Viagens aéreas mais ecológicas dependerão destas novas tecnologias
Céu sobre Colônia, na Alemanha, riscado por rastros de condensação de aviões. Os poluentes desses chamados “rastros” contribuem para as mudanças climáticas e, por isso, pesquisadores estudam maneiras de eliminá-los — uma das inúmeras iniciativas em andamento para tornar as viagens aéreas mais sustentáveis.
Eis uma palavra que pode ter ficado esquecida: flygskam, que significa, em sueco, “vergonha de voar”. Em 2020, um ano em que houve uma redução de 66% nos voos em comparação com 2019, talvez se pudesse pensar que a flygskam deixou de existir.
Contudo, com o aumento do tráfego aéreo nos últimos anos – e o retorno das viagens devido às vacinas contra a covid-19 – a flygskam está de volta. O termo foi cunhado em 2017 como parte de uma campanha para mudar as viagens aéreas, incluindo aspectos como a frequência de voos e as tecnologias das aeronaves. Seu objetivo? Atenuar as emissões de dióxido de carbono que, segundo especialistas, podem triplicar até 2050.
A aviação representa uma parcela relativamente pequena das emissões globais: 2,5%. Embora responsáveis maiores, como a produção de energia e a agropecuária, gerem mais emissões, também beneficiam bilhões de pessoas. As emissões das companhias aéreas, por outro lado, resultam sobretudo de viajantes ricos dos países mais ricos: passageiros da classe executiva produzem seis vezes mais carbono do que os da classe econômica e 1% dos passageiros mais frequentes são responsáveis por metade de todas as emissões de carbono da aviação.
A diminuição das viagens causada pela pandemia será suficiente para mudar a aviação e produzir benefícios ambientais duradouros? Em 2020, a queda no tráfego aéreo provavelmente reduziu as emissões de carbono em centenas de milhões de toneladas. Alguns cobram para que essas reduções se tornem permanentes, eliminando rastros de condensação, produzindo novos combustíveis, melhorando a navegação, entre outras soluções. Com a aproximação das mudanças climáticas de um ponto sem retorno já em 2035, iniciativas precisarão ser enérgicas.
É evidente que menos viagens aéreas produziriam um impacto ainda maior, e há campanhas para que as pessoas viajem de avião apenas uma vez por ano, façam intervalos nas viagens aéreas por um ano e participem virtualmente de conferências. Ainda assim, as viagens aéreas foram retomadas, então, quanto mais limpas, melhor. Seguem algumas maneiras de tornar as viagens aéreas mais limpas nos próximos anos.
Reduzindo rastros dos poluentes
A aviação emite mais do que dióxido de carbono: também produz vapor d’água, aerossóis e óxidos de nitrogênio. Esses poluentes absorvem mais energia recebida do espaço do que é refletida de volta, provocando o aquecimento da atmosfera da Terra, o que significa que o impacto da aviação sobre o aquecimento pode ser ainda maior do que sua pegada de carbono.
Motores de turbinas de aeronaves comerciais, como este em uma oficina de manutenção em Singapura, dependem de propulsores movidos a querosene. As companhias estudam biocombustíveis e combustíveis sintéticos capazes de reduzir as emissões de dióxido de carbono.
Airbus A300-600R faz aproximação antes do pouso. A empresa planeja colocar um avião movido a hidrogênio em operação até 2035.
O pior dos impactos não relacionados ao carbono é proveniente dos rastros de condensação: a fumaça em formato linear emitida pelo escapamento do motor dos aviões. Um pequeno número de voos é responsável pela maioria dos rastros, pois estes se formam apenas em faixas atmosféricas estreitas, onde o clima é frio e úmido o suficiente.
Evitar essas zonas pode fazer uma grande diferença na limitação da poluição da aviação não devida ao carbono. Uma pesquisa sobre o espaço aéreo do Japão constatou que modificar um número reduzido de rotas aéreas de modo a evitar essas zonas poderia diminuir os efeitos dos rastros sobre o clima em 59%.
