Espelho ‘mágico’ da corte elizabetana tem origem mística asteca

Um espelho preto que já foi utilizado pelo conselheiro da Rainha Elizabeth I, John Dee, para “conversar” com os anjos era originalmente um artefato profético da Mesoamérica, revela nova pesquisa.

Por Tom Metcalfe
Publicado 18 de out. de 2021, 16:35 BRT

Um espelho de obsidiana supostamente usado por um ocultista e conselheiro da corte da Rainha Elizabeth I do século 16 tem origens astecas, de acordo com pesquisadores.

Foto de S. Campbell

Pesquisadores descobriram que um “espelho espiritual”, usado por John Dee, famoso conselheiro político da rainha Elizabeth I, foi fabricado no México asteca há cerca de 500 anos. A descoberta publicada no periódico Antiquity reforça a hipótese de que o espelho tenha sido usado pelo ocultista elizabetano em suas tentativas de comunicação com os anjos.

Além de conselheiro na corte da rainha do século 16, Dee foi um talentoso alquimista, astrólogo, cartógrafo e matemático. Alguns acreditam que ele pode ter servido de inspiração para o personagem Próspero, um mágico da peça A Tempestade, de Shakespeare.

Um retrato de John Dee (1527-1608). “Dee inicialmente cruzou a linha tênue entre a ‘magia’ natural, que era considerada uma ciência, e a magia demoníaca, que era considerada uma perversão da religião e chamava mais sua atenção”, escreveram os pesquisadores.

Courtesy Ashmolean Museum, University of Oxford

Há muitas histórias das façanhas ocultistas de Dee, como a prática de skrying, ou invocação de anjos e espíritos por meio de ferramentas clarividentes, como cristais e espelhos. Esse “espelho espiritual” em particular, confirmado na década de 1650 como parte da coleção de ferramentas de John Dee, foi comprado em 1700 pelo escritor Horace Walpole, que acreditava que o artefato pertencia ao polímata do Renascimento inglês e era usado por ele em rituais mágicos.

No final de 1800, o espelho foi comprado pelo Museu Britânico e está atualmente em exibição no museu da Galeria do Iluminismo.

Pesquisadores usaram um scanner portátil de fluorescência de raios-X para examinar o espelho de John Dee, bem como três outros objetos de obsidiana — dois espelhos circulares quase idênticos e uma placa retangular polida — adquiridos pelo Museu Britânico de colecionadores no México nos anos 1800.

Como os elementos químicos brilham de maneira diferente sob os raios X, o scanner foi capaz de identificar uma “impressão digital” geoquímica para cada objeto de obsidiana com base nas proporções de titânio, ferro, estrôncio e outras substâncias que cada espelho continha. Os resultados mostram que a obsidiana no espelho de John Dee e um dos outros espelhos só podem ter vindo da região de Pachuca, região central do México. O outro espelho e a placa de obsidiana, que provavelmente era usado como um altar portátil, vieram da região de Ucareo, cerca de 240 quilômetros a oeste de Pachuca.

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    Os códices astecas, como o Codex Tepetlaoztoc do século 16 mostrado aqui, são representações de espelhos de obsidiana. Os antigos mesoamericanos acreditavam que tais espelhos poderiam servir como portais para mundos espirituais.

    Courtesy The Trustees of the British Museum

    Ambas as regiões eram governadas pelos astecas, que tinham uma tradição de fazer espelhos de obsidiana para fins mágicos, afirma Stuart Campbell, arqueólogo da Universidade de Manchester e principal autor do estudo mais recente. Espelhos circulares de obsidiana são retratados em códices astecas produzidos logo após o período da conquista espanhola no início do século 16 e em representações da divindade Tezcatlipoca (“Espelho Fumegante”), que possuía poderes de adivinhação. Os astecas acreditavam que os espelhos podiam exibir uma fumaça, que então se dissiparia para revelar uma época ou lugar distante.

    Os antigos mesoamericanos acreditavam que os espelhos eram portais espirituais para mundos alternativos, “como em Alice Através do Espelho”, escreveu por e-mail o antropólogo Karl Taube, da Universidade da California em Riverside. “Depois de olhar fixamente para o espelho, essa conexão seria estabelecida.” Taube já estudou espelhos astecas, mas não participou da nova pesquisa.

    A descoberta de que o “espelho espiritual” do Museu Britânico tem origem asteca, reforça a teoria de que Dee o usava como uma ferramenta para invocar anjos e espíritos, observa Campbell. É provável que Dee, que tinha muito interesse na exploração do Novo Mundo, soubesse das ilustres propriedades mágicas do espelho quando o adquiriu, provavelmente durante suas viagens pela Europa no final dos anos 1500. Registros mostram que vários espelhos astecas foram enviados do México para a Europa logo após Hernán Cortés e suas tropas tomarem a capital asteca de Tenochtitlan, em 1521. E, como os astecas, os europeus da época também acreditavam nos poderes mágicos dos espelhos. Foi possivelmente essa crença que levou John Dee a tentar se comunicar com os anjos através do espelho espiritual.

    A reputação de Dee como um proto-cientista elisabetano continua inabalada no Reino Unido (ele é o tema de uma ópera composta pelo vocalista da banda Blur, Damon Albarn, por exemplo). A figura de John Dee está relacionada a vários relatos históricos da época.

    “Você pode estar lendo algo onde não espera encontrá-lo, então o nome de John Dee aparece de repente”, diz Campbell. “Dee teve envolvimento em diversas áreas e em fases iniciais de muitas experiências diferentes também no mundo natural.”

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