter criado um novo crio-vulcão a cada 50 milhões de anos, em média.
É uma descoberta que intriga e encanta Lopes: “Sempre nos confundimos um pouco com o motivo de Ahuna Mons ter sido o único construto crio-vulcânico em Ceres”, diz ela. "Este trabalho baseia-se na ideia de que estas cúpulas desmoronam após longos períodos de tempo, tornando-as menos óbvias".
Os resultados sugerem que, embora Ceres tenha visto atividades crio-vulcânicas continuamente pelo menos nos últimos bilhões de anos, a quantidade de atividade eruptiva é apenas uma fração do que vemos na Terra, e muito menos do que suspeitamos ter ocorrido em Marte e Vênus.
Intuitivamente, isso faz sentido. As entranhas de Ceres não são tão quentes quanto as dos planetas interiores, e ele está por si só no cinturão de asteroides. Assim, o mecanismo, ou a fonte de energia por trás das erupções no frio e solitário Ceres, ainda é um grande ponto de interrogação que Sori e seus colegas pretendem resolver.
“Para mim”, ele diz, “essa é a próxima grande coisa a descobrir, e eu ainda não tenho uma resposta perfeita”.