ONU alerta que um milhão de espécies estão em risco de extinção

Relatório global adverte que a porta para proteção da biodiversidade e da saúde do planeta está se fechando – mas ainda há soluções à vista.

Por Stephen Leahy
Publicado 7 de mai. de 2019, 17:14 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Filhote de orangotango-de-bornéu, espécie ameaçada, com sua mãe adotiva.
Filhote de orangotango-de-bornéu, espécie ameaçada, com sua mãe adotiva.
Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

Ainda sem uma transformação social global que se concentre na proteção da natureza, um milhão de espécies podem ser levadas à extinção devido à atividade humana nos próximos anos — com graves consequências para os seres humanos e o restante da vida na Terra — de acordo com um importante relatório da Organização das Nações Unidas sobre a saúde da natureza.

“As evidências são bastante claras: a natureza está em apuros. Consequentemente, nós estamos em apuros", diz Sandra Díaz, uma das copresidentes do Relatório Global de Avaliação da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Um documento de 40 páginas chamado “Resumo aos Formuladores de Políticas Públicas”, síntese do relatório completo, foi apresentado 6 de maio, em Paris.

Baseado na análise de cerca de 15 mil fontes científicas e governamentais e compilado por 145 autores especialistas de 50 países, o relatório global é um olhar abrangente sobre o estado da biodiversidade do planeta, sendo o primeiro em 15 anos. Esse relatório traz, pela primeira vez, conhecimentos indígenas e locais, além de estudos científicos. Os autores dizem ter encontrado evidências incontestáveis de que as atividades humanas estão por trás do declínio da natureza. Eles classificaram os principais fatores por trás do declínio das espécies, como a conversão de terras, inclusive o desmatamento; a pesca predatória; a caça e o tráfico de carne de animais silvestres; as mudanças climáticas; a poluição; e as espécies exóticas invasoras.

A tremenda variedade de espécies vivas — pelo menos 8,7 milhões, mas provavelmente muito mais — que compõem a nossa "rede de segurança de proteção à vida" garante o nosso alimento, a água limpa, o ar, a energia e outras coisas, conta Díaz, ecologista da Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, em entrevista. “Essa rede de segurança não está apenas encolhendo, como está ficando surrada, com buracos aparecendo".

Um mundo de lodo verde?

Em partes do oceano, resta pouca vida além de um lodo verde. Algumas florestas tropicais remotas estão praticamente em silêncio, uma vez que os insetos desapareceram, e cada vez mais os gramados ficam desérticos. A atividade humana resultou na brusca alteração de mais de 75% das áreas de terras do planeta, indica a Avaliação Global. E 66% dos oceanos, que encobrem a maior parte do nosso planeta azul, sofreram efeitos significativos da atividade humana. Nisso se incluem mais de 400 zonas mortas — onde só sobrevivem formas muito limitadas de vida — que, ao todo, poderiam abranger o estado de Oregon ou Wyoming, nos Estados Unidos.

O novo relatório pinta um "quadro assustador" da saúde dos ecossistemas que rapidamente se deterioram, disse Sir Robert Watson, Presidente da Plataforma Intergovernamental de Ciência e Políticas Públicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), que realizou a avaliação global. O IPBES costuma ser comparado ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, quando o assunto é biodiversidade, e realiza avaliações científicas do estado da vida não humana que compõe o sistema de sustentação da vida na Terra.

“Estamos minando as próprias bases das nossas economias, da nossa subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida no mundo inteiro", diz Watson numa declaração.

“Minha maior preocupação é o estado dos oceanos", contou Watson à National Geographic. “Plásticos, zonas mortas, pesca predatória, acidificação... Estamos realmente acabando com os oceanos”.

Salvando mais espécies

Proteger a natureza e salvar as espécies é garantir a proteção à terra e à água necessárias à sobrevivência das plantas e dos animais, afirma Jonathan Baillie, vice-presidente executivo e cientista-chefe da National Geographic Society. Proteger metade do planeta até 2050, com uma meta intermediária de 30% até 2030, é a única forma de atender às metas climáticas de Paris ou as Metas de Desenvolvimento Sustentável da ONU para o mundo, diz Baillie.

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    As florestas, os oceanos e outras partes da natureza absorvem até 60% das emissões globais de combustíveis fósseis todos os anos, indica o relatório. “Precisamos garantir a existência da biosfera para proteger o clima e criar uma espécie de blindagem que nos proteja dos eventos climáticos extremos", afirma Baillie.

    Os recifes de corais e manguezais protegem as áreas litorâneas de tempestades como as de furacões. As áreas úmidas reduzem o alagamento pela absorção das chuvas pesadas. Mesmo assim, cada um desses ecossistemas sofreu uma drástica diminuição, com redução das áreas úmidas a 15% do que eram há 300 anos e uma crise global de branqueamento dos recifes de corais.

