Pesquisador quer reconstruir digitalmente salas e laboratórios do Museu Nacional

Pesquisador do Laboratório de Processamento de Imagem Digital do Museu Nacional do Rio de Janeiro, o paleontólogo Sergio Alex Kugland Azevedo conta, em entrevista exclusiva, como está trabalhando para reerguer a instituição.

Por Paulo Verri Filho
Publicado 3 de out. de 2018, 13:52 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT

Passado um mês da tragédia que destruiu parte importante da história brasileira guardada nos salões do Museu Nacional do Rio de Janeiro, pesquisadores e funcionários continuam trabalhando para reconstruir e manter viva a instituição. Em uma série de quatro entrevistas, conversamos com essas pessoas para compreender como se sentiram depois do incêndio e como enxergam o futuro do museu.

Nos relatos, ainda se ouve muitas manifestações de tristeza, mas também surgem histórias reveladoras. Todos os entrevistados, uma entomóloga, um museólogo, um paleontólogo e uma pedagoga, mostram-se motivados, determinados, para retomar trabalhos interrompidos e, surpreendentemente, para também iniciar novos projetos. 

Hoje, conversamos com o paleontólogo Sergio Alex Kugland de Azevedo, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro no Laboratório de Processamento de Imagem Digital do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Sergio, que já foi diretor do museu, pretende utilizar o laboratório onde trabalha para reconstruir digitalmente as salas e os laboratórios destruídos pelo incêndio.

Sergio Alex Kugland de Azevedo é paleontólogo, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de ...
Sergio Alex Kugland de Azevedo é paleontólogo, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro no Laboratório de Processamento de Imagem Digital do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
Foto de Paulo Verri

Sergio, por favor fale um pouco do seu trabalho no Museu Nacional.  

Na UFRJ e no MNRJ eu já estou há 29 anos. Mas, eu comecei no Rio Grande do Sul e estudei pelo menos vinte anos de Paleontologia pura. De duas décadas para cá eu comecei a trabalhar com outras linhas de pesquisas, como tomografia, reconstrução 3D. Como essas tecnologias se aplicam à diversas áreas, o meu trabalho acabou derivando para outras áreas do conhecimento. 

Como você está participando dos trabalhos de reconstrução do museu?  

O meu laboratório era ali, olhe [apontando para uma janela do museu enegrecida pela fumaça no incêndio]. Lá não tem mais nada, perdi todos equipamentos, computadores. Para eu fazer o que eu fazia não tem mais saída. Mas, como as pesquisas são trabalhadas por um grupo, que envolve outras instituições, a ideia num primeiro momento, antes de tentar reconstruir qualquer parte do laboratório, é tentar fazer os trabalhos junto com instituições parceiras. Nós estamos procurando manter os laboratórios e trabalhar em colaboração. Isso é uma questão de integridade do museu. 

Essa reconstrução vai ocorrer em várias fases, num primeiro momento foi a fase do terror, do desespero, da constatação de tudo que se perdeu. Foi muita coisa.  Nós sempre soubemos o que havia no acervo, mas parece que o resto do país só acordou agora. Porque achavam que era um museu como outro qualquer, com alguma coisinha. Mas não é, devido ao seu tempo de duração e características ele englobava objetos que nenhum outro lugar possuía. Com esta história de competição no mundo da ciência as pessoas acabam não sabendo o que acontece nos outros locais e, agora com a tragédia, todo mundo se deu conta do enorme potencial que existia lá dentro. Dos enormes acervos, laboratórios de pesquisas, centro de formação de pessoal. Hoje nós estamos recebendo manifestações do país inteiro, do exterior, de pessoas que tinham alguma ligação física direta com o museu. 

De pessoas que se formaram aqui? 

Sim, nós temos seis cursos de pós-graduação atuantes formando pessoal. A paleontologia atua na geologia, zoologia e botânica.  

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    “A ciência hoje vive um momento muito delicado, muito confuso, e que não se tem mais verba para praticamente nada. É aquele desespero, aumenta-se muito o número de pessoas, um tratamento político inadequado, que privilegia algo que não se deveria em detrimento de outras que são fundamentais, que você só nota quando perde.”

    por Sergio Alex Kugland de Azevedo
    Professor e pesquisador do Museu Nacional

    As perdas do acervo de pesquisa foram muito grandes? 

    Só para você ter uma noção, do nosso acervo, praticamente todos os pteroussauros brasileiros, a metade dos dinossauros brasileiros. Fósseis que foram os primeiros a serem descritos e serviam de base de comparação com outros da mesma espécie. É incalculável. Talvez 70%, dos novos achados de Crocodilos e Tartarugas. 

    Inclusive os fósseis enviados por outras instituições? 

    Os que foram enviados ao MNRJ foram perdidos, só não foi perdido tudo porque nós fazemos coletas sistemáticas, e o material das duas mais recentes foi primeiro para o preparo no laboratório, que não estava dentro do museu. 

