O movimento que incentiva viagens sustentáveis sobreviverá ao coronavírus?

Especialistas em viagens dizem que a pandemia não afetará o apelo de ambientalistas por viagens em ritmo mais lento e menos voos.

Por Sarah Gibbens
Publicado 12 de mai. de 2020, 07:30 BRT
Viajantes chegando aos portões de embarque no Aeroporto Internacional de Milão-Malpensa, na Itália, em 2016.

Viajantes chegando aos portões de embarque no Aeroporto Internacional de Milão-Malpensa, na Itália, em 2016.

Foto de Camilla Ferrari

PARA REDUZIR AS CONSEQUÊNCIAS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS em 2019, um movimento ambiental mundial chamado “vergonha de viajar de avião” passou a incentivar os viajantes a evitar viagens aéreas. Agora uma pandemia está forçando todos a fazer isso.

O Dia da Terra de 2020 — que marca o 50º aniversário da iniciativa ambiental — chegou em um momento em que tanto a crise climática quanto a de saúde em todo o mundo estão forçando a indústria de viagens a reavaliar o seu futuro.

Globalmente, o setor de transportes é responsável por um quarto das emissões de carbono. A aviação representa pouco mais de 2% dessa fatia e, antes do início deste ano, o número de pessoas a optar por viagens aéreas comerciais vinha aumentando consistentemente.

Mas a preocupação com o dano irreparável causado pelas emissões de carbono dos voos está fazendo com que um grupo cada vez maior de viajantes mude seus hábitos. Os defensores de um turismo mais ecológico estão otimistas de que o surto de coronavírus não vai mudar essas escolhas.

Conscientização cada vez maior

Segundo o Conselho Internacional de Meios de Transporte Ecologicamente Corretos (ICCT), o país responsável pela maior parte das emissões de carbono relacionadas à aviação são os Estados Unidos, seguido da China. Uma pesquisa realizada pelo ICCT em 2017 constatou que uma pequena parcela da população produz a maior parte das emissões de carbono. Vamos observar da seguinte perspectiva: naquele ano, 12% dos norte-americanos representavam 68% das viagens aéreas no mundo; pouco mais de 50% dos norte-americanos disseram que nunca haviam viajado de avião.

Essa disparidade alimentou o movimento vergonha de viajar de avião.

“No verão passado, fui de trem para Barcelona”, diz Clare Farrell que mora no Reino Unido, cofundadora do grupo de defesa ambiental Extinction Rebellion, importante defensor da restrição a viagens aéreas. “Levei minha bicicleta no trem e foi superbacana. É uma forma muito agradável de viajar, em comparação com a lenga-lenga do aeroporto.”

Em 2018, Farrell e vários outros ativistas fizeram greve de fome para protestar contra a expansão do aeroporto de Heathrow em Londres. O movimento vergonha de viajar de avião ganhou maior visibilidade nos Estados Unidos em setembro passado, quando a ativista jovem Greta Thunberg navegou pelo Atlântico para chegar a uma Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU na cidade de Nova York.

Será que o movimento vergonha de viajar de avião resultou em uma redução nos voos? Depende para quem a pergunta é feita — e onde essas pessoas moram. Uma pesquisa com seis mil pessoas nos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e França, realizada pelo banco suíço UBS no final do ano passado, constatou que 21% das pessoas optaram por viajar menos de avião. Essa informação contraria as estatísticas que indicam que 2019 foi um ano recorde para viagens aéreas nos Estados Unidos. Dados da Agência de Estatísticas de Transportes dos Estados Unidos mostram que 926 milhões de pessoas realizaram viagens aéreas em 2019, um aumento de 4% em relação ao ano anterior e 9% em relação aos dois anos anteriores.

Em fevereiro de 2020, ativistas ambientais protestaram em Londres, na Inglaterra, contra uma proposta de expansão do Aeroporto de Heathrow.

