Planeta anão mais próximo da Terra é geologicamente ativo
Novas evidências sugerem atividades recentes de vulcões de gelo abastecidos por um antigo oceano subterrâneo no pequeno e frio Ceres.
A caminho de sua mais baixa e última órbita, a sonda Dawn, da Nasa, capturou esta imagem de Ceres e suas crateras.
Escondido no cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter, o planeta anão Ceres é um pequeno mundo que guarda grandes surpresas. Novas pesquisas da sonda Dawn, da Nasa, mostram que o Ceres – à sua peculiar maneira gelada e salgada – é um corpo geologicamente ativo, com vulcões de gelo e bolsões vivos de um antigo oceano.
Dados coletados ao longo de um ano pela Dawn – entre fim de 2017 e fim de 2018, quando o combustível acabou – revelam que o planeta anão provavelmente tem líquido salgado saindo pela superfície, assim como morros e montanhas formadas quando gelo derreteu e congelou novamente depois do impacto de um asteroide há 20 milhões de anos.
A ideia de que água líquida persista em Ceres – um mundo com um terço da largura da Lua – seria impensável há alguns anos. Mas agora, visto de perto, sabemos que o frio planeta Ceres é geologicamente ativo.
Crivulcões gelados entraram em erupção na superfície do planeta anão há milhões de anos.
As descobertas chamam a atenção para o grande mistério de Ceres: uma cratera de impacto de 91 km de diâmetro conhecida como Occator coberta por curiosos pontos brilhantes de sal. A nova pesquisa sugere que salmoura gelada teria escooado para a superfície de Occator e formado os depósitos de sal.
Montanhas salientes e morros também apoiam a ideia de que Ceres passa por um tipo de criovulcanismo gelado, com lama salgada escorrendo da mesma forma que a lava derretida age na Terra. Em uma das regiões da superfície de Occator, a Dawn avistou pistas de que salmoura, ou água salgada, teria escorrido de vulcões de gelo nas últimas décadas, ou talvez ainda mais recentemente.
O planeta anão Ceres em renderizações com falsa cor, que acentuam as diferenças entre as substâncias da superfície, como os brilhantes depósitos de sal da cratera Occator.
“Nós fornecemos fortes evidências de que Ceres é geologicamente ativo no presente, [ou] pelo menos, em um passado muito recente”, disse a pesquisadora principal da Dawn Carol Raymond, gerente do programa de pequenos corpos do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da Nasa, em Pasadena, estado da Califórnia. “E há evidências tentadoras de que [essa atividade] possa estar ocorrendo.”
Além dos vulcões exóticos, as novas descobertas colocam Ceres na lista crescente de mundos que teriam todos os ingredientes necessários para a vida em algum momento: água líquida, energia e moléculas orgânicas com carbono. Graças ao calor de impactos de asteroides, cientistas dizem que Ceres pode ter sido habitável – mas não necessariamente habitado – por pequenos períodos de tempo.
“Temos esse sistema geológico recente, quente, que possuiu todos os ingredientes que pensamos serem necessários para a vida”, diz Kirby Runyon, geólogo planetário no laboratório de física aplicada da Universidade John Hopkins, no estado americano de Maryland, que não estava envolvido nos estudos.
Planeta anão de pertinho
Sete estudos publicados hoje em três periódicos – Nature Astronomy, Nature Communications e Nature Geoscience – organizam dados da última fase da missão Dawn, que orbitou Ceres de 2015 a 2018. Para o grand finale, a sonda se aproximou a apenas 35 km da superfície do planeta, tirando fotos com a incrível resolução de 3,3 metros por pixel, o equivalente a ver uma bola de golfe a uma distância de meio quilômetro.
Desde que Dawn detectou os pontos brilhantes na Occator em 2015, cientistas se perguntam como eles se formaram. Pesquisadores rapidamente aprenderam que se os pontos são formados por sais, eles provavelmente foram depositados na cratera por água salgada escorrendo na superfície de Ceres. A questão era de onde vinha essa água.
Rede de fraturas no solo da cratera Occator foi fotografa pela sonda Dawn em 26 de julho de 2018, a uma altitude de cerca de 152 km.
Fraturas profundas na cratera Occator foram fotografadas pela sonda Dawn, da Nasa, em 31 de julho de 2018, a uma altitude de 50 km.
Os astrônomos acreditam que a cratera Occator tem cerca de 20 milhões de anos. O impacto que a formou teria gerado enormes quantidades de calor, transformando a paisagem normalmente gélida em uma banheira de espuma de água salgada. Mas, usando simulações computacionais, a equipe da Dawn descobriu que o calor da colisão se dissipou depois de uns cinco milhões de anos.
