Como o Pentágono passou a se preocupar e investigar Ovnis

O governo dos Estados Unidos emitiu um relatório sobre Ovnis em que conclui que aeronaves incomuns assombram navios de guerra dos Estados Unidos há anos, iniciando uma nova era de “fenômenos aéreos não identificados”.
Um vídeo de 2015 revela o encontro de aviadores da Marinha dos Estados Unidos com um objeto voador incomum, aparentemente em rotação, apelidado de “Gimbal”, na costa atlântica da Flórida.
Por Joe Pappalardo
Publicado 14 de fev. de 2023, 18:28 BRT

Oficiais da segurança nacional dos Estados Unidos apresentaram um relatório ao Congresso norte-americano sobre investigações a respeito de uma série de avistamentos de objetos voadores não identificados, um sinal histórico de que esse tema anteriormente secundário se popularizou. E embora o relatório, produzido pela Diretoria de Inteligência Nacional (DNI, na sigla em inglês), de fato forneça algumas informações novas sobre os fenômenos inexplicáveis, deixa muitas das maiores questões sem resposta.

Sim, os pilotos da Marinha dos EUA e outros militares têm observado objetos voadores misteriosos por décadas. Uma força-tarefa da Marinha analisou 144 avistamentos feitos entre 2004 e 2021 por funcionários do governo dos Estados Unidos. Não, o Pentágono não sabe o que são. Não há evidências de que os objetos tenham sido enviados por alienígenas do espaço, mas o relatório, exigido pelo Congresso dos Estados Unidos como parte da Lei de Autorização de Inteligência Nacional de 2021, confirma que os avistamentos permanecem “não identificados”.

Mas a comunidade de inteligência não emprega mais o termo Ovni. A nova expressão é “fenômeno aéreo não identificado”, ou UAP, na sigla em inglês: uma mudança de nome para indicar que as misteriosas aparições passaram a ser encaradas a sério pelo governo dos Estados Unidos.

O relatório, que inclui uma seção sigilosa disponível apenas para membros do legislativo dos Estados Unidos, detalha resultados de investigações da Força-Tarefa UAP do Departamento de Defesa do país, estabelecida em 2017. Objetos voadores peculiares com habilidades aerodinâmicas aparentemente extraordinárias foram observados por pilotos no radar e com sensores infravermelhos.

O relatório admite que a Força-Tarefa UAP não conseguiu atribuir nenhuma das aparições aos militares norte-americanos, muito menos a outras tecnologias avançadas do governo dos Estados Unidos. “Algumas observações de UAPs puderam ser atribuídas a desenvolvimentos e programas sigilosos de entidades dos Estados Unidos”, informa o relatório. “Não foi possível confirmar, entretanto, se esses sistemas foram responsáveis por algum dos relatos de UAPs obtidos por nós.”

Os encontros com UAPs mais famosos da história da aviação moderna – avistamentos de pilotos, monitoramento por radar e objetos registrados em vídeo, ocorridos em 2004, 2014 e 2015 – permanecem sem solução.

A Força-Tarefa UAP cogitou explicações convencionais para as aparições, como fenômenos atmosféricos naturais, aeronaves civis mal identificadas e mau funcionamento de radares. Porém, à exceção de um relato atribuído a um balão esvaziando, os investigadores “não dispõem atualmente de informações suficientes em seu conjunto de dados para oferecer explicações específicas aos incidentes”. A incerteza permite que teorias mais incomuns e perturbadoras sejam cogitadas, como “sistemas adversários estrangeiros” e o que o relatório chama de “uma gama de outras possibilidades”.

Embora sem respostas, o relatório foi bem recebido pelos militares que testemunharam objetos desconhecidos no céu. “Fomos ridicularizados por muitos, por isso me sinto recompensada por agora serem feitas perguntas pertinentes e haver interesse real em chegar ao cerne da questão”, afirma Alex Dietrich, ex-pilota da Marinha que observou um UAP em 2004. “Além disso, evidentemente existe uma preocupação de todos: é uma ameaça à segurança nacional?”

Diversas autoridades dos Estados Unidos atualmente fazem o mesmo questionamento. O que Dietrich observou no céu há 16 anos desencadeou uma série de eventos que mudaram para sempre a discussão sobre avistamentos aéreos não identificados.