Foto de Leon Neal, Getty Images

Scott Mayerowitz, diretor editorial executivo do site de viagens The Points Guy, diz que, embora sua comunidade de leitores e viajantes esteja consciente de sua pegada ecológica, esse não é um fator determinante na escolha de se fazer ou não uma viagem. “Definitivamente houve um interesse das pessoas [em reduzir sua pegada de carbono]”, diz ele. “Ninguém quer prejudicar o clima, [mas] considerar isso na hora de viajar nunca foi o foco da maioria dos viajantes.”

“Por mais que eu queira ser ecologicamente correto, o custo pesa mais na escolha”, diz Aalia Udalawa, consultora do PKG HotelExperts e viajante ávida. Ela estima que gastaria até 20% a mais em viagens mais sustentáveis, mas conta que muitas das opções mais ecológicas que considerou estão acima de seu orçamento.

Esses relatos foram feitos em uma pesquisa da National Geographic e da Morning Consult. Em uma pesquisa realizada pouco antes da pandemia da covid-19, perguntamos aos nossos leitores se pagariam mais caro para garantir que suas férias fossem ecologicamente corretas. Uma pequena maioria de 53% indicou que não pagaria mais (ou não tinha opinião sobre o assunto). Esse retrato representa opiniões de antes do coronavírus. Não há um consenso sobre o que o futuro reserva.

O desafio de incentivar os viajantes a fazer escolhas sustentáveis foi apresentado em outra matéria da National Geographic de 2019. De acordo com a pesquisa realizada com 3,5 mil adultos, enquanto 42% dos viajantes dos Estados Unidos estariam dispostos a priorizar viagens sustentáveis no futuro, apenas 15% desses viajantes conheciam o significado de viagens sustentáveis. No futuro, haverá oportunidades para incentivar os viajantes a focar em práticas ecológicas, proteger os patrimônios culturais e naturais e apoiar os interesses sociais e econômicos das comunidades locais, entre outros objetivos.

Ponderando as alternativas

Com maior interesse em viagens mais ecológicas, as opções também aumentam. “Observamos diversos viajantes considerando alternativas diferentes aos voos”, diz Shannon McMahon, editora da revista de viagens online SmarterTravel.com, um site do Trip Advisor. “Os viajantes parecem estar adotando uma abordagem mais holística sobre como podem contribuir com a redução das emissões de carbono hoje em relação ao passado.”

Viajar sobre trilhos é uma das opções. Embora muitas vezes leve mais tempo e uma viagem de trem seja mais cara, a pegada de carbono é menor. Um voo de passageiros de Paris a Barcelona emite em média 238 quilos de dióxido de carbono, enquanto a mesma viagem de trem emite apenas 11 quilos.

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    Duas mulheres no trem Shinkansen, pouco antes de partir de Tóquio.

    Foto de Camilla Ferrari

    Na Europa, onde o movimento vergonha de viajar de avião entrou na moda, os trens foram promovidos como o meio de transporte mais sustentável para viagens. A infraestrutura ferroviária modernizada, incluindo trilhos e estações novos, ajuda nessa escolha. Os trens de passageiros da Europa são, em sua maioria, eletrificados, ao contrário dos trens dos Estados Unidos, que utilizam tanto energia elétrica quanto diesel. É importante ressaltar que a forma como um país gera eletricidade deve ser considerada para o cálculo de opções de viagens ecológicas. Um trem elétrico que capta energia a partir de energia renovável ou nuclear (forma como a maioria da energia na França é produzida, por exemplo) gera menos emissões do que um trem com eletricidade gerada a partir do carvão.

    As compensações de carbono são outra alternativa para viajantes em busca de opções ecologicamente corretas. Sentindo a pressão de seus clientes, as companhias aéreas, incluindo a JetBlue, adotaram programas de compensação para reduzir seu impacto. Mas ainda está em debate se essa estratégia climática é eficaz. Ativistas ambientais dizem que as compensações simplesmente nos ajudam a viajar de avião sem culpa, sem que ocorra uma redução significativa do nosso impacto.

