Misterioso aumento de oxigênio em Marte intriga cientistas

A descoberta mostra alguns dos enigmas químicos que precisamos desvendar para que futuras missões em Marte possam procurar vida apropriadamente.

Por Michael Greshko
Publicado 24 de nov. de 2019, 09:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O rover Curiosity da Nasa, em Marte, faz uma parada em uma região inferior do Monte ...
O rover Curiosity da Nasa, em Marte, faz uma parada em uma região inferior do Monte Sharp para tirar um autorretrato em 2015. O veículo espacial explora essa região do planeta vermelho desde 2012, coletando dados como leituras atmosféricas.
Foto de NASA, JPL Cal-tech, Msss

APÓS MAIS DE seis anos examinando o ar gélido e rarefeito do planeta vermelho, um veículo espacial (rover) da Nasa fez uma descoberta surpreendente: há mais gás oxigênio na atmosfera marciana do que supunham os cientistas, e o que existe lá apresenta um comportamento incomum.

Na primavera e no verão de Marte, os níveis de oxigênio do planeta vermelho disparam mais de 400 partes por milhão, ou 30% acima do esperado pelos pesquisadores com base no comportamento dos demais gases na atmosfera do planeta. Ao que parece, o pico de oxigênio está correlacionado, em parte, a outro mistério gasoso: um declínio e aumento sazonais no metano atmosférico em Marte.

“Marte nos enganou de novo!”, afirma Sushil Atreya, cientista planetário da Universidade de Michigan que faz parte da equipe que informou os resultados incomuns do oxigênio no periódico Journal of Geophysical Research: Planets.

O rover Curiosity tirou fotos dessas nuvens em deslocamento com suas câmeras de navegação em 17 de maio de 2019. As formações são provavelmente nuvens de gelo de água a cerca de 30 quilômetros acima da superfície do planeta.
Foto de Gif Courtesy NASA, JPL-Caltech

Apesar de ser tentador considerar a fotossíntese como um fator de influência no oxigênio da atmosfera de um planeta, sabe-se que processos não biológicos são capazes de produzir oxigênio em Marte, e essas descobertas não são necessariamente evidências de vida. Pelo contrário, os resultados destacam lacunas em nossa compreensão sobre a composição química da superfície do planeta vermelho — questões que precisam ser decifradas para buscar evidências diretas de marcianos no passado ou no presente.

No próximo verão, quatro países lançarão missões a Marte para alcançar esse objetivo, incluindo o rover Mars 2020 da Nasa, que armazenará amostras para um futuro retorno à Terra. A União Europeia e a Rússia também cooperam na missão ExoMars, que inclui o rover Rosalind Franklin. Esse explorador robótico perfurará mais de um metro e oitenta de profundidade na superfície marciana, explorando melhor do que nunca os elementos químicos no interior do planeta vermelho.

“Em qualquer sistema planetário novo, a vida tem que ser a última explicação”, afirma Melissa Trainer, principal autora do estudo e cientista planetária do Centro de Voos Espaciais Goddard da Nasa. “Precisamos ter certeza de que entendemos completamente o funcionamento de Marte como um sistema”.

Gases com comportamento imprevisível

Muito do que sabemos atualmente sobre a atmosfera de Marte provém de medições feitas por telescópios terrestres ou veículos orbitais de Marte, que podem procurar sinais químicos que revelem a composição global, como os teores de oxigênio. Os cientistas já sabiam que esse oxigênio pode ser produzido por meios não biológicos.

À medida que a luz ultravioleta do sol se transforma em dióxido de carbono e vapor d'água na atmosfera de Marte, ela decompõe essas moléculas em elementos menores, criando oxigênio molecular ou O2. Em algum momento, esse O2 passa por outra série de reações químicas formando CO2, o que completa o ciclo. Nesse período, uma molécula individual de O2 pode permanecer na atmosfera de Marte por no mínimo 10 anos, ou até várias décadas. Esse O2 formado pela luz solar compõe cerca de 0,13% da atmosfera atual do planeta vermelho.

Por causa de sua estabilidade em longo prazo, os pesquisadores acreditavam que o oxigênio marciano se comportaria basicamente como um gás não reativo, com altas e baixas como os gases inertes argônio e nitrogênio. Mas, devido ao obscurecimento causado pela poeira e por outros fatores, os telescópios não conseguem obter dados confiáveis sobre o ar logo acima da superfície marciana. É aí que entra em cena o rover Curiosity de Marte. Ele opera na superfície de Marte desde 2012 e seu conjunto de dados sobre o ar local é o mais completo já reunido.

“É um conjunto de medições realmente sem precedentes”, afirma Trainer.

As medições do Curiosity revelaram que o oxigênio de Marte não é tão previsível, no fim das contas. Não só aumentam os teores de O2 a cada ano marciano, mas os aumentos variam de um ano para outro.

“Quando notamos pela primeira vez, achei muito peculiar”, afirma Atreya.

