Como um transplante de rosto mudou a vida de uma jovem mulher

Aos 18, Katie Stubblefield perdeu o rosto. Aos 21, ela se tornou a pessoa mais nova nos EUA a passar pela cirurgia – ainda experimental. Conheça sua história incrível.

Por Joanna Connors
fotos de Maggie Steber e Lynn Johnson
Publicado 14 de ago. de 2018, 08:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Na noite anterior ao transplante, Katie, cujo rosto destruído passara por uma reconstrução, gesticula para mostrar que está animada com a perspectiva de receber uma nova face. Ela compartilha o momento de felicidade com a amiga Diana Donnarumma e com a auxiliar de enfermagem Karnyia Wade.
Foto de Lynn Johnson
Capa da revista National Geographic Brasil de setembro de 2018: O novo rosto de Katie
Foto de Reprodução
Esta é uma história difícil de ser contemplada. Mas acredite: vale a pena. A nossa proposta é que você acompanhe a incrível jornada de uma jovem que fez um transplante de rosto, porque isso revela algo profundo sobre a nossa humanidade. A face revela quem nós somos, transmitindo um caleidoscópio de emoções. E é uma porta para o mundo das sensações, nos permitindo ver, cheirar, saborear, ouvir e sentir a brisa. Até que ponto somos o nosso rosto? Aos 18 anos, Katie Stubblefield perdeu o dela. Três anos depois, os médicos lhe deram um novo semblante. Esta é uma história de trauma, identidade, resiliên - cia, devoção – e de assombrosos avanços médicos.

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O rosto está numa bandeja, os olhos vagos, sem nada enxergar, e a boca entreaberta, como se exclamasse “Ó!”

Dezesseis horas atrás, na Sala de Operação 19 da Clínica Cleveland, os cirurgiões haviam começado o delicado trabalho de remover o rosto de uma mulher de 31 anos que, três dias antes, fora declarada morta em termos legais e clínicos. E logo mais o rosto dela vai ser implantado numa jovem de 21 anos, que há mais de três anos aguarda por tal oportunidade.

Por um instante, o semblante atônito repousa em sua solidão. Cirurgiões, residentes e enfermeiros, em silêncio, o fitam com admiração enquanto funcionários da clínica, como paparazzi gentis, entram com câmeras para registrar o momento. Privado de sangue, o rosto começa a empalidecer. A cada segundo que passa desconectado do corpo, ele vai adquirindo a aparência de uma máscara mortuária do século 19.

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    Trailer: O novo rosto de Katie
    Acompanhe a incrível jornada da família de Katie Stubblefield enquanto esperam por um doador para o transplante de face. Confira a reportagem completa na edição de setembro da revista National Geographic.

    Frank Papay, um experiente cirurgião plástico, agarra a bandeja com cuidado nas mãos enluvadas e caminha até a Sala de Operação 20, onde o espera Katie Stubblefield. Katie é a pessoa mais jovem a receber um transplante de rosto nos Estados Unidos. Seu transplante, o terceiro realizado na clínica e o 40 o no mundo, será um dos mais abrangentes, o que vai fazer dele um tema de muito interesse e estudo no campo desse procedimento cirúrgico ainda experimental.

    Olhando para o rosto que leva na bandeja, Papay sente uma espécie de reverência. É algo incrível, pensa, o que algumas pessoas acabam fazendo por outras – dando-lhes um coração ou um fígado e, neste caso, até mesmo um rosto. Ele faz uma prece silenciosa de agradecimento e então leva o rosto até sua próxima existência.

    Após 16 horas na mesa de operações da Clínica Cleveland, no estado americano de Ohio, os cirurgiões terminam a intricada tarefa de remover o rosto de uma doadora de órgãos. Admirados com a cena, a equipe de transplante fica em silêncio quando funcionários da clínica fotografam o rosto. Outras 15 horas ainda seriam necessárias para os cirurgiões implantarem o rosto em Katie Stubblefield.
    Foto de Lynn Johnson

    NÓS, SERES HUMANOS, fazemos parte de um grupo muito exclusivo: o dos animais que se reconhecem ao verem o próprio rosto num espelho. Além de nós, os grandes primatas, os elefantes-asiáticos, as aves pegas-rabilongas e os golfinhos-nariz-de-garrafa são os únicos outros animais em que tal capacidade de reconhecimento foi comprovada. Mas apenas os seres humanos são conhecidos por expressar decepção ao fitarem os próprios reflexos.