    “É uma forma falha de lidar com as mudanças climáticas, pois a maior parte das emissões é gerada por pessoas com maior poder aquisitivo — pessoas que poderiam mudar sistemas e hábitos”, diz Farrell. “Acaba promovendo a ideia de que o problema pode ficar para a próxima geração.”

    Essas decisões complicadas podem fazer com que a ideia de viajar pareça assustadora demais, mas isso não significa que não valha a pena, dizem os defensores.

    “É um equilíbrio delicado”, diz Mayerowitz. As viagens provocam emissões de carbono, mas também enriquecem pessoas e comunidades. Ele, por exemplo, adora caminhar, por isso, às vezes, viaja de avião ou dirige para chegar às trilhas. Mas, devido a essas viagens, Mayerowitz defende os parques nacionais e transmite seu amor por eles a um público mais amplo.

    Kelley Louise, fundadora e diretora executiva da Impact Travel Alliance, uma organização sem fins lucrativos que promove viagens sustentáveis, diz que, em vez de interromper completamente as viagens, sua organização defende a inovação. Um dos conceitos é o slow travel (viagens em ritmo mais lento), uma filosofia e prática que enfatiza estadias mais longas, transporte alternativo (como trens e bicicletas), imersão cultural, aluguel de temporada e destinos menos comuns.

    “O ato de viajar tem uma grande capacidade de transformar as pessoas em defensoras da natureza e da conservação”, diz ela. “Portanto, se os profissionais de turismo começassem a dizer que a única coisa a ser feita é parar de viajar, perderíamos todos os belos elementos que as viagens nos proporcionam.”

    Sobrevivendo à pandemia

    Poucas pessoas ou segmentos da economia mundial foram poupados do surto de coronavírus, algo que é particularmente verdade no setor de viagens.

    “Nunca houve tanta riqueza e conectividade no mundo”, diz Mayerowitz sobre a vida antes do coronavírus. “A rápida disseminação dessa pandemia nos mostrou o quanto estamos conectados. Havia voos sem escala de cidades menos procuradas nos Estados Unidos para cidades menos procuradas na China.”

    Mas o que acontecerá quando as proibições de viagem forem suspensas? As viagens sustentáveis serão desconsideradas em um mundo com riqueza redistribuída e maior cautela na conectividade?

    “As viagens sustentáveis vêm aumentando há anos. Além de ser improvável que uma pandemia global mude isso — pode até fazer com que as viagens sustentáveis tenham ainda mais importância do que nunca”, diz McMahon.

    Embora os eventos não sejam os mesmos, McMahon observa que o turismo teve uma queda após os ataques terroristas de 11 de setembro e durante a Grande Recessão de 2008. Mas depois houve uma recuperação no setor, primeiramente nas viagens locais ou regionais e, posteriormente, nas viagens internacionais.

    “A tendência é que os viajantes comecem viajando a destinos mais próximos de casa — se as tendências passadas forem consistentes — e passem a frequentar os restaurantes locais, a passar fins de semana em uma região próxima ou a viajar dentro do país antes de haver uma demanda sólida por viagens internacionais”, diz McMahon.

    Mayerowitz acredita que os viajantes procurarão férias que os conectem a outras pessoas. “As pessoas vão querer fazer passeios locais, viagens com toda a família”, diz ele.

    Louise, da Impact Travel Alliance, prevê que o movimento de viagens sustentáveis acompanhe o ritmo. Ao passo que o turismo em massa esteja ligado às mudanças climáticas, ao turismo nocivo e a experiências de viagem convencionais, ela diz, o turismo sustentável oferece uma alternativa mais saudável para as comunidades e para o planeta.

    “A minha esperança para a indústria é que, quando a pandemia terminar, poderemos explorar o mundo com um renovado senso de atenção, curiosidade e apreciação”, diz ela.

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