Encontro no mar

Em 14 de novembro de 2004, a primeira tenente Dietrich sentiu a pressão em seu assento na cabine de seu caça F/A-18 Super Hornet ao acelerar a 240 quilômetros por hora em direção à borda do convés de voo do porta-aviões U.S.S Nimitz. As forças g aumentaram quando ela ativou os pós-combustores e se afastou do navio para começar um dia de exercícios preparatórios de rotina na costa da Califórnia, perto da Ilha Catalina.

Logo após deixar o convés do Nimitz, ela observou um objeto alongado pairar sobre a água. Subitamente, ele entrou em movimento, deslizando entre 150 e 300 metros sobre as ondas a cerca de 500 nós (800 quilômetros por hora). O radar a bordo do caça não conseguiu detectar o objeto, mas o operador de sistemas de armas de Dietrich (“WSO”, na sigla em inglês) sentado no banco de trás – cujo nome não foi divulgado – também o avistou, e gritou pelo rádio.

“Tentávamos avisar uns aos outros e garantir que todos vissem o que víamos”, lembra Dietrich, que era pilota em 2004, tendo concluído o treinamento de voo pouco antes em março de 2003. “Sua movimentação é tão errática e tão rápida que nossos avisos, nossas mentes e nossas chamadas de rádio não conseguiram acompanhar.”

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    “Pude observar durante a noite e durante o dia. Definitivamente era um objeto luminoso.”

    por GARY VOORHISER
    EX-OFICIAL DA MARINHA E TÉCNICO DE RADAR A BORDO DO U.S.S. PRINCETON.

    Pilotos militares são bastante exímios em reconhecimento, referindo-se mais especificamente, nesse caso, à técnica de reconhecer aeronaves por seus formatos, padrões de pintura, insígnias de unidade e assim por diante. “Treinamos nossas observações para fazer essas classificações em frações de segundos”, conta Dietrich. “Vimos que havia um veículo ou embarcação. Quase imediatamente notei que não era nenhum veículo ou embarcação que eu reconhecesse.”

    Outros caças Super Hornets haviam decolado atrás de Dietrich, um com o comandante David Fravor como piloto e o tenente comandante Jim Slaight como WSO a bordo, e outro pilotado pelo tenente comandante Chad Underwood e um aviador não identificado. Informado a respeito do que sucedia, Underwood conseguiu filmar a nave com uma câmera infravermelha direcionada para frente. Tinha cerca de 12 metros de comprimento, era redondo e liso, por isso logo foi apelidado de “Tic-Tac”, assim como a pastilha.

    O que Dietrich não sabia na época era que objetos inexplicáveis haviam sido detectados no radar naquele mesmo espaço aéreo durante dias. Gary Voorhis, terceiro sargento do cruzador de mísseis guiados U.S.S. Princeton, navio em treinamento com o Nimitz, havia observado objetos nas telas de seu radar em 10 de novembro, quatro dias antes do voo de Dietrich.

    Voorhis, que estava há seis anos na Marinha, na época, era o técnico responsável por dois dos sistemas de combate do Princeton, e o que ele avistou era impossível. Em poucos segundos, um objeto desceu mais de 18 mil metros até a linha d’água, pairou e depois disparou em alta velocidade. Fez curvas em ângulo reto que eram incompreensíveis.

    “Antes de qualquer informação até mesmo ao capitão, os sistemas foram verificados três vezes”, ressalta Voorhis. “Posteriormente, após avisar o capitão, foram novamente checados três vezes. Tudo funcionava perfeitamente, o que tornava tudo ainda mais assustador.”

    Os objetos incomuns retornaram ao longo de muitos dias. Voorhis fez questão de ver com os próprios olhos, pedindo dados de radar aos oficiais para saber para onde apontar o binóculo. “Consegui avistá-lo no horizonte”, lembra. “Pude observar durante a noite e durante o dia. Definitivamente era um objeto luminoso. Não posso afirmar com toda certeza o que rastreávamos exatamente, mas analisei simplesmente o rumo e a elevação, e estava exatamente onde deveria estar.

    Apesar das evidências do radar, quando Dietrich e seu WSO comunicaram o que viram, receberam pouca atenção dos superiores e os dois aviadores navais ficaram sujeitos a piadas sobre alienígenas do espaço.

