Novo tipo de 'mineral' alienígena criado na Terra

A descoberta ajuda os pesquisadores a entenderem o que poderia existir na peculiar superfície de Titã, a lua de Saturno.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 10 de dez. de 2019, 16:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Este mosaico colorido de quase-infravermelho obtido pela sonda Cassini da Nasa mostra a luz do sol refletindo nos mares polares do norte de Titã. Pesquisas aqui na Terra sugerem que, após a evaporação desses mares frios de hidrocarbonetos, possam restar pequenos grãos cristalizados por misturas incomuns de compostos orgânicos.
Image by NASA, JPL Cal-tech, University of Arizona, University of Idaho

MORGAN CABLE PROJETA ambientes alienígenas em miniatura. Ela agita um lago do tamanho de um copo de licor, provoca leves garoas e cria outras maravilhas para imitar a peculiar superfície de Titã, a lua de Saturno. Nesse mundo longínquo, as temperaturas caem centenas de graus Celsius abaixo de zero e rios de etano e metano líquido esculpem vales em uma paisagem congelada de gelo de água.

“De certa forma, é como tocar em Titã aqui no laboratório — ainda que esteja a bilhões de quilômetros de distância”, afirma Cable, cientista do Grupo de Planetas Oceânicos e de Astrobiologia do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa.

Durante esse trabalho de anos com mundos em miniatura, a mais recente réplica de Titã em miniatura feita pela equipe está causando alvoroço: com uma mistura inovadora de acetileno e butano, foi criada uma espécie de “mineral” desconhecido anteriormente. A nova substância não se enquadra exatamente na definição comum de um mineral terrestre, pois ainda requer confirmação de que poderia se formar na natureza. Assim, é tecnicamente conhecida como cocristal.

É provável que essa substância incomum não possa se formar naturalmente na Terra, mas ela pode ser abundante na superfície rica em hidrocarbonetos de Titã, relatam os cientistas no periódico ACS Earth and Space Chemistry. Nessa hipótese, a descoberta ofereceria novas maneiras de estudar a evolução e os ambientes dessa lua intrigante — incluindo seu potencial de abrigar vida diferente de tudo que conhecemos na Terra.

Ao estudar como se misturam e cristalizam o acetileno e o butano, dois compostos provavelmente comuns em Titã, os pesquisadores descobriram um “mineral” anteriormente desconhecido que pode ser abundante nessa lua. Essas imagens de microscópio, tiradas com uma diferença de três minutos, mostram como a morfologia do cristal recém-descoberto muda com o passar do tempo.
Image by Morgan L. Cable and Tuan H. Vu

“Cruzamos os dedos à espera de que ocorresse algo interessante”, afirma Cable sobre o experimento.

Uma descoberta valiosa

Há vários anos, Cable e seus colegas leram sobre as formações curiosas em torno dos famosos lagos de hidrocarbonetos de Titã. Dados da missão Cassini da Nasa em Saturno sugeriram que, à medida que os lagos secam, uma substância misteriosa permanece, como o anel de sujeira que sobra depois de esvaziar uma banheira. A equipe se perguntou: do que poderiam ser feitos esses restos?

Ao refletir sobre as possibilidades, os pesquisadores começaram com a noção de que deveria ser a substância menos solúvel dos lagos de metano e etano de Titã. Assim, eles se concentraram no benzeno e no etano, que não se misturam, como o óleo e a água. Se parte do líquido do lago evaporasse, argumentaram, o benzeno seria a primeira substância a sobrar.

Em laboratório, a mistura desses compostos de fato formou cristais. Para saber mais sobre eles, a equipe disparou lasers nos cristais e registrou o que havia se espalhado, um método conhecido como espectroscopia Raman, que pode revelar informações sobre as interações entre moléculas e a natureza de suas ligações químicas.

“Um dos meus colegas deu uma olhada no espectro e disse: 'que estranho'”, lembra Cable. Parece que o benzeno se organizou em torno do etano em um cristal orgânico incomum. Impulsionada por esse resultado, a equipe começou a experimentar outras combinações de substâncias de Titã para verificar o que poderia se formar.

No trabalho mais recente, concentraram-se em duas substâncias provavelmente comuns na superfície do satélite: acetileno e butano. Ambos os compostos são gasosos à temperatura e pressão ambientes da Terra, então foi necessário bombear a dupla para dentro de uma pequena câmara de congelamento, onde os gases entraram em contato com uma lâmina de microscópio resfriada. Lá, as substâncias condensaram e acabaram se reorganizando em novos cocristais.

A equipe ainda queria saber qual seria a estabilidade da substância estranha às temperaturas e pressões da superfície de Titã. A resposta? Bastante estável. Foi despejado etano líquido sobre os cristais, algo que pode acontecer em uma chuva em Titã. Os cocristais permaneceram obstinadamente sólidos.

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Entra em cena a Dragonfly

A descoberta torna muito mais complexa a maneira pela qual os cientistas refletem sobre mundos distantes, afirma Baptiste Journaux, da Universidade de Washington, que não fez parte da equipe do estudo.

“Não é possível compreender a Terra sem levar em consideração sua diversidade química e mineralógica”, explica ele. “Não é possível compreender por que existem montanhas, vulcões, os diferentes tipos de crosta e por que ocorre a convecção.”

O mesmo argumento vale para os demais planetas e luas. E Titã, em particular, parece extremamente familiar para nós na Terra por causa de sua complexidade ambiental. Há uma ondulação das dunas ao redor do equador dessa lua. “Seixos” congelados estão dispersos por suas planícies. Lagos e mares se espalham por sua superfície. Pode se formar espuma nas bordas dos lagos. Mas a composição química de Titã é notavelmente diferente da composição da Terra, com uma variedade tóxica de compostos orgânicos que circulam pelo ambiente.

Se de fato existir o mineral recém-encontrado em Titã, conseguir criá-lo e manipulá-lo em laboratório poderia ajudar a explicar mais sobre como se formam e evoluem as características físicas singulares desse satélite. Além disso, os micróbios que consomem acetileno na Terra são capazes de extrair energia do composto orgânico. Talvez o suposto mineral de Titã atue como uma fonte concentrada de alimento para micróbios extraterrestres — embora continue sendo especulação qualquer conversa sobre vida alienígena em Titã. Journaux, que também faz parte do Instituto de Astrobiologia da Nasa, adverte que, embora um ambiente possa parecer habitável, isso não significa que seja habitado.

“Estou muito empolgado com esse ótimo estudo”, afirma Martin Rahm, professor de química teórica na Universidade de Tecnologia Chalmers, na Suécia. “Ao que parece, são poucos aqueles que estão pesquisando esse assunto e suspeito que há muitos cocristais ainda não descobertos.”

Em breve será possível saber mais, com o eventual lançamento da missão Dragonfly da Nasa, um quadricóptero duplo programado para pousar em Titã em 2034. Por enquanto, a equipe planeja continuar a explorar misturas de compostos de Titã, talvez se aventurando em combinações mais complexas com três substâncias orgânicas. Também querem estudar as propriedades desses peculiares cocristais — talvez até seja possível prever, em algum momento, as condições de formação de outros na natureza.

“Ainda não chegamos a esse ponto”, afirma Cable. “No momento, estamos nos divertindo muito misturando todo tipo de substância em laboratório e observando o que acontece.”

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