Rios europeus estão repletos de barreiras – mas aumenta movimento para removê-las

Em média, há mais de uma barreira a cada 1,5 quilômetro dos rios europeus, o que sufoca as formas de vida que habitam essas artérias vitais.

Por Stefan Lovgren
Publicado 10 de jan. de 2021, 08:00 BRT
O dique Gloriettes, no sudoeste da França, na Gave d'Estaubé. Barragens e estruturas menores obstruem os ...

O dique Gloriettes, no sudoeste da França, na Gave d'Estaubé. Barragens e estruturas menores obstruem os rios da Europa, causando danos ecológicos a espécies nativas.

Foto de Andia, Universal Images Group/Getty Images

OS RIOS EUROPEUS são mais fragmentados — ou seja, seus percursos naturais possuem mais interrupções provocadas por barreiras construídas por humanos — que os rios de qualquer outro continente, segundo nova pesquisa.

Em um estudo de quatro anos que analisou 36 países europeus, os cientistas inspecionaram cerca de 2,7 mil quilômetros de rios a pé — e encontraram pelo menos 1,2 milhão de obstáculos impedindo que rios europeus fluíssem livremente. Isso representa mais de uma barreira a cada quilômetro e meio de rio (0,74 barreira por quilômetro).

“Os números identificados foram maiores que o esperado e mostram que os rios europeus estão fragmentados”, declara Barbara Belletti, geomorfologista fluvial que liderou o estudo da Universidade Politécnica de Milão.

Barreiras artificiais, como barragens, representam as maiores ameaças a ecossistemas fluviais. Elas interrompem o curso natural dos sedimentos e impedem que peixes migratórios subam ou desçam pela corrente para completar seu ciclo de vida.

Milhares de grandes barragens pela Europa foram catalogadas no estudo, que foi publicado na semana passada na revista científica Nature. No entanto, os pesquisadores constataram que ao menos 85% das barreiras dos rios europeus na verdade são estruturas menores como galerias, vaus, comportas, pequenas represas e rampas fluviais.

Essas barreiras menores, em sua maioria com menos de dois metros de altura, frequentemente são ignoradas, ainda que seu impacto cumulativo na conectividade dos rios seja significativo. Enquanto grandes barragens de armazenamento podem modificar o comportamento de um rio inteiro, quase todas as barreiras, não importando seu tamanho, afetam o rio de alguma forma.

“Barreiras menores, devido à sua quantidade, talvez sejam de fato mais prejudiciais”, afirma Carlos Garcia de Leaniz, professor de biociências aquáticas da Universidade de Swansea, no País de Gales, e coordenador do projeto Amber, programa do Horizonte 2020 da União Europeia que proporciona a primeira análise pan-europeia da fragmentação dos rios.

Ao mesmo tempo, ele explica que há boas notícias: “esforços de atenuação para melhorar a conectividade dos rios talvez não sejam tão complicados como alguns temiam que fossem, visto que muitas dessas barreiras pequenas são obsoletas e podem ser facilmente removidas”.

Pés no chão

Com aproximadamente sete mil grandes barragens, 13% da geração de eletricidade da Europa ocorre por meio de hidrelétricas.

Ainda que a maioria das grandes hidrelétricas europeias tenha sido construída após a Segunda Guerra Mundial, grande parte da fragmentação dos rios remonta a vários séculos atrás. Diversos diques menores (pequenas barreiras que regulam o fluxo da água) e pequenas barragens foram construídos no início da era industrial para sustentar fábricas e moinhos, assim como a agricultura em todo o continente.

Conforme constatado pelos pesquisadores logo no início do estudo, havia poucos dados disponíveis referentes ao número e localização dessas barreiras, com exceção das maiores barragens. Enquanto alguns países, a exemplo da França, tinham uma base de dados nacional de barreiras fluviais satisfatória, outros não possuíam.

Essas estruturas menores geralmente não podem ser detectadas por satélites, em razão disso, a análise delas precisou ser feita tendo como base o levantamento de dados em campo: a inspeção dos rios realizada a pé. “Nós dissemos: vamos percorrer o rio descobrir o que há nele”, conta Garcia de Leaniz. “Nada substitui os pés no chão.”

Enquanto equipes de cientistas se dividiam por mais de 30 países europeus — analisando ao menos cinco rios em cada país em trechos contínuos de 20 quilômetros — um aplicativo também foi desenvolvido para que cidadãos cientistas também pudessem registrar novas barreiras.

Belletti, que liderou o estudo e agora está atuando no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França em Lyon, participou de uma equipe de quatro pessoas que inspecionou a parte superior do rio Orco, que nasce dentro do Parque Nacional Gran Paradiso, no alto dos Alpes Italianos. Ela já tinha conhecimento das duas grandes barragens ao longo do rio, mas ficou surpresa ao encontrar quatro barreiras menores, todas com altura abaixo de dois metros, dentro do parque.

“Ninguém sabia que elas estavam lá”, ela explica.

Os pesquisadores criaram cerca de 630 mil registros das barreiras encontradas. Reconhecendo que poderiam existir muitas outras barreiras que não poderiam ser registradas, eles calcularam um fator de correção para cada país, chegando ao total de 1,2 milhão de barreiras.

As constatações mostraram que a maior densidade de barreiras se encontra nos rios altamente modificados da Europa Central, enquanto isso, rios relativamente livres de barreiras ainda podem ser encontrados nos Balcãs, nos países bálticos e em partes da Escandinávia e do sul da Europa.