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    Além disso, o pico de oxigênio parece extraordinariamente semelhante a um pico sazonal de metano, um gás-traço presente na atmosfera marciana que, na Terra, é geralmente associado à vida. As concentrações de ambos os gases diminuem no outono e no inverno e depois aumentam na primavera e no verão — porém com algumas diferenças importantes. O oxigênio começa a subir anteriormente ao metano ao longo do ano marciano e, diferentemente dos picos irregulares do oxigênio, os picos de metano em Marte são os mesmos ano a ano.

    “É um aspecto totalmente novo do mistério — é extremamente intrigante e estamos muito interessados em descobrir se há uma correlação de fato entre os dois”, afirma Trainer. “Ambos poderiam ter origem na superfície, mas não se sabe ao certo se teriam a mesma origem.

    Velozes e curiosos

    Por ora, não há responsáveis óbvios pela elevação no teor de oxigênio. O processo habitual provocado pela luz solar que produz o O2 marciano não ocorre rápido o suficiente para explicar um aumento tão repentino. Assim, Trainer e seus colegas concentraram sua análise na superfície do planeta vermelho, onde há muitas substâncias químicas que contêm oxigênio.

    Suspeita-se dos percloratos, que são sais estáveis e tóxicos encontrados no solo marciano. Em tese, a radiação cósmica que atinge o planeta vermelho poderia decompor os percloratos em elementos mais reativos que, por sua vez, liberam O2. Mas os pesquisadores afirmam que esse processo ocorre a um milionésimo da velocidade necessária para explicar a elevação anual.

    Outra possibilidade é o peróxido de hidrogênio, primo instável da água. Utilizado na Terra como antisséptico, o gás do peróxido de hidrogênio também é produzido continuamente à medida que a luz solar degrada o dióxido de carbono e o vapor d'água, formando uma pequena parte da atmosfera marciana. Modelos químicos sugerem que esse peróxido de hidrogênio poderia se espalhar no solo marciano e aderir a partículas a profundidades de até três metros, formando uma espécie de reservatório de oxigênio subterrâneo.

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    Mas mesmo na melhor das hipóteses, pressupondo que o peróxido de hidrogênio pudesse permanecer no solo por 10 milhões de anos continuamente, a equipe do Trainer afirma que esse processo responderia apenas por um décimo das moléculas de oxigênio necessárias para explicar o aumento.

    A equipe também reexaminou os resultados dos módulos de pouso Viking da década de 1970, que revelaram que umedecer o solo marciano o fazia liberar uma quantidade surpreendente de gás oxigênio. Mas Trainer e seus colegas não acreditam que essa descoberta esteja diretamente ligada às observações deles. Um dos motivos é que o experimento Viking foi realizado a 10oC, que é muito mais quente que a temperatura média na superfície de Marte. E o fato de o solo marciano ser capaz de emitir oxigênio de uma só vez não explica como surge o pico de oxigênio ano após ano, sem um método nítido de reposição.

    “O Viking não nos apresenta um responsável — acredito que seja um fenômeno independente”, afirma Timothy McConnochie, coautor do estudo e pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Maryland.

    Terra exótica

    Trainer e seus colegas ainda estão discutindo possíveis respostas. Atreya, por exemplo, está ansioso para analisar mais profundamente como partículas de alta energia que atravessam a galáxia poderiam desencadear reações químicas a uma profundidade de até um metro em solo marciano. Bethany Ehlmann, cientista planetária da Caltech que não participou do estudo, ressalta que os solos de Marte são mais reativos do que a argila de nosso planeta.

    “Ainda não entendemos completamente a composição do solo marciano; é bastante evidente que é muito exótico em relação à Terra, em termos de riqueza de minerais com a presença de ferro e enxofre”, afirma ela. “Parece ter propriedades interessantes.”

    Missões futuras podem ajudar, sobretudo se puderem realizar mais medições atmosféricas. Devido às inúmeras demandas científicas do Curiosity, a equipe de Trainer obteve apenas 19 conjuntos de dados nas estações marcianas. Embora esses dados lhes permitam ter uma noção do padrão em longo prazo, não é possível observar mudanças em curto prazo. O que os pesquisadores descobririam se pudessem fazer leituras diárias, ou mesmo de hora em hora, do oxigênio e do metano de Marte?

    “Contribuiria muito — seria incrível”, afirma Germán Martínez, coautor do estudo e cientista da equipe do Instituto Lunar e Planetário.

    A cada novo estudo, os cientistas terão uma noção melhor de quais e de quantas reações não biológicas contribuem para o fornecimento de ar de Marte — permitindo que eles e nós tracemos um limite entre geologia e biologia.

    “Na Terra, todos esses processos são muito afetados pelos efeitos da nossa biosfera”, afirma Trainer. “Passando para Marte, estamos surpresos com o comportamento do oxigênio. Ele nos diz que há muito mais acontecendo — algo muito mais complexo.”

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