Famosa “Menina Afegã” finalmente consegue um lar

Mais de 30 anos após sair de sua pátria Afeganistão como refugiada, Sharbat Gula ganhou uma casa permanente.

Por Nina Strochlic
Publicado 18 de dez. de 2017, 16:25 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT

Uma das mais famosas refugiadas do mundo finalmente tem uma casa. E uma grande casa.

Sharbat Gula, que se tornou um ícone instantâneo ao aparecer na capa da revista National Geographic de junho de 1985 (em inglês), então uma refugiada de 12 anos de idade, agora é proprietária de uma casa de 280 metros quadrados decorada a seu gosto, na capital do Afeganistão.

A casa é um presente do governo afegão à Sharbat Gula, que agora tem 45 anos, além de um salário de aproximadamente R$ 2.400 mensais, para despesas do cotidiano e tratamento médico, de acordo com Najeeb Nangyal, porta-voz do Ministério da Comunicação do Afeganistão.

A edição de junho de 1985 da National Geographic rendeu uma fama mundial para a “menina afegã”.
Foto de Capa de Steve McCurry, National Geographic Creative

Sharbat Gula, conhecida na maior parte do mundo simplesmente como a “menina afegã”, recebeu as chaves de sua casa no final do mês passado, em uma cerimônia conduzida por autoridades do governo afegão. Isso acontece após três décadas como refugiada no Paquistão e um conturbado ano passado no retorno ao Afeganistão.

Os olhos verdes penetrantes de Sharbat Gula a tornou um ícone instantâneo. Órfã desde os 6 anos, durante a invasão soviética no Afeganistão, ela viajou a pé até o Paquistão com seus irmãos e sua avó. A imagem dela, feita pelo fotógrafo Steve McCurry, involuntariamente a tornou símbolo da situação de milhares de refugiados afegãos que corriam para o Paquistão. Em sua terra natal, ela ficou conhecida como a “Mona Lisa afegã”.  

Agora, ela se tornou um símbolo do retorno ao Afeganistão – centenas de milhares de refugiados tentam voltar ao país após décadas longe de casa.

UM LONGO CAMINHO AO LAR

Sharbat Gula foi presa no final do ano passado por usar um documento de identidade paquistanês falsificado – uma prática comum entre 1 milhão de refugiados afegãos que vivem no país ilegalmente. Ela defrontou-se com uma pena de até 14 anos de prisão e multa equivalente a R$ 16.700. (Leia a notícia de sua prisão)

Na época, ela cuidava de quatro crianças e sofria de hepatite C, doença que matara seu marido anos antes.

“Quando o Paquistão a prendeu e a acusou [de ter] uma identidade falsa, isso se transformou em uma causa nacional dos afegãos e do governo do Afeganistão”, diz Nangyal.

Após duas semanas de detenção, Sharbat Gula foi solta e retornou para o Afeganistão com suas filhas. “O Afeganistão é apenas meu lugar de origem, mas o Paquistão era a minha terra e eu sempre o considerei meu próprio país”, ela disse à AFP antes de partir. “Eu estou triste. Não tenho outra opção a não ser ir embora.”

Só em 2016, 370 000 refugiados registrados no Paquistão retornaram (em inglês) ao Afeganistão. Nos últimos anos, outras dezenas de milhares regressaram à sua terra natal vindos do Irã e da Europa, muitas vezes por repressão ou deportação. Um número indefinido de refugiados não registrados – como Sharbat Gula – também voltou.

“Essa mulher é um símbolo para os afegãos e também um símbolo para o Paquistão”, diz Heather Barr, pesquisadora da Human Rights Watch (HRW) que trabalhou no Afeganistão por 10 anos. “A forma como ela apareceu diante da mídia pelo Paquistão passou um sentimento de humilhação ao governo afegão: aqui está a mulher que teve de fugir do seu país para o nosso. O governo do Afeganistão respondeu ostentosamente com sua acolhida. A mensagem foi: nós podemos tomar conta do nosso povo.”

