Água salgada em Marte poderia abrigar vida semelhante à da Terra

O mais recente olhar sobre possíveis salmouras “muda completamente nossa compreensão sobre o potencial de vida em Marte nos dias atuais”.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 29 de out. de 2018, 17:11 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um novo olhar à química de Marte sugere que micróbios aeróbicos e, em alguns casos, até animais simples como esponjas poderiam sobreviver em potenciais salmouras na superfície do planeta vermelho.
Foto de NASA, JPL, Malin Space Science Systems

 

É improvável que Marte abrigue formas de vida como as que conhecemos. A superfície é bombardeada por radiação nociva ao DNA. Só foi confirmada a presença de água na frígida paisagem sob a forma de gelo e minerais hidratados. E mal existe oxigênio em sua escassa atmosfera.

Contudo, acaba de aumentar um pouco a possibilidade de haver vida no planeta vermelho com um novo estudo que sugere que a água salgada que se acredita que possa existir perto da superfície poderia conter oxigênio dissolvido suficiente para permitir formas familiares de vida microbiana. Em alguns casos especiais, poderiam ainda existir quantidades suficientes do elemento para abrigar a vida de animais aeróbicos básicos, como esponjas.

Claro que isso não significa que exista vida em Marte — os cientistas ainda não sabem ao certo se existe água líquida na superfície ou perto dela. No entanto a surpreendente pesquisa, publicada no periódico Nature Geoscience, insinua que talvez o ambiente atual de Marte não seja tão inóspito quanto pensávamos.

“Esse é um aspecto fundamental para o planeta ser habitável; nunca pensamos que aquele ambiente poderia conter tanto oxigênio”, afirma Vlada Stamenković, autor principal do estudo, cientista planetário e físico do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA. “Isso muda completamente nossa compreensão sobre o potencial de vida em Marte nos dias atuais”.

A atmosfera delgada que cobre a paisagem vermelha marciana é basicamente composta de dióxido de carbono, com traços de gás argônio e nitrogênio. Medições realizadas por rovers e espaçonaves na órbita de Marte sugerem que somente 0,145 por cento do ar é composto de oxigênio, que se acredita que seja emitido quando a luz solar quebra algumas das moléculas de dióxido de carbono.

Embora essa seja uma quantidade irrisória de oxigênio se comparada com os quase 21 por cento existentes na atmosfera atual da Terra, há indícios de que algo estranho venha ocorrendo com o revigorante gás no planeta vermelho.

Em 2014, pesquisadores ficaram animados ao descobrir óxido de manganês na superfície de Marte. O manganês é difícil de oxidar e, ao contrário do ferro oxidado que proporciona ao planeta vermelho-ferrugem seu aspecto característico, a formação de óxido de manganês requer a presença de oxigênio ou micróbios, explica Kirsten Siebach, geóloga planetária da Universidade de Rice, que não participou do estudo.

Pesquisadores haviam sugerido anteriormente que esse composto indicaria uma antiga atmosfera marciana repleta de oxigênio. Entretanto Stamenković e seus colegas pensam que possa existir outra alternativa.

Cabo de guerra de oxigênio

Com uma temperatura média de superfície de -62 graus Celsius aproximadamente, Marte não ostenta grandes quantidades de água líquida. Até hoje, não há descobertas confirmadas de poças marcianas—apenas indícios de um subsolo profundo com água. Contudo os cientistas acreditam que possa haver água perto da superfície na forma de salmoura, que é, em essência, água muito salgada.

Quando se acrescenta sais na água, é reduzido levemente o ponto em que a água congela. Então o acréscimo de sais ao gelo marciano—como os sais de perclorato de magnésio e cálcio abundantes na poeira marciana—permite que a água congelada se torne líquida.

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    Por outro lado, sais representam outro problema: quanto mais sal estiver presente, menor o teor de oxigênio na água. Ao mesmo tempo, quanto mais fria a água, mais oxigênio ela consegue dissolver. É um cabo de guerra de oxigênio, em que sais expulsam o gás dissolvido e as temperaturas frias o atraem. Para descobrir qual efeito prevalecerá, os pesquisadores recorreram à modelagem matemática.