    Enquanto olhamos o nosso rosto em busca de rugas e defeitos, quase sempre deixamos de notar esse órgão maravilhoso. Ele é a parte mais marcante do corpo visível, um mosaico de ele - mentos físicos e psíquicos. Dos órgãos corporais, o rosto está entre aqueles que desempenham mais funções: ele confere e confirma a identidade, expressa emoção, executa funções básicas de manutenção da vida e nos permite experimentar o mundo através dos sentidos.

    Desde que nascemos, somos atraídos pelos rostos. Os recém-nascidos se voltam para eles assim que saem do útero. Os bebês reagem e arremedam as nossas expressões faciais como se tivessem recebido uma missão para agir assim. Esse estudo pormenorizado do semblante alheio é o modo como todos nos lançamos na tarefa de entender o curioso negócio de ser humano. Em termos evolucionários, foram os rostos que possibilitaram que nos tornássemos animais sociais.

    À esquerda: Katie Stubblefield, que recebeu o transplante, em 2013. À direita: Adrea Schneider, a doadora, em 2017.
    Foto de RETRATO DA FAMÍLIA STUBBLEFIELD à esquerda e da família BENNINGTON à direita.

    O rosto é a imagem externa que atribuímos ao sentimento interno de um eu, àquilo que somos e ao modo como nos encaixamos no mundo. Os rostos nos enraízam em nossa cultura. Em alguns lugares, os rostos devem se manter velados e ocultos. Em outros, pelo contrário, eles são um foco de atenção, e neles são expostos tatuagens, piercings, marcas. No mundo contemporâneo, muitas vezes o rosto é visto como uma tela em branco, a ser manipulada por meio de cirurgias plásticas ou complexas técnicas de maquiagem. Se permitirmos que envelheça, o rosto conta a nossa história de vida. Ele nos conecta não só com o passado de nossos ancestrais mas ainda com o futuro de nossos filhos.

    No plano mais simples da identidade, o rosto funciona como a foto de passaporte que apresentamos para o mundo. Mas ele também é o modo pelo qual os outros procuram nos conhecer mais profundamente, a fim de vislumbrar quem somos por trás da foto. “A aparência é a parte mais pública do eu. É o nosso sacramento, o eu visível que, para o mundo, reflete o eu interior e invisível”, escreveu a psicóloga Nancy Etcoff, da Faculdade de Medicina de Harvard, no livro A Lei do Mais Belo – A Ciência da Beleza.

    Na UTI, um residente cirúrgico ampara com cuidado a cabeça de Katie a fim de mantê-la imóvel, após o término do procedimento de 31 horas. De modo a proteger os olhos, as pálpebras foram suturadas. Após o transplante, Katie ainda teria de passar por operações corretivas adicionais e muitos meses de reabilitação.
    Foto de Lynn Johnson

    Vá para diante do espelho. Pense em tudo o que dá para fazer com esse rosto. Você pode beijar, morder uma maçã, cantar, suspirar. Sentir o cheiro da grama recém-cortada. Pode olhar para o seu bebê e roçar a sua bochecha na dele. Além de mostrar as nossas emoções, os rostos aprimoram a capacidade que temos de nos comunicar por meio da linguagem falada. Articulamos as mais diversas expressões enquanto conversamos, muitas vezes sem sequer nos darmos conta.

    Sob esse rosto surpreendente, dispomos de 43 músculos miméticos para expressar as emoções e articular a fala. Temos quatro músculos principais em cada lado da face que movem as mandíbulas, assim como músculos linguais complexos que auxiliam na deglutição e na fala. O rosto compõe-se ainda de camadas com vasos sanguíneos, nervos sensoriais e nervos motores, cartilagem, ossos e gordura. Os nervos cranianos controlam os músculos motores e transmitem informações sensoriais ao cérebro, permitindo- -nos ver, cheirar, saborear, ouvir e sentir o tato.

    Agora volte ao espelho. Veja o seu rosto incrível. Imagine o que significaria perder isso.

    Assine para ler a reportagem completa na edição de setembro da revista National Geographic.
    Aproveitando um dia ensolarado de primavera um ano antes do transplante de rosto de Katie Stubblefield, ela e seus pais, Robb e Alesia Stubblefield, desfrutam de um cochilo em um parque próximo à Cleveland Clinic. Com Katie em uma cadeira de rodas, os três exploraram o parque, caminhando por entre árvores floridas e o cantar dos pássaros. O passeio foi realizado depois de Katie ter passado um mês no hospital. Para reposicionar seus olhos, ela passou por uma cirurgia para implantar o que é conhecido como “dispositivo de distração”. Nos três anos anteriores ao transplante, Katie foi hospitalizada mais de uma dúzia de vezes.
    Foto de Maggie Steber

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