    No ano 2000, Judy Messoline construiu a Torre de Vigilância UFO perto de Hooper, Colorado, Estados Unidos, após alegações de avistamentos de muitos fenômenos inexplicáveis.

    Foto de Ken Geiger

    “Quando retornei, fomos ridicularizados e desdenhados pela tripulação, e pensei comigo mesma… bom, então eles devem saber do que se trata”, conta Dietrich. “Deve ser algum tipo de sistema de forças parceiras (dos Estados Unidos ou aliados). Deve ser algum tipo de sistema altamente sigiloso e compartimentado, e fomos direcionados por engano a sua área de testes.

    Nesse caso, ela ficou com raiva por ser enviada a um espaço aéreo imprevisível sem aviso prévio. Antes de qualquer voo, os pilotos são informados sobre todos os aspectos ambientais, como a umidade do ar e o avistamento de aves. Dietrich agora sabe que operadores de radar como Voorhis rastrearam retornos estranhos durante dias, e a liderança da Marinha ainda assim permitiu seus voos de treinamento sem citar as anomalias.

    A incapacidade de abordar os objetos misteriosos – “não há um protocolo de ação em relação a Ovnis”, afirma Dietrich – a deixou despreparada para o encontro e a colocou em risco de colisão. “O UAP evidentemente representa um problema de segurança de voo e pode representar um desafio para a segurança nacional dos Estados Unidos”, informa o relatório, confirmando “11 relatos de casos documentados em que os pilotos comunicaram quase acidentes com um UAP”.

    “Veja aquilo, cara!”

    O avistamento perdeu importância à medida que a carreira de Dietrich avançou. Ela serviu no Iraque e no Afeganistão, registrando mais de 1,25 mil horas e 375 pousos em porta-aviões durante missões de combate. Posteriormente, ocupou diversos prestigiados cargos administrativos na Marinha em Washington, D.C., Estados Unidos, enquanto cursava um MBA na Faculdade de Negócios da Universidade George Washington, concluído em 2014.

    Mas os efeitos da aparição nunca de fato desapareceram. Oficiais do Pentágono lhe pediram repetidas vezes que informasse pessoas curiosas por ouvir seu relato em primeira mão. Desde 2004, foi solicitada a Dietrich a entrega de relatórios ao menos uma vez ao ano e geralmente mais, frequência suficiente para se tornar um incômodo.

    “Foi muito chato”, conta ela. “Depois começou com o Capitólio dos Estados Unidos: ‘poderia passar informações a senadores e deputados? O gabinete de McCain tem interesse nessa questão’. Como dizer não a John McCain?”

    Durante trocas presidenciais, oficiais do Pentágono até mesmo lhe pediram que informasse os novos governos, conversando com altos funcionários da inteligência naval, tanto civis quanto militares.

    “Não há nenhum protocolo de ação em relação a Ovnis.”

    por ALEX DIETRICH
    TENENTE-COMANDANTE APOSENTADA E EX-PILOTA DO CAÇA F/A-18 DA MARINHA DOS ESTADOS UNIDOS.

    O interesse pelos avistamentos variou, mas disparou entre o fim de 2014 e o início de 2015, quando os Super Hornets associados ao U.S.S. Roosevelt começaram a ter encontros com aeronaves não identificadas em rápida movimentação que pareciam, nas palavras de um piloto, como “um cubo dentro de uma esfera”. Equipados com radares modernos, esses aviões de guerra conseguiram rastrear os alvos incomuns. No início do ano seguinte, três séries de vídeos de lunetas filmadoras também registraram objetos voadores, que desde então foram apelidados de “Gimbal” e “Go-Fast”.

    “Todos seguem contra o vento; o vento está a 120 nós a oeste”, comentou um piloto em um encontro gravado. “Veja aquilo, cara!”, grita outro. “Veja! Está girando.”

    Os aviadores navais que filmaram não foram identificados, mas dois pilotos se apresentaram como testemunhas, o tenente Danny Aucoin e o tenente Ryan Graves. Em 2014 e 2015, detectaram retornos incomuns nas telas de seu radar e gravaram objetos peculiares sem asas e sem cauda pelas câmeras de vídeo do avião. Em entrevistas, Aucoin afirmou que os objetos reagiram aos aviões de guerra e se deslocaram em torno deles.

