Cometa interestelar começa a ficar mais nítido

Os primeiros olhares sobre o objeto recém-encontrado estão oferecendo aos astrônomos vislumbres animadores de materiais raros de outro sistema estelar.

Por Michael Greshko
Publicado 7 de out. de 2019, 17:22 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O Observatório Gemini, no Havaí, captou recentemente uma imagem composta de duas cores do 2I/Borisov, o ...
O Observatório Gemini, no Havaí, captou recentemente uma imagem composta de duas cores do 2I/Borisov, o segundo objeto interestelar já detectado a atravessar nosso sistema solar. Os tracejados azuis e vermelhos são imagens de estrelas ao fundo, que parecem riscos devido ao movimento do cometa.
Composite Image by Gemini Observatory, Nsf, Aura

Antes do amanhecer de 30 de agosto, um astrônomo amador chamado Gennady Borisov avistou um visitante alienígena: um cometa originado além dos confins de nosso sistema solar. Esse objeto, agora chamado de 2I/Borisov, é apenas o segundo objeto interestelar confirmado já detectado dentro de nossa vizinhança cósmica.

Agora, com grandes telescópios em todo o mundo voltados para Borisov, os astrônomos estão começando a reunir indícios intrigantes sobre a composição do cometa e seu percurso pelos céus. Cada novo dado revela um pouco mais sobre a composição química do sistema estelar de origem de Borisov e, com isso, a singularidade de nosso próprio sistema solar no cosmos.

O primeiro intruso interestelar conhecido, um cometa chamado ‘Oumuamua descoberto em 2017, passou despercebido até que estivesse perto de deixar o sistema solar. Estudá-lo pôs as capacidades dos astrônomos a teste em uma corrida para decifrar algumas das características mais enigmáticas do cometa, como seu formato curiosamente alongado. Entretanto, no rastro do ‘Oumuamua, restaram mais perguntas do que respostas no final.

Borisov, por outro lado, acabou de chegar e as imagens só tendem a melhorar até o fim do ano: “Seremos capazes de fazer muito mais em termos de estudos de composição”, afirma Michele Bannister, astrônoma da Queen’s University Belfast.

Ainda assim, o tempo é curto e os astrônomos correm para apresentar propostas para alguns dos maiores telescópios do mundo para garantir que possam obter o máximo de detalhes possível.

“Nossa, como foi frustrante — não estávamos prontos, não tínhamos feito a lição de casa”, afirma Karen Meech, astrônoma do Instituto de Astronomia da Universidade do Havaí. “Acho que é um jeito de a natureza dizer: é melhor se prepararem!”

É por isso que os astrônomos não conseguem resistir a analisar já os primeiros dados e dar uma boa primeira olhada em um fragmento de outro sistema estelar.

“Basicamente, passei toda a minha carreira esperando por isso e é empolgante ver tudo acontecer finalmente”, afirma Luke Dones, astrodinamicista do Instituto de Pesquisa do Sudoeste, que estuda cometas.

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Cuspindo cianeto

Talvez o mais extraordinário seja o quanto Borisov parece comum. Resultados iniciais obtidos por astrônomos da EspanhaPolônia e Países Baixos mostram que, visualmente, o objeto se assemelha bastante aos cometas do nosso sistema solar, com uma superfície avermelhada composta de material rico em carbono.

A composição de Borisov também lembra a dos nossos cometas. Em um estudo enviado ao periódico Astrophysical Journal Letters em 27 de setembro, um grupo formado por Meech e Alan Fitzsimmons, astrônomo da Queen’s University Belfast¸ informou que Borisov está lançando cerca de 170 gramas de cianeto por segundo conforme a luz solar aquece a superfície gelada do cometa.

O cianeto não surpreende: é uma das primeiras substâncias que os astrônomos normalmente detectam em cometas com origem mais próxima. E as características gasosas de Borisov não são incomuns. Possui menos da metade da efusão presente no cometa Siding Spring durante seu voo pelo interior do sistema solar em 2014.

Os pesquisadores também conseguiram estimar a dimensão do centro ou núcleo do cometa, envolto em um halo de gás e poeira. No momento, tudo indica que a largura do núcleo seja menor que oito quilômetros e muito provavelmente esteja entre 0,8 e 3,22 quilômetros aproximadamente.

“Parece irônico que o ‘Oumuamua tenha sido tão peculiar e que este objeto tenha um aspecto tão semelhante a um cometa qualquer do sistema solar”, afirma Dones.

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    Trajetória errática

    Além disso, uma equipe de astrônomos poloneses fez uma primeira tentativa de determinar o caminho de Borisov pelo espaço interestelar. Como descrito em um estudo enviado à plataforma arXiv que reúne pesquisas antes de serem publicadas, a equipe sugere que Borisov passou a 5,4 anos-luz de um sistema estelar chamado Kruger 60 há cerca de um milhão de anos.

    Eles calculam que, na época, Borisov se movimentava a uma velocidade relativamente comum de cerca de 12,4 mil quilômetros por hora e, embora os pesquisadores destaquem que a análise pode mudar com a chegada de mais dados, eles afirmam que isso significaria que o Kruger 60 poderia ser um sistema de origem plausível para Borisov.