A mudança necessária seria de apenas 600 metros acima ou abaixo nessas regiões. Embora manter um avião a uma altitude maior ou menor possa reduzir sua eficiência e exigir mais combustível de aviação, o artigo concluiu que limitar os rastros ainda assim compensaria quaisquer emissões adicionais de carbono.
“Há uma percepção crescente de que o impacto dos rastros é um componente bastante significativo dos impactos climáticos da aviação”, afirma Marc Stettler, um dos autores do artigo e professor de transporte e efeitos ambientais da Faculdade Imperial de Londres.
Os pontos onde podem se formar rastros mudam diariamente, por isso, as companhias aéreas necessitariam de previsões meteorológicas precisas, englobando diversos dias para evitar os rastros. Futuramente, os pilotos poderiam comunicar rastros, assim como o fazem atualmente com turbulências, para que outros aviões pudessem ajustar as trajetórias de seus voos.
Em 2020, a Eurocontrol, autoridade de aviação da União Europeia, começou a se preparar para realizar testes em um projeto de prevenção de rastros. Stettler e seus colegas planejam continuar a pesquisa sobre como implementar mudanças que possam reduzir os rastros.
“Essa é a maneira mais imediata possível de reduzir o impacto climático da aviação”, observa.
Explorando combustíveis alternativos
Aviões comerciais dependem de propulsores movidos a querosene, mas as companhias estudam transformar biomassas, como óleo vegetal e até mesmo fraldas usadas em combustíveis para aviação. Algumas pesquisas sugerem que esses biocombustíveis podem reduzir a poluição por carbono de aviões em mais de 60%. Mas nem todos os biocombustíveis são iguais.
Materiais que poderiam ser transformados em alimentos não são sustentáveis devido à população crescente do planeta, que necessita de lavouras para sua subsistência. Óleo de cozinha usado e sobras de polpas vegetais da agricultura ou extração de madeira são dispendiosos e não são produzidos em escala grande o suficiente para fazer uma diferença significativa. Mas isso não significa que outros combustíveis de aviação sustentáveis não serão desenvolvidos.
“A aviação é considerada por muitos um setor difícil de acabar com a emissão de carbono”, afirma Andrew Murphy, diretor de aviação da Transport and Environment, organização não governamental europeia. “Mas não é bem assim. A verdade é que não se tentou isso.”
Alguns campos mais promissores são o de eletrocombustíveis ou “combustíveis sintéticos”, que não requerem a reformulação dos motores. Para produzir eletrocombustíveis (também chamados de e-combustíveis), é utilizada energia – se possível, de fontes renováveis – para decompor a água em hidrogênio e oxigênio. O hidrogênio é então combinado com o dióxido de carbono para produzir o combustível de aviação. A KLM realizou recentemente seu primeiro voo movido a combustível sintético.
Outra iniciativa implica a extração de carbono da atmosfera para utilizá-lo como ingrediente na produção de combustível. Embora essa tecnologia ainda esteja em estágios preliminares, não significa que esteja distante.
“A pandemia demonstrou que novas tecnologias podem ser agilizadas se houver disposição para isso”, ressalta Murphy.
Mudando para energia elétrica ou híbrida
Carros não são o único meio de transporte em um processo de inovação elétrica. Uma contagem identificou 100 projetos de aeronaves elétricas em andamento.
Os primeiros voos movidos a eletricidade serão em aviões pequenos com alcance limitado a algumas centenas de quilômetros. A Noruega, um país com inúmeras ilhas e terreno montanhoso e que portanto necessita de aeronaves menores, declarou que todos os seus voos de curta distância serão realizados em aeronaves elétricas até 2040. Algum dia, regiões pouco movimentadas poderiam ter novas rotas atendidas exclusivamente por aviões elétricos.
“Uma enorme frota dessas poderia mudar radicalmente os sistemas de transporte locais”, afirma Ron Steenblik, ex-diretor da iniciativa de subsídios globais do grupo canadense International Institute for Sustainable Development.