    Esses pilotos, e outros que permanecem não identificados, viram objetos em diversas altitudes, inclusive ao nível do mar, e os rastrearam acelerando a velocidades hipersônicas – mais de cinco vezes a velocidade do som. Alguns apresentavam resistência extrema, permanecendo no ar por até 12 horas sem reabastecer. Outros pareciam descer até a água, conforme exibido nos vídeos feitos por militares da Marinha.

    O fato de a nave operar novamente próxima de porta-aviões dos Estados Unidos causou preocupações entre oficiais militares e políticos do país. Bill Nelson, o novo administrador da Nasa, foi um dos que recebeu informações sobre UAPs quando era senador da Flórida.

    “Há alguns anos, como membro do Comitê de Serviços Armados do Senado, fui informado sobre os avistamentos desses pilotos da Marinha e conversei com eles”, declarou recentemente Nelson, que serviu no comitê entre 2013 e 2017, à organização de jornalismo Politico. “São pilotos que fixaram o radar naquilo. Rastrearam e depois observaram o objeto se movimentar tão rápido que não puderam acreditar. Posteriormente, rastrearam e fixaram mais uma vez o radar no objeto em uma nova posição. De qualquer maneira, algo precisa ser explicado.”

    Em 2017, o Pentágono formou a Força-Tarefa UAP para investigar as ocorrências inexplicáveis, mas o Departamento de Defesa dos Estados Unidos negou a existência do programa até 2020, quando o Congresso o revelou em termos legislativos. O Comitê de Inteligência do Senado, na época chefiado pelo senador Marco Rubio, logo ordenou um relatório sobre as atividades da Força-Tarefa UAP.

    Esse relatório revelou que um comportamento incomum de voo foi detectado em inúmeros avistamentos de UAPs. “Em 18 incidentes, descritos em 21 relatórios, observadores comunicaram características de voo ou padrões incomuns de movimentação de UAPs”, informa o relatório. “Está em andamento uma análise mais detalhada para determinar se foram demonstradas tecnologias inovadoras.”

    Nave inexplicável

    Formou-se um consenso de que ao menos algumas aeronaves físicas voaram durante os encontros comunicados pelos pilotos da Marinha. O relatório da DNI respalda essa perspectiva: “a maioria dos UAPs comunicados provavelmente representam objetos físicos, uma vez que a maioria dos UAPs foi registrada por diversos sensores, incluindo radares, câmeras infravermelhas, sistemas eletro-ópticos, armas guiadas e observações visuais”.

    Os repetidos avistamentos perto de navios militares fazem as autoridades de defesa dos Estados Unidos indagarem se outro país com más intenções poderia ser o responsável.

    A Rússia e a China, ambos inimigos geopolíticos com rápidos avanços militares e grande interesse em atenuar a influência da Marinha dos Estados Unidos em todo o mundo, foram apresentados como principais suspeitos. Uma teoria dentro dos círculos da defesa é que ao menos uma marinha estrangeira tem lançado aeronaves perto de navios dos Estados Unidos para espionar suas reações.

    Essa explicação é satisfatoriamente racional, mas os detalhes dos encontros com UAPs deixam muita margem para dúvidas. Se aviões que não fossem dos Estados Unidos voassem perto dos jatos da Marinha norte-americana, de onde teriam decolado?

    Quando os Super Hornets encontraram um UAP perto de Jacksonville, em janeiro de 2015, havia uma embarcação militar russa transitando na região. O Viktor Leonov, um navio de guerra da inteligência da Marinha russa, chegou a Havana, Cuba, em 20 de janeiro de 2015. O navio espião coleta sinais, mas não é uma plataforma de lançamento para aeronaves experimentais – submarinos seriam uma opção melhor para isso.

    Atualmente, os submarinos russos são tão bons ou ainda melhores em rondar a costa dos Estados Unidos do que os da Guerra Fria, e é concebível que um submarino tenha emergido para lançar drones motorizados ou balões com refletores de radar. Talvez o Viktor Leonov estivesse no local para ajudar a coletar dados gerados quando os objetos provocadores fossem identificados por operadores de radares e pilotos norte-americanos confusos.