    A equipe polonesa já é bastante respeitada por realizar esse tipo de estudo, tendo publicado análises semelhantes para cometas formados nos confins do sistema solar. Contudo, no momento, qualquer tentativa de recriar o caminho de Borisov enfrentará intenso ceticismo.

    “Acho que ainda é muito cedo”, afirma Meech. Antes de tudo, embora a trajetória de Borisov seja bastante conhecida a ponto de confirmarmos que ele seja interestelar, ainda resta alguma incerteza sobre seu percurso exato pelo espaço, o que se deve, em parte, ao fato de que observamos o objeto por apenas um breve período. Outro motivo é que Borisov está envolto em poeira e gás, o que dificulta a determinação de seu centro.

    Borisov ainda está estagnado em uma posição baixa no céu noturno, próximo ao horizonte, o que faz com que a luz do cometa atravesse mais ar antes de alcançar nossos telescópios, expondo a camada atmosférica a ainda mais erros eventuais.

    “O que meus colegas estão obtendo (...) são grandes quantidades de dados com péssima precisão”, afirma Meech. “Não por desleixo, mas porque é muito difícil medir o centro exato de um objeto nebuloso.”

    Conforme a luz solar aquece Borisov, a poeira e o gás que se soltam de sua superfície ainda podem agir como um sistema de escape de um foguete e desviar discretamente a trajetória do cometa. Astrônomos ainda não têm uma boa compreensão dessas forças não gravitacionais, então não podem considerá-las em seus cálculos.

    Além disso, recriar a rota anterior de Borisov exige voltar no tempo e determinar a localização anterior das estrelas na Via Láctea. Mas, no momento, o melhor conjunto de dados do mundo para mapeamento da Via Láctea — cortesia do satélite Gaia da Agência Espacial Europeia — fornece dados sobre movimentos tridimensionais de apenas uma pequena fração de todas as estrelas da galáxia.

    “É necessário fazer um filme tridimensional da galáxia e reproduzi-lo de trás para frente, com perturbações gravitacionais e, mesmo assim, não se identifica a estrela de origem — o que se identifica é apenas a última escala feita”, afirma Bannister.

    No momento, esses erros estão impedindo projeções em prazos bem menores. Marc Buie, astrônomo do Instituto de Pesquisa do Sudoeste, adoraria observar Borisov passar diretamente na frente de várias estrelas, o que permitiria distinguir o tamanho e o formato do cometa com maior exatidão. Contudo, para poder planejar essas observações, Buie afirma que a órbita de Borisov precisaria ser conhecida com uma precisão milhares de vezes maior do que a atual.

    “Se a localização não é conhecida e não sabemos para onde se deslocará no período de um ano em nosso sistema solar, como é possível esperar descobrir exatamente de qual estrela ele veio um milhão de anos atrás?”, indaga ele. “Estou muito, muito cético em relação à nossa capacidade de descobrir sua procedência neste momento.”

    O melhor está por vir

    Ainda assim, as tentativas de estudar Borisov estão apenas no início. O cometa permanecerá visível no próximo ano ou um pouco mais, e as melhores oportunidades para vê-lo ainda estão por vir. O cometa fará sua maior aproximação do Sol por volta de 8 de dezembro e propostas não param de chegar para observar o espetáculo utilizando os maiores telescópios do mundo, como o Telescópio Espacial Hubble, o Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul e o conjunto de telescópios ALMA.

    Por motivos práticos, a humanidade não enviará uma missão de sobrevoo de última hora para visitar o cometa descontrolado. Contudo os pesquisadores da Iniciativa para Estudos Interestelares, organização sem fins lucrativos do Reino Unido, de fato calcularam que, para que uma nave espacial alcançasse Borisov, o emissário robótico precisaria ser lançado em 2030 do topo do Sistema de Lançamento Espacial da NASA, que ainda não está em operação e que será um dos foguetes mais potentes do planeta quando concluído.

    A boa notícia é que, na próxima vez que objetos como Borisov e ‘Oumuamua passarem por nossa vizinhança, estaremos prontos. Os astrônomos esperam que o Grande Telescópio de Levantamento Sinóptico (LSST, na sigla em inglês), uma nova e gigantesca instalação em construção no Chile, detecte muito mais objetos interestelares.

    “Estimava-se, antes de Borisov, que o LSST, quando pronto e em funcionamento, encontraria um objeto interestelar por ano”, conta Buie. “Mas se isso realmente significar que o fenômeno seja muito mais prevalente e muito mais variado em termos de aparência e atributos, é possível que tenhamos chegado a um momento bastante empolgante.”

    Buie acrescenta que o LSST é capaz de detectar muito antes os objetos interestelares que se aproximam, nos permitindo mais tempo para observá-los — e talvez até visitá-los. Conceitos de interceptadores já estão em desenvolvimento. Em junho, a Agência Espacial Europeia anunciou sua missão Comet Interceptor (Interceptador de Cometa, em tradução livre), com lançamento previsto para 2028 e que estacionará em um ponto gravitacional neutro fora da Terra. Em seguida, ficará de prontidão, disponível para sobrevoar um novo cometa local que venha a passar — ou talvez até um corpo interestelar já conhecido.

    “Acho incrível ter uma nave espacial preparada para ir até um desses objetos”, afirma Dones. “Eles são completamente inexplorados.”

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