Alguns dos pontos brilhantes de sal surgiram nos últimos quatro milhões de anos, por isso, o impacto não teria os criado. Em vez disso, os fluidos estariam vindo de uma antiga e profunda reserva de salmoura líquida.
A gravidade de Ceres revelou as possíveis fontes da salmoura, graças ao fato de que o puxão gravitacional do planeta pode variar de lugar para lugar baseado na paisagem local e densidade da crosta. Pesquisadores puderam rastrear essa variação em Ceres ao medir pequenas mudanças de escala na velocidade de Dawn enquanto a sonda orbitava o planeta anão.
Quando os pesquisadores combinaram esses dados com a topografia de Ceres, eles descobriram que o solo embaixo de Occator era menos denso que a crosta ao redor. Duas reservas de salmoura, elipsoides no formato de M&M’s gigantes, parecem se localizar embaixo da cratera. A maior, com cerca de 418 km de largura, fica 48 km diretamente abaixo da cratera, na base da crosta de Ceres. A reserva menor, com 193 km de largura, fica na parte sudeste da cratera, 19 km abaixo da superfície.
“Se você fosse furar, poderia alcançar um aquífero, e aí você conseguiria fazer escoar salmoura gelada”, diz Bill McKinnon, cientista planetário da Universidade de Wahington em St. Louis, que não estava envolvido nos novos estudos.
Vestígios de um antigo oceano
Esta imagem de uma parede da cratera Occator foi obtida pela sonda Dawn, da Nasa, em 5 de julho de 2018, a uma altitude de cerca de 43 km.
Os bolsões de salmoura são relíquias de um oceano maior, possivelmente global, que outrora existiu em Ceres, a equipe concluiu. Como qualquer um que já dirigiu sobre uma estrada com sal durante o inverno pode atestar, sal dissolvido pode manter a água em estado líquido mesmo em temperaturas mais frias que o ponto de congelamento usual. No caso de Ceres, estima-se que a temperatura da salmoura seja de -5°C, o que requere muito sal e possivelmente uma mistura de minerais finos e lamacentos para mantê-la em estado líquido.
A salmoura “definitivamente não serve para mergulhar – é como um grande pântano”, diz a coautora do estudo Julie Castillo-Rogez, cientista planetária do JPL e membro da equipe Dawn.
Independentemente do que atingiu Ceres e criou a cratera Occator, o objeto deve ter dado início ao vulcanismo gelado que levou salmoura à superfície. Diferentemente dos vulcões da Terra, os criovulcões de Ceres se desenvolvem à medida que o gelo na superfície do planeta anão congela e expande, comprimindo e pressionando os bolsões subterrâneos de salmoura.
O impacto na Occator rachou a crosta de Ceres, deixando fraturas que salmouras subterrâneas usaram para subir até a superfície. Depois de expelida, a água evaporou, deixando os brilhantes depósitos de sal que vemos hoje.
Algumas observações até sugerem que a atividade em Ceres continua. Em um dos sete estudos, uma equipe liderada por Maria Cristina de Sanctis, cientista planetária do Instituto Nacional de Astrofísica, na Itália, encontrou evidências de que os pontos brilhantes de Occator possuem cloreto de sódio hidratado. O componente aquoso desse sal deveria ter fervido e dissipado no espaço cerca de 100 anos depois de atingir a superfície, dizem os pesquisadores. Mas, como o material ainda está hidratado, os vulcões gelados de Ceres podem estar ativos.
“É muito provável que esse vulcão ainda esteja ativo, no sentido de que, em uma pequena escala, ele continua crescendo”, diz Andreas Nathues, membro da equipe Dawn e cientista planetário no Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar e coautor de vários dos novos estudos.
Mundos gelados do Sistema Solar
As sondas Dawn e New Horizons, da Nasa, mostraram que pequenos corpos gelados são muito mais ativos do que se pensava, alargando a compreensão que cientistas têm da geologia de dezenas de mundos alienígenas.
Como Ceres e seus pontos brilhantes, “todo planeta parece guardar alguma coisa especial”, diz McKinnon, coinvestigador da New Horizons. “A geologia vai rimar – mas não vai se repetir.”
Uma equipe liderada por Castillo-Rogez enviou uma proposta para a Nasa hoje, pedindo uma missão para obtenção de amostras, a ser lançada depois de 2031, visto que pode levar anos para aprovar, projetar e construir uma nova sonda. A missão coletaria 100 gramas de matéria do solo de Occator e enviaria de volta à Terra.
Isso pode não parecer muito material para se trabalhar, mas as amostras teriam material muito mais primitivo e intacto do que qualquer outra coisa já estudada, diz Raymond. “Ao chegar nos detalhes do que está nesses corpos, vamos aprender uma quantidade tremenda.”