    Eles projetaram um modelo que testa essa ideia com seis sais em concentrações altas o bastante para manter a água líquida a temperaturas aproximadas de -133 graus Celsius a 27 graus Celsius. O modelo inclui ainda a pressão atmosférica média marciana em diversos lugares do planeta vermelho.

    Fluidos impressionantes

    De acordo com os resultados obtidos, as salmouras hipotéticas mais frias que o ponto de congelamento da água pura possuem muito mais oxigênio do que é necessário para a sobrevivência de micróbios aeróbicos. E ainda mais: as melhores estimativas com sais de perclorato sugerem que a água teria oxigênio suficiente para abrigar formas de vida mais complexas, como esponjas (da mesma forma, as águas abaixo da camada de gelo de Europa, a lua de Júpiter, podem conter oxigênio suficiente para abrigar formas de vida do tamanho de peixes).

    A equipe calculou ainda o “pior cenário possível”, permitindo uma pequena margem para erros nos fatores calculados de seu modelo. Mesmo nessa situação, todas as soluções salinas contiveram oxigênio suficiente para abrigar formas básicas de vida microbiana.

    “Estamos totalmente estupefatos”, comenta Stamenković sobre a reação inicial da equipe. “Recalculei tudo umas cinco vezes para conferir se era verdade.”

    As possíveis concentrações atuais em Marte são até mais elevadas que as provavelmente existentes nas águas da Terra há 2,35 bilhões de anos, quando os micróbios expeliam oxigênio na atmosfera e a vida na Terra proliferava. E essas concentrações de oxigênio em Marte podem ter persistido por milhões de anos.

    Essas soluções de salmoura seriam um "caldo muito bom para o crescimento de organismos”, afirma Jodi Young, oceanógrafa biológica da Universidade de Washington, que não participou do estudo. Na Terra, explica, existem salmouras oxigenadas resfriadas na rede de fissuras do gelo do mar, onde se pode encontrar uma profusão de vida.

    E o oxigênio dissolvido na água poderia ter ocasionado a formação de óxidos de manganês de Marte mesmo sem uma atmosfera rica em oxigênio. “Nossa explicação não requer nenhuma mágica especial—isso ocorre em Marte hoje”, conta Stamenković.

    Siebach considera inteligente a ideia da pesquisa, porém também adverte que concentrações análogas de oxigênio precisariam já estar presentes na atmosfera marciana bilhões de anos atrás para criar alguns dos óxidos antigos vistos hoje.

    “É difícil saber há quanto tempo existem”, observa ela.

    Cavidades habitáveis ocultas

    Claro, antes de se animarem demais com os atuais micróbios de Marte, os cientistas ainda precisam confirmar se de fato existem hoje bolsões de água líquida no planeta.

    “Mudamos muito de ideia na comunidade científica sobre essa questão,” Siebach afirma com uma risada. Essas poças seriam pequenas e possivelmente só estariam presentes em algumas partes do dia ou em certas estações, afirma.

    Se cientistas de fato identificarem ambientes potencialmente habitáveis, eles não poderão correr diretamente até eles, observa ela. Os líquidos mais ricos em oxigênio estariam presentes na água mais fria dos polos, onde é difícil até para os rovers se manterem aquecidos o bastante para funcionar. E os pesquisadores terão de ser metódicos para prevenir a contaminação de Marte com micróbios da Terra.

    “Se considerarmos que a vida terrestre pode sobreviver nessa salmoura, é justamente por isso que devemos ter mais cuidado para nos aproximarmos dela”, afirma Siebach. Ainda assim, o novo trabalho oferece a possibilidade tentadora de descobrirmos algo vivo em Marte no futuro próximo.

    “Na Terra, o oxigênio foi um fator importante para a evolução”, conta Stamenković, então talvez sua presença em Marte possa propiciar um estímulo à vida em um local de outro modo inóspito.

    “Não fazemos ideia", afirma, "mas me dá esperança para prosseguir e explorar”.

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