Ladrões armados agora buscam estes mariscos valiosos

À medida que a caça ilegal reduz os estoques de abalone selvagem na África do Sul, grupos criminosos começam a roubar fábricas e fazendas.

Por Kimon de Greef
Publicado 16 de nov. de 2017, 12:09 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
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A aplicação da lei sul-africana interceptou esta remessa ilegal de abalone seco, destinada a Hong Kong e avaliada em cerca de R$ 660 milhões, na Cidade do Cabo. O abalone selvagem da costa da África do Sul tem sido tão visado pelos caçadores ilegais que os criminosos agora vão atrás das fazendas de abalones e das fábricas de processamento. 
Foto de Rodger Bosch, AFP, Getty

CIDADE DO CABO, ÁFRICA DO SUL O roubo aconteceu pouco antes da meia-noite. De acordo com a polícia, duas vans pararam em Gansbaai Harbor, um pequeno porto de pesca na região metropolitana da Cidade do Cabo, na África do Sul, e pararam ao lado da calçada em uma fábrica. Mais de 10 homens armados saíram e atravessaram um portão lateral, sequestrando quatro seguranças e fugindo com uma carga de mais de 1,6 toneladas de abalone seco, avaliada em quase R$ 800 mil.

Roubos como esse, que aconteceu no dia 24 de setembro, estão se tornando mais comuns na indústria do abalone da África do Sul, conforme os estoques do marisco diminuem. Abalone é um alimento de status na China, vendido por mais de R$ 600 por quilo junto a outras iguarias marinhas secas, como pepinos do mar e barbatana de tubarão.

Nos últimos 25 anos, de acordo com os dados da Traffic, ONG que monitora o comércio ilegal de vida selvagem, grupos de origem chinesa embarcaram ilegalmente mais de 55 mil toneladas de abalone sul-africano para Hong Kong, o núcleo da indústria. Isso praticamente destruiu a pescaria legal de abalone na África do Sul, que colheu de forma sustentável cerca de 770 toneladas de abalone por ano até o aparecimento dos grupos de caça ilegal. 

Com o aumento da demanda pelo abalone sul-africano na classe média da China, e as unidades populacionais selvagens agora diminuindo drasticamente, surgiu uma próspera indústria de abalones. Agora, o setor de aquicultura é o que mais cresce no país – uma indústria de R$ 240 milhões em 2015. Os mariscos são cultivados em tanques e alimentados com dieta sintética. Quando chegam ao tamanho de venda, pesando de 30 a 250 gramas, são colhidos e exportados vivos, enlatados ou secos.

Abalone é uma iguaria apreciada na Ásia, onde é vendida em mercados, como este em Seul, ao lado de outros peixes e mariscos. A demanda elevou o valor do abalone, e agora agricultores e processadores na África do Sul precisam contratar seguranças para proteger seus produtos.
Foto de Ed Jones, AFP, Getty

Dada à escassez de abalone selvagem, os traficantes começaram a roubar essa cadeia de abastecimento legal, incluindo fábricas e veículos em trânsito.

"Se você tem um recurso selvagem com demanda, e especialistas concordam que isso não vai durar por muito tempo, então você precisa encontrar outra fonte", diz um analista de risco para a indústria do abalone, falando em condições do anonimato. "Essa é outra forma do negócio de caça ilegal".

Cultivadores de abalone na África do Sul – hoje são 13 operações comerciais concentradas na costa sul, perto de Gansbaai – relutam em falar sobre a crescente ameaça da caça ilegal, temendo danos à reputação na China. Os produtores que não podem garantir o transporte seguro do abalone, pago com antecedência pelos clientes chineses, são considerados um passivo no setor.

A maioria dos agricultores contratou empresas de segurança privadas caras para proteger instalações e transportar abalone em veículos blindados, muitas vezes sob escolta armada. Mesmo assim, isso não diminuiu as tentativas de roubo mariscos cobiçados.

Um caminhão que entregava abalone vivo no aeroporto da Cidade do Cabo em janeiro de 2014 foi vítima de uma operação "altamente profissional", de acordo com o analista de risco. Tomando uma saída da rodovia perto do aeroporto, o motorista foi bloqueado por um carro. Um segundo veículo apareceu por trás. Em poucos segundos, homens armados abordaram pelas duas portas. Os ladrões assumiram o controle do caminhão e correram para um município próximo. Uma equipe de resgate os rastreou por GPS e recuperou a carga, mas os ladrões fugiram – a polícia não prendeu ninguém.

Dois anos depois, outro motorista que carregava abalones conseguiu fugir de sequestradores na mesma saída. Ninguém ficou ferido nesses ataques, mas, em abril, um guarda foi baleado no abdômen durante um sequestro e dois ladrões e um guarda ficaram feridos em um tiroteio em julho.

Em um trecho de estrada mais distante da Cidade do Cabo, assaltantes dispararam contra motoristas e tentaram expulsá-los da estrada em três ocasiões distintas, de acordo com o analista de risco.