Avião desce ao nascer do sol na Cidade do México. Atualmente, inteligência artificial é empregada em iniciativas de melhorias da navegação aérea e para reduzir atrasos que fazem com que aviões fiquem parados na pista ou aguardem no ar circulando o aeroporto.
Distâncias maiores ou aviões maiores movidos a eletricidade não são algo previsto para curto prazo. Mas algumas companhias estudam um sistema híbrido de eletricidade e hidrogênio, o que poderia ampliar seu alcance. A Boeing e outras companhias também cogitam o uso de hidrogênio como meio de propulsão, até mesmo em vez da eletricidade. A Airbus revelou recentemente três diferentes aviões movidos a hidrogênio e tem planos para colocar um deles ou aeronave semelhante em operação até 2035.
“Nosso objetivo não é apenas tornar tecnicamente possível um avião com essas características”, observa Glenn Llewellyn, vice-presidente do projeto de aeronaves de emissão zero da Airbus. “Buscamos viabilidade econômica”.
Em 1937, o desastre do Hindenburg encerrou a primeira era do hidrogênio. A indústria da aviação experimentou e abandonou novamente um projeto de hidrogênio em 2010, após considerá-lo dispendioso demais. Mas Llewellyn ressalta que o hidrogênio foi aprimorado por outras indústrias, como automobilística e espacial, comprovando sua segurança, inovando seus usos e reduzindo seus custos.
“O ecossistema está evoluindo de maneira muito diferente de 10 anos atrás”, comenta Llewellyn. “O cenário atual está muito mais propício.”
Atualizando a navegação
As companhias aéreas utilizam computadores para ajudar a otimizar itinerários e o planejamento há décadas, mas agora a inteligência artificial (IA) está sendo utilizada na busca de novas maneiras de reduzir a demanda por combustível de aviação.
A Air France, a Norwegian e a Malaysia Airlines já adotaram a tecnologia denominada Sky Breathe que depende de big data e IA para analisar bilhões de registros de voos na tentativa de encontrar métodos de economia de combustível. A companhia responsável pela Sky Breathe afirma que economizou para seus clientes mais de US$ 150 milhões em 2019 e reduziu as emissões de CO2 em 590 mil toneladas.
A Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA, na sigla em inglês) está no meio de uma atualização de muitos anos denominada NextGen, que consiste em uma série de sistemas interligados para melhorar a observação, a navegação e a comunicação do controle de tráfego aéreo. A FAA explica que a tecnologia permitirá programar pousos e decolagens com intervalos menores e diminuir atrasos que deixam aviões parados na pista ou aguardando no ar circulando o aeroporto.
“A IA é excelente para identificar padrões”, observa Ashish Kapoor, pesquisador de IA da Microsoft que desenvolve projetos de aviação. “Há anos de experiência acumulados em voos de aviões e, por isso, há uma abundância de dados disponíveis.”
Haverá mais dados à medida que os aviões forem equipados com sensores, o que produzirá informações adicionais para desenvolver melhorias. Todos esses dados podem transformar a próxima era da aviação. Algoritmos poderiam elaborar novos projetos de aviões e planos de voo de modo a considerar a velocidade, o conforto e as emissões.
“A evolução na aviação não precisa ocorrer como nos últimos cem anos”, afirma Kapoor.
Contudo, para permitir isso, a evolução precisa ir além das tecnologias. Será necessário mudar a legislação dos países, e as companhias aéreas terão de financiar pesquisas caras. Será preciso incentivo para que a indústria da aviação se torne sustentável. Janice Lao-Noche, cientista ambiental e economista de desenvolvimento, acredita que será preciso muita flygskam e talvez restrições de mais interrupções de voos devido às mudanças climáticas para que todas as inovações sejam implementadas.
“Acredito que não seja algo irrelevante”, reitera Lao-Noche. “Mas será, com o perdão do trocadilho, uma jornada turbulenta para a indústria da aviação.”
Jackie Snow é redatora de tecnologias e viagens, e reside em Washington, D.C., nos Estados Unidos. Siga-a no Instagram.
Este artigo foi atualizado para incluir uma referência ao primeiro voo da KLM movido a combustível sintético.