Nova terapia na medula espinhal ajuda pacientes com paralisia a andarem novamente

Três pessoas recobraram os movimentos das pernas após um novo tipo de tratamento, que representa o mais recente dentre um conjunto de resultados envolvendo estimulação elétrica.

Por Emily Mullin
Publicado 5 de nov. de 2018, 18:30 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A composição fotográfica ilustra a transição do paciente David Mzee da cadeira de rodas ao andador após os novos tratamentos de estimulação elétrica.
Foto de Hillary Sanctuary, EPFL

TRÊS HOMENS que tinham paralisia da cintura para baixo conseguiram andar novamente após um novo tipo de terapia que utiliza estimulação elétrica, de acordo com um anúncio realizado semana passada por cientistas. Há mais de quatro anos, todos eles haviam sofrido graves lesões na medula espinhal, resultando em pouco ou nenhum movimento nas pernas.

Pesquisadores da Suíça estimularam a medula espinhal desses pacientes por meio da implantação de um dispositivo sem fio que emite pulsos elétricos. Em uma semana, os homens conseguiram levantar e andar com a ajuda de suportes. Após cinco meses de fisioterapia e treinamento com a tecnologia, todos os três conseguiram controlar voluntariamente os músculos das pernas e andar por uma hora sem exaustão muscular.

Os resultados, publicados no periódico Nature, chegam logo após dois relatos, no mês passado, de que terapias semelhantes conseguiram ajudar pessoas com lesões graves na medula espinhal a andar pela primeira vez em anos. Uma equipe da Universidade de Louisville divulgou em setembro que o estímulo à medula espinhal—conhecido como neuroestimulação—permitiu que duas pessoas ficassem em pé sozinhas e andassem com a ajuda de aparelhos, como andadores. Em outro estudo publicado na mesma data, pesquisadores da Clínica Mayo demonstraram ter alcançado resultados parecidos com outra pessoa.

Nos dois primeiros relatos, os implantes foram predefinidos com determinados padrões de estimulação. No último estudo, o autor principal Grégoire Courtine, neurologista do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, desenvolveu um aplicativo de celular para que a estimulação pudesse ser controlada em tempo real com um tablet. Isso permitiu que os pacientes controlassem a terapia em casa, fora do ambiente de pesquisa, afirma Courtine.

Os resultados “estão nos dando muita confiança de que essa solução é viável e que até pessoas com paralisia total podem recuperar movimentos de caminhada”, afirma Chet Moritz, professor associado de medicina da reabilitação na Universidade de Washington, que escreveu um editorial secundário no periódico Nature sobre as descobertas recentes.

Restaurando conexões

A maioria das pessoas não precisa pensar para andar. Nosso cérebro faz o trabalho para nós, enviando mensagens através da medula espinhal—um importante canal de células nervosas—até os músculos das pernas. Esse processo de comunicação é bloqueado em pessoas com graves lesões na medula espinhal porque os nervos ao longo desse canal estão danificados.

Contudo, os cientistas estão confiantes de que essas vias nervosas na medula espinhal podem ser reparadas por intermédio de conexões com certos grupos de células nervosas, chamados circuitos neurais, encontrados na coluna vertebral. Esses circuitos também chegam até os músculos-alvo, porém seus sinais não estão bloqueados pelas lesões, então alguns tratamentos procuram estimular os circuitos abaixo do local da lesão.

“Essas vias neurais geralmente ainda estão intactas e são viáveis”, afirma Chad Bouton, diretor do Centro de Medicina Bioeletrônica do Instituto Feinstein de Pesquisas Médicas de Nova York, que não participou do último estudo. “Se conseguir estimular essas vias, é possível tentar provocar movimentos.”

No estudo de Courtine, os três participantes tiveram 16 pequenos eletrodos implantados na parte inferior da medula espinhal. Cada eletrodo foi colocado com precisão de modo a ativar um grupo específico de músculos das pernas. Os eletrodos foram ligados a um pequeno dispositivo colocado cirurgicamente no abdômen, que gera pulsos elétricos. Esse dispositivo, fabricado pela Medtronic, já está no mercado para estimulação cerebral profunda na doença de Parkinson. Os homens também receberam dois sensores para usar um em cada pé, que produzem estimulação adicional.

Surpreendentemente, mesmo com o estimulador desligado, dois dos três participantes conseguiram controlar sozinhos os músculos das pernas, o que sugere que a estimulação pode estar restabelecendo as conexões entre o cérebro e a medula espinhal, afirma Moritz. A certa altura, pode ser possível recuperar essas conexões nervosas o bastante a tal ponto de não ser mais necessária a estimulação.

“Acreditamos que o estimulador esteja atuando como um aparelho de audição ou amplificador para a medula espinhal”, explica Moritz. “Ele está aumentando o volume, acentuando a excitação dos circuitos espinhais abaixo da lesão”.

Além de andar

No entanto a neuroestimulação para paralisia ainda está nos estágios iniciais e os cientistas não sabem exatamente como ela atua para restaurar os movimentos, conta Kristin Zhao, pesquisadora da Clínica Mayo e autora de um dos estudos de setembro.

“Acredita-se que o cérebro envie um comando para que os membros inferiores se movimentem e que a estimulação esteja possibilitando isso de algum modo”, afirma. No momento, pesquisadores estão conduzindo experimentos com diferentes padrões, comprimentos e intensidades de estimulação para chegar aos melhores resultados.

Courtine e sua equipe utilizaram o tablet para ligar e desligar o padrão de estimulação dependendo da localização dos pés dos participantes em relação ao chão. Eles acreditam que essa estimulação acionada em tempo real possa ser melhor do que uma estimulação contínua. Em um outro estudo também publicado no periódico Nature Neuroscience, o grupo de Courtine descobriu que o segundo tipo de estimulação poderia prejudicar a percepção espacial da pessoa sobre as pernas em relação ao corpo ou o que se conhece por propriocepção.

Embora os resultados sejam animadores, é importante ter em mente que paraplégicos têm outras necessidades que vão além de andar, acrescenta Moritz. Um levantamento de 2004 conduzido por Kim Anderson, professor da Universidade Case Western Reserve, demonstrou que andar não é a maior prioridade para pessoas com graves lesões na medula espinhal. Na verdade, andar ficou em quarto lugar, atrás da função sexual, do movimento intestinal e da bexiga, e da capacidade de controlar a postura corporal.

Felizmente, os tipos de neuroestimuladores que estão surgindo demonstram sinais de que também poderão ajudar a recuperar essas funções. No entanto, por ora, os estimuladores estão sendo utilizados apenas em um pequeno número de pacientes em ambientes de pesquisa. Futuramente, Courtine acredita que esses estimuladores poderão ser mais eficientes na recuperação de movimentos musculares se empregados assim que ocorrer a lesão.

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