    Cerca de 100 grupos do mundo todo (como a National Geographic Society e a Wyss Campaign for Nature) endossaram a meta de proteção de metade do planeta até 2050. Recentemente, 19 dos principais cientistas do mundo publicaram um estudo para elaboração de um plano científico para uma etapa intermediária que protegeria 30% até 2030, no que está sendo chamado Acordo Global para a Natureza. A proteção proposta não se refere a áreas "proibidas", mas sim a áreas protegidas da extração de recursos e da conversão de terras. Seriam permitidos usos sustentáveis em todas as áreas, exceto nas mais sensíveis, escreveram os grupos.

    “A comunidade internacional conta com o tempo e os recursos para proteger a natureza e desacelerar a atual crise de extinção da vida selvagem”, diz Brian O’Donnell, diretor da Wyss Campaign for Nature, em nota.

    A National Geographic Society e a Wyss Campaign for Nature vêm trabalhando juntas para inspirar a proteção de 30% do planeta até 2030.

    Esses recursos estiveram em discussão durante as negociações entre os membros nacionais do IPBES, que duraram uma semana e nas quais se debateram as principais mensagens e opções de políticas públicas a serem publicadas no "Resumo aos Formuladores de Políticas Públicas". O relatório completo da Avaliação Global será publicado ainda este ano.

    “A principal mensagem do nosso relatório é a de que a mudança de transformação é uma necessidade urgente. Não existem outras opções”, diz David Obura, biólogo marinho da Coastal Oceans Research and Development – Indian Ocean, em Mombasa, Quênia. “Temos tão pouco tempo para salvar os corais. Se pudermos salvá-los, poderemos salvar tudo".

    Valorize a natureza, não objetos

    Para garantirmos um planeta saudável, a sociedade precisa mudar seu foco exclusivo na busca pelo crescimento econômico, conclui o relatório resumido. Isso não será fácil, conclui o relatório. Mas será mais fácil se os países começarem a basear suas economias num entendimento de que a natureza é a fundação do desenvolvimento. A mudança para um planejamento centrado na natureza pode proporcionar melhor qualidade de vida, com impacto muito menor.

    Para colocar esse conceito em termos práticos, o relatório afirma que os países precisam reorganizar os bilhões de dólares que atualmente são entregues aos setores de energia, pesca, agricultura e engenharia florestal e repassá-los a subsídios e incentivos. Em vez de incentivar uma maior exploração dos recursos naturais do mundo, esses montantes deveriam ser destinados a incentivar a proteção e restauração da natureza — como a subscrição de novas reservas ou programas de reflorestamento, descreve o relatório.

    “Precisamos mudar o que deve ser valorizado: a natureza, os ecossistemas, a igualdade social, e não o crescimento do PIB", diz Obura.

    As outras evidências reunidas pelo IPBES apontam que a natureza administrada por povos indígenas e comunidades locais normalmente se encontra em melhor saúde que a natureza administrada por instituições estatais ou privadas, apesar das pressões cada vez maiores, disse Joji Cariño, consultor sênior em políticas públicas do Forest Peoples Programme, organização de direitos humanos.

    Pelo menos, os povos indígenas tradicionalmente têm a posse, administram, usam ou ocupam um quarto da área das terras do mundo todo. Contudo nem sempre a permanência desses povos na terra e outros direitos são protegidos ou reconhecidos por todos os outros países. Além disso, o profundo conhecimento que eles têm sobre a terra, bem como seus valores, não costumam ser considerados nas políticas e decisões dos governos. Isso precisa mudar, observou a Avaliação Global.

    “Os povos indígenas são parceiros essenciais da transformação global que se faz necessária", diz Cariño.

    Ainda assim, os países ainda demoram em reconhecer isso, ela complementa. Como exemplo, ela cita as Filipinas. Há quarenta anos, um povo indígena daquele país impediu a construção de represas no Rio Chico, por estarem preocupadas com os impactos sobre a terra deles. E, no entanto, essas mesmas represas estão sendo construídas pela China na iniciativa de infraestrutura do Cinturão e Rota, projeto na casa dos trilhões de dólares.

    A China desempenha um importante papel nas discussões globais sobre a biodiversidade, porque o país sediará uma grande conferência da Organização das Nações Unidas, denominada Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica, que ocorrerá no fim do ano de 2020. A expectativa dos cientistas é que na ocasião seja elaborado um novo e ambicioso acordo internacional para proteção do planeta, similar ao acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.

    A copresidente da Avaliação, Díaz, ainda não sabe se ocorrerá um pacto global tão ousado como a proteção de 30% até 2030. "Se fosse assim fácil, já teria acontecido", afirma Diaz.

    “No entanto, as evidências são claras: o futuro será ruim se não agirmos agora. Não existe futuro para nós sem a natureza".

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