Água na superfície da Lua pode ser mais abundante do que imaginávamos

Dois novos estudos prometem ajudar a entender o misterioso ciclo hidrológico da Lua — e podem oferecer recursos a futuros astronautas lunares.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 30 de out. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT

Estudos recentes estão ajudando os cientistas a identificar a localização e a quantidade de água que pode existir em nossa companheira planetária.

Foto de NASA, Gsfc, Arizona State University

Cientistas tentam desvendar os mistérios da água na Lua há anos. Agora, dois novos estudos publicados no periódico Nature Astronomy confirmam que é possível encontrar água em toda a superfície lunar.

Um estudo apresenta a primeira prova concreta de moléculas de água aderidas ou encapsuladas dentro de grãos no solo lunar nas faixas da superfície iluminadas pelo Sol. O segundo estudo desenvolveu modelos de pequenas zonas na Lua com sombra permanente e concluiu que uma área de quase 40 mil quilômetros quadrados — equivalente a cerca de 7,5 milhões de campos de futebol — é fria o suficiente para abrigar gelo, cerca de 20% mais do que se acreditava.

Ao examinar quais formas de água existem na superfície lunar e sua localização, os cientistas esperam entender melhor o misterioso ciclo hidrológico da Lua. Ao contrário da Terra, onde a circulação da água ocorre por meio de rios e da chuva, a formação de água na Lua pode ser devida à reação do hidrogênio presente no vento solar com o oxigênio da superfície, bem como a meteoritos com gelo que atingem o solo. A água lunar também pode migrar de regiões iluminadas pelo Sol para regiões com sombra.

Mas permanece um mistério como ocorre a movimentação exata dessa água e sua possível transferência de regiões iluminadas pelo Sol a regiões com sombra. “Ainda falta muito para entender se existe uma relação”, afirma Jessica Sunshine, cientista planetária da Universidade de Maryland, que não integrou nenhuma das equipes de estudo. Mas as novas pesquisas “sugerem um processo muito mais complexo do que imaginávamos”.

Esse estudo também é vital a futuras viagens tripuladas à Lua e outros destinos, incluindo a próxima missão Artemis da Nasa, que pretende levar a primeira mulher e o próximo homem à Lua. A presença de água e gelo indica a possibilidade de explorar esse recurso para convertê-lo em combustível, reduzindo a carga transportada por futuros viajantes do espaço em suas empreitadas além da Terra.

A nova constatação da água lunar faz parte de uma mudança gradual de perspectiva a respeito da nossa companheira planetária. Antes considerado uma paisagem árida, nosso satélite dinâmico possui fontes complexas e regiões que acumulam muitas formas de água.

“É uma revolução lenta,” afirma Paul Hayne, cientista planetário da Universidade de Colorado em Boulder e autor principal do estudo sobre as zonas de sombras. “Mas não deixa de ser uma revolução.”

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Um mundo de água

A Lua é um corpo celeste com extremos de calor e frio. Durante o dia, as regiões próximas ao equador lunar podem alcançar temperaturas escaldantes superiores a 120 graus Celsius, ao passo que, à noite, podem despencar a temperaturas congelantes inferiores a -133 graus Celsius. E, sem uma atmosfera espessa de proteção, a água que evapora pode rapidamente se dissipar no espaço.

Contudo, para alegria dos cientistas, traços tênues de água parecem persistir na superfície lunar iluminada pelo Sol. Os instrumentos de três sondas espaciais confirmaram sua descoberta, anunciada em 2009, porém havia uma ressalva: a análise não conseguia distinguir água de hidroxila.

Os pesquisadores buscavam sinais de água na superfície lunar com luz infravermelha. Assim como a luz visível se divide ao atravessar um prisma, o “infravermelho possui seu próprio arco-íris, embora invisível ao olho humano,” afirma Casey Honniball, pesquisadora de pós-doutorado do Centro Goddard de Voos Espaciais da Nasa e autora principal do estudo sobre as moléculas de água. As análises anteriores se concentraram no espectro infravermelho onde tanto a água quanto a hidroxila brilham. Ao escolher uma seção diferente do espectro, Honniball e seus colegas mantiveram seu enfoque apenas no elemento H2O.

“Honestamente, não sei por que ninguém pensou nisso antes: é uma ideia brilhante,” afirma Sunshine, que trabalhou nas detecções de sinais de água na Lua em 2009.

No novo estudo, Honniball e seus colegas coletaram dados em 2018 durante um voo do Stratospheric Observatory for Infrared Astronomy (“Observatório Estratosférico de Astronomia por Infravermelho”, em tradução livre, ou Sofia, na sigla em inglês) — um telescópio infravermelho montado em um avião a jato. Alguns meses depois, Honniball processava os dados do conforto de seu sofá quando surgiu um sinal de água. “Acho que dei um grito,” afirma ela.