MARISCOS COMO MOEDA NO MERCADO NEGRO

A semelhança desses roubos com roubos a banco e roubos em trânsito não é coincidência: nas últimas duas décadas, o abalone tornou-se uma moeda forte no mercado negro da África do Sul, trocado em volume por drogas da China, incluindo metanfetamina e suas bases químicas.

"As gangues que controlam o comércio precisam continuar trazendo as drogas, o que significa que eles continuarão procurando o abalone", diz Marcel Kroese, gerente de programa da Traffic e ex-diretor de execução do Departamento de Agricultura, Silvicultura e Pesca da África do Sul,. "Se eles não conseguem tirá-lo do mar, eles vão tentar em outro lugar".

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    A indústria do abalone está prosperando na África do Sul, para onde trouxe mais de R$ 240 milhões em 2015. Há também fazendas de abalone na Califórnia, na foto, bem como na China, Taiwan, Japão e outros lugares.
    Foto de Universal Images Group, Getty

    O abalone tornou-se uma mercadoria tão procurada que os estoques confiscados pelas autoridades sul-africanas também foram roubados. Em outubro de 2015, o departamento de pesca reconheceu que homens armados mascarados dominaram guardas em um armazém do governo da Cidade do Cabo e fugiram com vários sacos. Isso aconteceu pelo menos duas vezes na Cidade do Cabo e uma vez na cidade de Port Elizabeth, também um ponto importante de caça ilegal, diz um consultor que trabalhou com o departamento e pediu para não ser mencionado.

    O departamento de pesca faz o leilão de dezenas de toneladas de abalone confiscadas para subsidiar suas operações anti-caça ilegal. Com até 30% de todo o orçamento financiado pelas vendas de abalone – de acordo com Beverly Schäfer, membro do partido da oposição no parlamento – críticos dizem que o sistema confere ao departamento uma participação financeira na caça ilegal.

    O departamento de pesca não respondeu a perguntas para esta matéria.

    UM ACORDO “SUSPEITO”

    Em dezembro de 2016, Willjarro – empresa com sede em Joanesburgo que opera a fábrica de abalones de Gansbaai, roubada em setembro – assinou contrato com o departamento de pesca para processar 90 toneladas de abalone confiscado em um acordo de mais de R$ 4,3 milhões. Na época, o ministro de Pesca disse que o contrato foi emitido para reduzir o "risco de segurança" de armazenar o abalone nas instalações governamentais.

    Um mês depois, no entanto, após um protesto judicial por uma empresa rival, a Shamode Trading Investments, o contrato foi suspenso.

    Shamode alegou que o acordo era "suspeito" porque Willjarro não tinha experiência na aquicultura ou no setor pesqueiro. Uma investigação forense, encomendada pelo departamento de pesca, encontrou novas irregularidades na aplicação de Willjarro: os documentos do tribunal mostram que a empresa se registrou no departamento apenas um dia antes do concurso ter sido anunciado e não possuía licenças necessárias para processamento ou transporte de abalone. Isso significa que Willjarro nunca deveria ter conseguido o contrato. O departamento iniciou uma investigação interna de corrupção.

    Ao suspender o contrato, o departamento de pesca também revogou uma licença emitida a Willjarro para exportar quatro toneladas de abalone. Willjarro se recusou a devolver o abalone confiscado em sua posse, mais de 33 toneladas. A empresa também ignorou várias ordens judiciais para garantir a consignação. Cerca de 1,6 toneladas desse estoque foram levadas no roubo de setembro e encaminhadas para o mercado negro.

    Willjarro não disponibiliza seus contatos. Um gerente da fábrica disse à National Geographic que responderia a perguntas, mas depois não respondeu a chamadas e mensagens. O único diretor da empresa, Ronald Ramazan, não foi encontrado. Uma empresa pertencente ao filho de Ramazan, Gershom, foi acusada em junho de ganhar um contrato com o governo no valor de mais de US $ 1,5 milhão para fornecer serviços de alívio para seca na província do Cabo Oriental, na África do Sul. Esse contrato foi adjudicado pelo mesmo departamento que gerencia pescarias. Os documentos do tribunal mostram que Gershom Ramazan assinou falsamente como diretor da Willjarro no acordo de processamento do abalone. Ele não respondeu às perguntas da National Geographic.

    A polícia não respondeu a perguntas detalhadas sobre a Willjarro e o assalto a Gansbaai, e não houve prisões desde o assalto. De acordo com o capitão da polícia F.C. Van Wyk, "a investigação continua".

    Além desta saga problemática, a ameaça de roubos aos produtores deve aumentar à medida que os estoques de abalones se concentram mais nas instalações privadas. "Os grupos seguirão o abalone", prevê Kroese da Traffic, citando o assaltante norte-americano Willie Sutton, do século 19: "Eu roubo bancos porque é lá que o dinheiro está".

    Kimon de Greef é jornalista freelancer da África do Sul. Ele está trabalhando em um livro sobre o comércio ilegal de abalones. Siga-o no Twitter.

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