Formigas “paramédicas” resgatam e tratam companheiras feridas

Novo estudo descobriu que as formigas matabele tratam umas às outras com alta taxa de sucesso.

Por Christie Wilcox
Publicado 19 de fev. de 2018, 15:51 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Formigas “paramédicas” resgatam e tratam companheiras feridas
Novo estudo descobriu que as formigas matabele tratam umas às outras com alta taxa de sucesso.

Formigas Matabele, nativas da África subsaariana, sitiam as colônias de cupins que elas comem em abundância, enfrentando potenciais mordidas mortais de grandes cupins soldados que defendem as colônias. Mas o que realmente chamou a atenção do mirmecologista Erik T. Frank em relação a essas formigas foi que elas carregam as suas companheiras feridas para casa após um ataque, uma descoberta que Frank fez em 2017.

Acontece que os resgates nos campos de batalha são apenas parte da história. No ninho, as formigas se revezam para cuidar de suas companheiras feridas. Gentilmente, elas seguram o membro ferido com as suas mandíbulas e patas frontais enquanto “lambem” intensamente a ferida por até quatro minutos cada vez.

Essa descoberta marca a primeira vez que um animal não-humano foi observado tratando sistematicamente os seus feridos. Frank e seus colegas descreveram esse comportamento em um artigo publicado na revista Proceedings of the Royal Society B.

“Eu não achava que as formigas tinham um tratamento para os feridos tão sofisticado ou até que isso fosse necessário”, Frank contou à National Geographic.

A formiga à esquerda trata sua companheira ferida segurando seus membros machucados com as mandíbulas e patas posteriores e lambendo o local.
Foto de Erik Frank, Julius Maximilians Universitat Wurzburg

Frank, que na época da pesquisa era um aluno de doutorado na Universidade de Würzburg, na Alemanha, se perguntou o que acontecia com as formigas feridas uma vez que as suas companheiras a ajudavam debaixo da terra. Na Estação de Pesquisa do Parque Nacional de Comoé, no nordeste da Costa do Marfim, Frank e seus colegas criaram ninhos artificiais com uma cobertura clara para que uma câmera de infravermelho pudesse capturar toda a ação lá dentro.

Eles viram que, uma vez no ninho, as formigas examinam cuidadosamente as suas companheiras feridas, sondando-as com as antenas mais do que o dobro em relação às companheiras saudáveis.

Esse comportamento se provou vital: 80% das formigas gravemente feridas morriam dentro de 24 horas quando eram deixadas sozinhas. Mas se fossem tratadas por suas companheiras de ninho por até uma hora, apenas 10% morriam. Curiosamente, 80% sobreviviam sem tratamento se fossem colocadas em um ambiente estéril, então Frank acredita que as infecções sejam a principal causa de morte e que essa ação de “lamber” pode ajudar a preveni-las.

Enquanto animais são frequentemente observados tratando as próprias feridas, são poucos os relatos de animais tratando um ao outro antes dessa descoberta. Um deles trata de um macaco-prego em cativeiro que cuidou de uma ferida na cabeça de seu filho.

Triagem no campo de batalha

Em seu trabalho anterior, Frank descobriu que as formigas feridas liberam um feromônio que age como um sinalizador, alertando as companheiras que uma formiga foi abatida. Mas dessa vez ele notou uma outra estratégia: elas exageravam as suas feridas. Quando nenhuma ajuda estava a caminho, as formigas feridas iam direto para o ninho. Mas quando as companheiras de ninho estavam perto, elas tropeçavam e caíam para parecerem “mais feridas”, uma forma de atrair ajuda.

As formigas só faziam isso se as suas feridas não fossem muito graves. Formigas gravemente feridas, as que Frank removeu cinco patas e não duas, eram normalmente deixadas para morrer pelas companheiras atacantes no campo e nos experimentos de laboratório. Tal triagem faz sentido, uma vez que ela assegura que as formigas não gastarão os seus recursos cuidando de causas perdidas. As formigas feridas que se recuperam continuam atacando, apesar dos membros perdidos. Frank descobriu que elas representavam mais de um quinto do grupo atacante, apesar de serem somente 5% da colônia total.

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    Até mesmo quando Frank dava o feromônio de resgate às formigas feridas, as companheiras ainda assim as abandonavam. Um vídeo com uma análise cuidadosa revelou o porquê: as formigas saudáveis não se recusavam a resgatar as formigas gravemente feridas. As formigas que estavam morrendo se recusavam a cooperar. Elas debatiam as patas quando tentavam ajudá-las, forçando as ajudantes a abandoná-las. Isso o surpreendeu.

    “Em humanos, em casos onde um sistema de triagem é necessário, a decisão sobre quem receberá ajuda é feita pelo médico: um sistema regulado de cima para baixo”, observou Frank. “Acontece exatamente o oposto com as formigas.”

    Helen McCreery, pós-doutoranda da Universidade Estadual de Michigan, estuda os comportamentos sociais das formigas e achou o artigo empolgante apesar do comportamento ter um sentido evolucionário. “Qual é o sentido de resgatar a sua companheira de ninho se ela não vai sobreviver mesmo?” perguntou. “Ainda assim, quando li que elas traziam as formigas feridas para casa, eu não imaginei que elas cuidariam das feridas.”

    “Há muito ainda para se aprender do porquê, quando e como os insetos sociais podem tentar resgatar uns aos outros”, ela disse. “É bem provável que exista outras espécies de formigas, ou outros insetos sociais, que cuidam de seus feridos.”

    E é algo que Frank, agora um aluno de pós-doutorado na Universidade de Lausanne, na Suíça, está investigando. Ele quer saber se outras formigas têm comportamentos de resgate parecidos. Ele também planeja estudar essas formigas no futuro para ver se esse comportamento previne infecções ou se, na verdade, cura – nesse último caso, as formigas podem ser uma nova fonte de antibióticos.

    Christie Wilcox, Ph.D., é jornalista e escritora de ciência obcecada com os vilões e os seres subestimados da natureza. Siga seu trabalho no Twitter, Facebook e em seu website.

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