Embora presente, a água provavelmente é escassa, o equivalente a cerca de 340 gramas por metro cúbico de solo. É cem vezes mais árido do que o deserto do Saara, destaca Honniball, apesar de advertir que são necessários mais estudos para confirmar as concentrações da água, pois a estimativa é baseada em uma única observação feita em um único local, em um único momento do dia lunar.

Mas é uma confirmação aguardada há muito tempo por Sunshine. “É bastante gratificante”, conta ela. “Sou muito grata pelo estudo realizado.”

Nas sombras

O segundo estudo se concentrou nas fendas com sombras na superfície lunar. Os cientistas suspeitam há muito tempo que a água pode persistir na forma de gelo no interior de enormes crateras em áreas de sombra permanente. A presença de gelo nesses pontos foi confirmada em outubro de 2009 quando a Nasa colidiu parte da sonda espacial Lcross (Satélite de Detecção e Observação de Crateras Lunares, em tradução livre) em uma área de sombra próxima ao polo sul da Lua e detectou evidências de gelo na fumaça emitida pelo impacto.

Desde então, pesquisadores vêm mapeando essas grandes regiões gélidas. Contudo, após analisar imagens em alta resolução da superfície da Lua obtidas pela Sonda Orbital Lunar de Reconhecimento da Nasa, a equipe do novo estudo notou que as zonas geladas com sombra poderiam ser mais comuns do que se imaginava, ocorrendo até mesmo em áreas muito pequenas. A cada ampliação das imagens, encontravam mais: havia sombras por toda parte”, afirma Hayne.

Ao criar modelos de temperaturas e sombras na Lua, a equipe concluiu que o gelo poderia se formar em áreas minúsculas — tão pequenas quanto uma formiga. Essas diminutas sombras podem ser tão frias quanto suas sombras maiores, observa Hayne. A atmosfera da Lua é tão rala que as temperaturas da superfície não se equilibram, assim, um ponto extremamente quente pode estar ao lado de uma área a uma centena de graus abaixo de zero.

A nova pesquisa sugere que a área coberta pelas zonas frias com sombra é cerca de 20% maior do que as estimativas anteriores. Se todas essas zonas estiverem preenchidas de gelo, a quantidade de gelo equivaleria a bilhões de quilos de água, conta Hayne. Mas quantas de fato contêm gelo ainda é uma pergunta sem resposta.

Lenta revolução

Juntos, os estudos podem auxiliar os cientistas a desvendar o funcionamento do ciclo hidrológico da Lua. A água na Lua possui diferentes origens. Parte da água pode chegar com meteoritos ao colidir com a superfície, mas outra parte provavelmente se forma com a reação entre o hidrogênio do vento solar e o oxigênio da superfície, formando hidroxila. O calor do Sol ou impactos com micrometeoritos poderiam provocar colisões entre moléculas de hidroxila e formar H2O, afirma Honniball.

O calor proveniente de impactos com micrometeoritos e outros impactos também pode derreter parte da superfície rochosa e evaporar a água existente nas proximidades. Com o resfriamento e vitrificação após o derretimento, podem ficar encapsulados vapores de água — o que pode explicar o sinal de água detectado por Honniball e sua equipe.

Mas a forma exata de movimentação e o destino final da água na superfície permanecem desconhecidos. Meteoritos podem liberar um pouco de água a partir de sua superfície e o Sol também poderia exercer um papel no deslocamento da água, já que o sinal de água e hidroxila enfraquece com os picos de calor durante o dia lunar, afirma Sunshine. “Trata-se realmente de uma perda ou há um deslocamento a alguma zona de sombra?”, indaga ela. “Essas armadilhas frias em pequena escala podem nos ajudar a entender.”

Os cientistas ainda têm muito a aprender sobre a água lunar, mas algumas respostas podem estar a caminho. Em 2022, a Nasa planeja enviar o Volatiles Investigating Polar Exploration Rover (Sonda de Exploração Polar e Investigação de Voláteis, em tradução livre, ou Viper, na sigla em inglês) ao polo sul da Lua em busca de gelo. Outras pistas podem vir do Lunar Compact Infrared Imaging System (Sistema Compacto de Imagens Lunares em Infravermelho, em tradução livre, ou L-Ciris, na sigla em inglês), também previsto para uma missão de 2022, afirma Hayne.

Os cientistas especulam sobre a presença de água na Lua desde ao menos a década de 1960, mas, nos próximos anos, finalmente será possível obter um retrato completo de onde a água lunar está escondida e se é possível aproveitá-la em futuras expedições.

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