    Balões baratos e descartáveis também podem explicar o formato de alguns dos UAPs informados, bem como o vislumbre de um aparentemente afundando nas ondas. Balões espiões lançados por submarinos existem desde pelo menos 1959, quando a CIA passou a se interessar pelo estratagema, mas não existe nenhum programa moderno de balões comparável nos Estados Unidos nem em outro local. A Marinha dos Estados Unidos vem, entretanto, equipando submarinos com drones motorizados como o Blackwing da AeroVironment – um pequeno drone alado equipado com um conjunto de sensores – e outras nações certamente seguem seu exemplo.

    No entanto, os balões não aceleram a altas velocidades nem fazem curvas fechadas, e o Tic-Tac, o Gimbal e o Go-Fast pareciam não ter superfícies de controle de voo que permitissem manobras de alta velocidade, como asas ou cauda. Os objetos também não tinham escapamento visível, até mesmo quando avistados por câmeras de luz infravermelha.

    Em 2004 e até mesmo em 2015, a tecnologia de drones não estava nem de longe tão evoluída quanto hoje, e até mesmo as naves experimentais atualmente conhecidas teriam dificuldade em reproduzir alguns dos feitos dos UAPs. Durante o incidente de 2004, por exemplo, Fravor afirma ter visto o Tic-Tac acelerar tão rapidamente que seus olhos não conseguiram acompanhá-lo. Registros de radar do U.S.S. Princeton pareceram confirmar a alegação, localizando o UAP a mais de 140 quilômetros de distância do jato de Fravor apenas alguns segundos depois que ele o viu se afastar.

    Os retornos de radar registrados por navios militares e aviões de guerra deveriam fornecer os dados mais confiáveis sobre o que estava no ar durante esses encontros, mas o mistério apenas se aprofunda quando esses dados são considerados. Em 2015, durante o incidente com o Gimbal, por exemplo, os pilotos da Marinha observaram que o radar detectou uma “frota inteira” de UAPs, que pareciam se fundir, desaparecer e realizar proezas aéreas impossíveis. É um detalhe que preocupa praticantes de uma arte sombria conhecida como guerra eletrônica.

    Mundo secreto dos corvos

    Existe um jogo invisível de gato e rato entre os projetistas de sistemas de armas dos Estados Unidos e dos fabricados pela Rússia e pela China. Em locais como Síria, Taiwan e Ucrânia, especialistas militares, apelidados de “crows” (“corvos”, em tradução livre), disputam o domínio do espectro eletromagnético.

    “Ao longo do tempo, são desenvolvidos sensores de aeronaves ou mísseis cada vez mais sofisticados”, observa Mike Meaney, vice-presidente de sensores terrestres e marítimos da empresa Northrop Grumman. “Por outro lado, geralmente em pouco tempo, também são desenvolvidas maneiras novas e diferentes de se esquivar desses sensores, fazendo-os pensar que nada está acontecendo, um sistema denominado ‘spoofing’.”

    Quando operadores de radar recebem retornos identificando façanhas impossíveis – como objetos em movimento extremamente rápido e grandes grupos de aeronaves desaparecendo – a guerra eletrônica é a primeira hipótese cogitada por um crow. “Se um avião inimigo de repente se transforma em 20 aviões em minha tela, é um ataque de spoofing”, afirma Meany. Esses artifícios são úteis para evitar armas antiaéreas, que, em geral, dependem inicialmente de radares para rastrear alvos.

    O sistema de spoofing apresenta muitas semelhanças com o ocorrido nos encontros com o Gimbal, e o relatório da DNI aborda essa possibilidade. “O UAP parecia exibir características de voo incomuns”, informa o relatório. “Essas observações podem ser resultado de erros de sensores, spoofing ou erro de percepção do observador, e precisam de análise rigorosa adicional.” Contudo, se o sistema de spoofing for o responsável, seria uma tecnologia muito avançada para 2015. “É de fato um nível superior de guerra eletrônica”, observa Meany.

    Se o navio espião russo em Cuba integrasse uma operação de coleta de inteligência utilizando ferramentas secretas de guerra eletrônica, isso implicaria que o Kremlin teria revelado um sistema possivelmente confidencial com utilidade maior como um elemento surpresa durante um conflito real. Existem inúmeras áreas militares na Rússia e na China onde sistemas confidenciais podem ser testados sem serem revelados – assim como nos Estados Unidos.