    Então ainda existem fósseis? 

    Existe ainda bastante, pelo menos o material das duas últimas expedições de campo e diversos materiais de expedições anteriores não foram afetados. 

    Na semana seguinte ao incêndio nós levamos para o laboratório que não fora atingido todas as amostras que estavam em preparação e fechamos nos armários para não empoeirar, pegar sujeira. E o espaço em que essas amostras estavam sendo trabalhadas transformou-se agora em gabinete de trabalho, vamos dizer em gabinete de crise. 

    Qual seria a aplicação da tecnologia 3D em relação ao acervo perdido? 

    Para você ter uma ideia nós temos toda a Luzia (o esqueleto humano mais antigo das Américas já encontrado) digitalizada em 3D, não só o crânio. O original sempre será o original, mas se eu quiser criar uma nova, igual à que estava na exposição, eu consigo fazer isso em três dias. Nós também podemos montar dinossauros inteiros. 

    Você não tem mais as impressoras 3D para trabalhar?  

    Eu tinha duas aqui, mas por esta questão de não ter verba para coisa alguma nos últimos anos, eu as retirei e mandei para fazer manutenção na PUC. Olha que estranho, elas iam voltar na quinta-feira [anterior ao incêndio, só que surgiu um problema. A energia seria interrompida e não teríamos elevador, por isso eu pedi que não as trouxessem de volta. Mas foi só isso que salvamos. 

    Você me disse, antes da entrevista, que pretende fazer uma reconstrução tridimensional do que restou do incêndio. 

    Já estamos fazendo, dois dias depois do incêndio nós conseguimos um drone que sobrevoou e filmou em alta definição todo o prédio. Nós vamos usar esses arquivos para uma modelagem. Há programas que fazem uma reconstrução tridimensional de como o prédio está, com escombros e objetos. Agora, cada pesquisador está desenhando num grande mapa como era o seu laboratório. Nós vamos comparar essas imagens com o modelo o 3D, que está sendo processado. Não está pronto ainda porque os computadores de alto desempenho queimaram e o trabalho está feito em computadores menores. 

     O que mudou na sua rotina após o incêndio, como tem sido o seu dia-a-dia? 

    Agora, por exemplo, eu, com mais pessoas desse gabinete de crise, estou fazendo um mapeamento de como era todo o museu. Para nós sabermos onde havia computadores, equipamentos. Poxa, nós tínhamos escâneres tridimensionais de última geração que durante o incêndio, devido à localização, caíram sobre os microscópios eletrônicos. Esses equipamentos são ultrassofisticados e devem agora estar fundidos, derretidos. Mas nós precisamos mapear isso para quando a gente entrar para o resgate, saber o que procurar. 

    “A reforma nos telhados do museu começou nos anos 90, o diretor na época fez reformas com o que conseguia fazer, a diretora seguinte reformou mais um pouco, tem sido assim até hoje. Tanto que uma semana antes de acontecer o incêndio se tentava novos projetos para fazer reformas.”

    por Sergio Alex Kugland de Azevedo
    Professor e pesquisador do Museu Nacional

    Vocês estão mapeando o problema para saber como enfrentá-lo? 

    Sim, e está todo mundo fazendo isso e ao mesmo tempo. Nós também estamos realocando o pessoal dos cursos de pós-graduação. Se parar esses cursos o museu para. A pós não parou, o museu queimou no domingo à noite, na segunda feira teve defesa de tese e na terça começaram as aulas. O museu não é só aquele prédio [apontando para o palácio]. Uma boa parte das coleções da paleontologia ainda estavam lá, mas não todas. Porque há muitos anos o museu desenvolve um plano e leva coleções para outros lugares. Que o Museu Nacional estava em risco não é novidade, nós sempre soubemos e quando conseguíamos um pequenino recurso tirávamos uma parte do acervo.  

    Várias pessoas com quem eu conversei estão motivadas, querendo colaborar nesse difícil momento. 

    O museu nunca foi desmotivado, sempre teve esse lado, sempre foi um lugar muito passional. Todo mundo fala isso e é verdade: é o melhor lugar do mundo para se trabalhar. 

    Os estudantes também estão participando? 

    Eles estão, mas num primeiro momento não quisemos impor riscos a eles, pois não sabíamos como estava a situação aqui. Assim, pedimos para eles ficarem em casa aguardando instruções. Nos dois primeiros dias eles ficaram desesperados, queriam saber tudo. A partir do terceiro dia, nós os informamos que íamos nos organizar e trazê-los para cá e poderiam participar do processo. Quando isso aconteceu, fez mudar complemente a visão deles pois, uma coisa é estar em casa sem saber o que se pode fazer para ajudar, a outra é você ser englobado. Voltou aquele espírito que nós tínhamos antes do incêndio, em que a todo mundo trabalhava junto. Isso de certa maneira integrou os diversos estudantes. 

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