A barragem da hidrelétrica de Vezins, em Isigny-le-Buat, noroeste da França, sendo demolida em 8 de agosto de 2019. Um movimento está se estabelecendo na Europa para a remoção de barragens menores, assim como outras pequenas estruturas que bloqueiam rios.

Foto de Lou Benoist, AFP/Getty Images

Derrubando barragens

Peixes migratórios, em especial, são afetados por grandes barragens, que podem impedir que eles cheguem a áreas de desova apesar da existência de passagens construídas para permitir a passagem deles. Um estudo do início deste ano verificou que as populações de peixes migratórios de água doce diminuíram em 76% no mundo desde 1970, com uma queda ainda mais acentuada na Europa: estarrecedores 93%.

“Isso pode ser atribuído diretamente à fragmentação dos rios”, declara Herman Wanningen, diretor da World Fish Migration Foundation, em Groningen, Holanda.

Ainda que existam planos para a construção de uma enxurrada de novas barragens na região relativamente intocada dos Balcãs, outros países da Europa parecem estar seguindo o caminho dos Estados Unidos, onde um esforço abrangente para derrubar barragens e restaurar rios teve início há várias décadas. No mês passado, os estados da Califórnia e Oregon renovaram seus projetos para em breve derrubar quatro barragens do rio Klamath e desobstruir centenas de quilômetros de cursos d'água para salmões que passavam por dificuldades, no que pode ser a maior demolição de barragens da história do país.

Na Estônia, espera-se que com a remoção do dique de Sindi e de outras barreiras ao longo do rio Pärnu, até três mil quilômetros de cursos d'água sejam liberados. Na França, duas grandes barragens do rio Sélune estão sendo removidas para reconectar o rio ao oceano.

“Quando são calculados os custos totais de obras, manutenção e as receitas da produção de energia, a conclusão em muitos casos é que sai mais barato retirar barragens e pensar em maneiras de produzir eletricidade de um jeito mais eficiente”, conta Wanningen, coautor do estudo da revista científica Nature.

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    Vista aérea do rio Cogîlnic na Ucrânia após a remoção das suas barragens.

    Foto de Andrey Nekrasov, Barcroft Media/Getty Images

    Uma escolha óbvia

    Os pesquisadores esperam que o novo estudo traga mais conscientização para o enorme impacto que pequenas barreiras podem causar ao interferirem no ecossistema de um rio.

    Represas baixas, rampas fluviais e vaus podem bloquear a passagem de todo tipo de formas de vida, desde invertebrados que não conseguem nadar (como os lagostins) até plantas aquáticas, isso sem mencionar os sedimentos vitais transportados pelos rios. “Para diversos organismos, não importa se a barreira tem um ou 20 metros de altura; eles não conseguem atravessar de maneira nenhuma”, explica Garcia de Leaniz.

    Ele declara que faz sentido concentrar os esforços na eliminação de barreiras de pequeno porte que podem ser removidas mais facilmente que uma grande barragem. Ao mesmo tempo, talvez algumas barreiras não devessem ser demolidas, pois elas evitam invasões de espécies intrusas ou protegem a bacia hidrográfica contra a poluição. “Queremos conectar os bons habitats com outros bons habitats, não com os ruins”, ele esclarece.

    Na Suécia, que assim como a maioria dos países europeus tem quase toda a sua energia hidrelétrica proveniente de grandes barragens, os esforços de remoção tiveram como foco as pequenas represas e barragens. Um fundo criado recentemente pelas maiores empresas de hidrelétricas do país, com o objetivo de aprimorar os padrões ambientais de todas as barragens, oferece auxílio financeiro a proprietários de terras e operadores de pequenas barragens para a remoção das estruturas.

    “Para a maioria das pessoas, [aceitar essa oferta] é uma escolha óbvia, [...] já que em geral essas operações são completamente inviáveis do ponto de vista econômico”, afirma Christer Borg, diretor do Älvräddarna (Protetores dos Rios, em tradução livre), uma organização ambiental sueca influente. Borg acredita que até mil barragens de pequeno porte podem ser demolidas com o apoio do programa.

    A Finlândia buscou uma estratégia similar. Medidas de atenuação no país estavam inicialmente centradas na remoção de galerias em pequenos córregos, por exemplo, antes de se direcionarem a barragens menores e obsoletas e, daqui a três anos, até mesmo pequenas estações hidrelétricas ainda em uso.

    Uma campanha pública para a remoção de barragens comoveu opiniões na Finlândia ao destacar os benefícios que muitos finlandeses associam a rios fluindo livremente, incluindo diversas atividades de lazer (você pode assistir ao cômico anúncio de serviço público aqui), em vez de focar no assunto como uma questão de infraestrutura mais difícil de ser compreendida pelo público em geral.

    “Presenciamos uma mudança notável das atitudes em relação a esse assunto, com uma ampla maioria dos finlandeses a favor da remoção imediata até mesmo de barragens de hidrelétricas”, conta Sampsa Vilhunen, chefe do programa marinho e de água doce do World Wildlife Fund na Finlândia.

    Belletti afirma que ela mesma também está notando uma maior conscientização pública na Europa em relação à importância da conectividade dos rios. Ela acredita que o projeto de mapeamento pode ajudar a informar sobre a implementação da Estratégia de Biodiversidade da União Europeia, que busca reconectar 25 mil quilômetros de rios europeus até 2030.

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