Sharbat Gula foi saudada pelo presidente Ashraf Ghani, que lhe deu a chave de um novo apartamento e lhe garantiu cuidados de saúde e educação para as crianças. “Eu lhe dou as boas-vindas no retorno ao seio da pátria”, disse Ghani em uma pequena cerimônia. “Eu já falei várias vezes, e gostaria de repetir novamente, que nosso país estará incompleto até recuperarmos todos os nossos refugiados.”

Mas, em setembro, o sobrinho de seu marido morto, Niamat Gul, reclamou à mídia afegã que o governo ainda não pagara o aluguel deles. Nangyal, porta-voz do governo, diz que o aluguel e as despesas diárias têm sido pagos desde que ela retornou ao Afeganistão. Quando ela pediu uma casa mais tradicional, ele diz, ela foi realocada para um aluguel de 10 cômodos próximo ao palácio presidencial, até que uma casa permanente fosse comprada.

Agora, diz Gul, as pessoas inspiradas na história de Sharbat Gula têm ido a sua nova casa para tirar fotos e levar presentes. “Ela está feliz porque o Afeganistão a respeita”, ele diz.

A nova casa tem segurança, mas eles são precavidos em relação a quem convidam para entrar. Gul explica que a atenção que ela recebe depois de ter sido personagem da capa da National Geographic a coloca em risco diante dos afegãos conservadores que não acreditam que mulheres devam aparecer na mídia.

Seu nome na escritura a coloca entre os 17% das mulheres afegãs que são donas das próprias casas.

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    PERDIDA E ENCONTRADA

    Os últimos 15 anos têm sido de uma afobada atenção da mídia em torno de Sharbat Gula. A identidade da “Menina Afegã” era desconhecida até 2002, quando Steve McCurry, o primeiro a fotografá-la, a rastreou e a encontrou nas montanhas da fronteira do Afeganistão com o Paquistão. Um analista do FBI, um escultor forense e o inventor do reconhecimento da íris verificaram sua identidade (em inglês). Ela apareceu novamente na capa da National Geographic, uma das poucas pessoas a ter tal destaque duas vezes.

    Na época, Sharbat Gula era uma mulher casada e mãe de três filhas, e nem tinha ideia de que seu rosto era reconhecido no mundo inteiro. Na ocasião, ela disse a McCurry que esperava que suas filhas pudessem ter a educação que ela nunca teve.

    Agora elas terão. Suas filhas estão matriculadas para a escola no próximo ano, diz Gul, e “elas vão completar seus estudos, Inshallah.”

    O governo afegão tem a encorajado a expandir esse sonho. Nangyal, o porta-voz, sugeriu que ela lançasse uma fundação para educar e empoderar mulheres e crianças, particularmente as repatriadas, e ela está pensando nisso. “Minha mensagem a todas as irmãs é para não casar suas filhas tão cedo”, ela disse à BBC Persia. “Deixem-nas completar seus estudos da mesma forma que seus filhos.”

    Mas as próprias filhas de Sharbat Gula estão voltando a um Afeganistão que pode oferecer piores perspectivas do que sua mãe tivera 30 anos atrás. Hoje, apenas metade das meninas afegãs vão à escola, e a maioria delas abandona os estudos entre 12 e 15 anos. Em áreas rurais, o número de garotas na escola está em declínio.

    Barr, da Human Rights Watch, diz que o Afeganistão está atrás do Paquistão e do Irã no quesito igualdade de gênero, países que, juntos, receberam seis milhões de refugiados afegãos durante a Guerra Soviética. Mulheres e meninas que retornam ao Afeganistão precisam se adaptar a ter uma companhia masculina a escoltando fora de casa, ou para tomar decisões por elas. Às vezes, ela diz, essas repatriadas são “vistas como imorais ou indecentes” por terem crescido no exterior.

    Como afegãos voltam para a pátria em grandes grupos – o Afeganistão agora recebe por volta de três milhões de refugiados internos ou de regresso –, essas dinâmicas expõem mulheres e crianças repatriadas a riscos de violência sexual e de gênero, diz Manizha Naderi, diretora executiva da Women for Afghan Women.

    “Enquanto [Sharbat Gula] teve recepção calorosa no retorno ao Afeganistão, milhares de outras mulheres afegãs são forçadas a retornar sem família, casa, emprego ou possibilidade de uma vida segura e estável”, ela diz.

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