    Meaney afirma que uma regra fundamental na guerra eletrônica é: quanto menos for revelado, melhor. “No que diz respeito ao jogo de gato e rato, todos os lados são muito criteriosos com o que revelam e quando revelam”, prossegue ele. “Nada é revelado até que seja necessário, e tem sido assim há cinco décadas.”

    Ainda que o sistema de spoofing possa explicar algumas das excentricidades observadas nas telas de radar, não pode explicar o que os pilotos viram com os próprios olhos ou os objetos gravados em vídeo. Talvez uma combinação de objetos físicos e guerra eletrônica seja responsável por alguns dos incidentes de UAP, mas ninguém parece conseguir juntar todos os elementos de maneira que faça sentido.

    “Durante anos, homens e mulheres em quem confiamos para defender nosso país relataram encontros com aeronaves não identificadas que tinham capacidades superiores e, durante anos, suas preocupações foram geralmente ignoradas e ridicularizadas”, declarou Rubio em comunicado em junho de 2021. “Esse relatório é um primeiro passo importante na catalogação desses incidentes, mas é apenas um primeiro passo para que possamos de fato discernir se essas ameaças aéreas representam uma séria preocupação de segurança nacional.”

    Mistério duradouro

    Em 2020, quando o Pentágono confirmou pela primeira vez que os incidentes vazados de UAPs eram de fato encontros com objetos não identificados, as testemunhas dos avistamentos passaram do anonimato aos holofotes. As francas admissões das observações “tornaram a mim e a meus companheiros as testemunhas mais procuradas de fenômenos com Ovnis pelo simples fato de o governo dos Estados Unidos declarar que não são identificados e que são totalmente legítimos”, conta Voorhis.

    A ambiguidade do relatório da DNI fará pouco para satisfazer ufólogos ou qualquer outra pessoa em busca de explicações. “A quantidade limitada de relatos de boa qualidade sobre fenômenos aéreos não identificados (UAPs) dificulta nossa capacidade de chegar a conclusões convincentes sobre a natureza ou intenção do UAP”, informa o relatório.

    Contudo, em 2004, segundo Dietrich, o estigma pessoal e profissional de relatar Ovnis privou a Marinha da oportunidade de obter mais respostas. “Fico chateada porque, se não era algo nosso, então por que não aproveitamos o fato de termos encontrado o objeto?”, indaga ela. “Tínhamos câmeras Flir (câmeras infravermelhas voltadas para frente) gravando o objeto. Sabíamos que poderíamos interceptá-lo de inúmeras maneiras. Por que não redirecionamos nossa atenção, nossos recursos e nossos sensores para aquele espaço aéreo e obtivemos mais evidências?”

    Desde aquele encontro, as discussões sobre objetos voadores não identificados no Pentágono mudaram completamente. Novos protocolos incentivam as equipes a comunicarem avistamentos, e líderes militares levam essas comunicações a sério.

    “Não há mais estigma”, declarou Mike Quigley, membro do Comitê de Inteligência da Câmara a repórteres após uma reunião fechada sobre o relatório da DNI. “Essa é a maior mudança de política que já testemunhei sobre esse assunto em minha vida.”

    Dietrich se aposentou da Marinha como tenente-comandante em maio de 2021, tendo lecionado como professora de ética na Academia Naval dos Estados Unidos em Maryland por mais de seis anos. Pouco antes de se aposentar, ela fez sua primeira identificação oficial como testemunha de um UAP. Ela deseja acabar com o estigma de pilotos que comuniquem excentricidades no céu, ainda inquieta pelo fato de que tudo o que testemunhou permanece sem explicação.

    “Acredito que essa seja uma das questões fundamentais sérias”, conta Dietrich. “Se sabemos da existência de algo que não seja nosso, não restam muitas opções positivas.”

    Voorhis busca suas próprias respostas, planejando montar câmeras voltadas para o céu na Ilha Catalina para procurar os UAPs que encontrou perto dali em 2004. Ele se une ao restante de pessoas comuns, políticos, crows, oficiais militares e outras testemunhas que juntos observam o céu e se indagam o que há lá em cima.

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