Lei que permite caça pode acabar com lobos-vermelhos raros

Especialistas em vida selvagem desaprovam o plano do governo americano que autoriza donos de terras a matarem os animais.

Por Erik Vance
Publicado 11 de jul. de 2018, 11:18 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Restam apenas cerca de 35 lobos-vermelhos na natureza.
Restam apenas cerca de 35 lobos-vermelhos na natureza.
Foto de Robbie George

O lobo-vermelho, que já andou do Texas até Nova Iorque, teve sua população reduzida a 35, encontrado em apenas uma península no leste da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Há alguns dias, o U.S. Fish and Wildlife Service propôs a permissão aos donos de terra de legalmente matarem esses lobos, uma vez que eles saiam de uma pequena área protegida conhecida como Alligator River National Wildlife Refuge.

A proposta foi criticada por especialistas em vida selvagem. A agência “só faltou matar a espécie de uma só vez”, diz Michael Chamberlain, biólogo da University of Georgia que estudou os animais por mais de uma década.

Centenas de anos de captura e caça de lobos-vermelhos no leste dos Estados Unidos reduziram a população até que os animais fossem declarados extintos na natureza em 1980. Sete anos depois, alguns animais foram soltos em um programa experimental de readaptação do refúgio Alligator River, perto de onde os irmãos Wright testaram seus primeiros aviões.

Aconteceu lentamente, e os caçadores e proprietários de terras locais ocasionalmente atiravam em um lobo. Muitos locais não são a favor de sua reintrodução e, à distância, eles parecem com coiotes, que são comumente caçados. Enquanto isso, coiotes estão acasalando com lobos-vermelhos, criando híbridos que modificam o pool genético.

No início deste século, havia cerca de 150 lobos-vermelhos na natureza, mais da metade do que foi considerado necessário para uma população sustentável. Muitos citaram o sucesso da reintrodução do lobo-vermelho como inspiração para criar um programa para lobos-cinzentos no Wyoming e Arizona. O crescimento da população foi creditado a esforços como esterilização de coiotes e medidas legais – matar um lobo-vermelho pode levar a uma multa de 100 mil dólares e até um ano de prisão, apesar dessa lei quase nunca ser aplicada.

“A restauração dos lobos-vermelhos é a primeira história de sucesso na restauração de lobos na América do Norte”, diz Chamberlain, que os estudou por mais de uma década. “É uma grande pena, por vários motivos, que tenha chegado até onde estamos hoje.”

Rebote lento

Em algum momento de 2006, o número de lobos, que vinha aumentando, começou a cair. A taxa de mortalidade quadruplicou em relação à década anterior, e os moradores locais começaram a reclamar que os animais estavam prejudicando a população de veados em terras particulares. Depois de uma série de processos legais, o Fish and Wildlife Service parou de esterilizar coiotes e introduzir filhotes de lobos-vermelhos nas terras próximas ao refúgio. Também começaram a emitir licenças limitadas aos donos de terras que quisessem matar lobos ou coiotes em suas terras.

Essas licenças eram permitidas porque, tecnicamente, lobos-vermelhos não eram mais classificados como uma espécie ameaçada, já que foram reintroduzidos e considerados uma população “experimental”. A Fish and Wildlife diz que foram feitos quase 500 pedidos de licença, mas apenas duas foram dadas e apenas uma resultou em um lobo morto, uma fêmea lactante.

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A população selvagem de lobos, cujo número chega a 35, no máximo, anda por uma área pouco habitada do tamanho de Delaware, apesar de alguns indivíduos irem muito mais longe. Se as mudanças propostas foram aprovadas, esse espaço diminuiria para o tamanho de Chicago. (Há mais 200 lobos presos.)

Apenas cerca de uma dúzia de animais vive no refúgio Alligator River, e o serviço planeja gerenciar intensamente a população para reter sua diversidade genética e comportamento selvagem. As duas dúzias de lobos fora dessa área perderiam suas proteções legais e poderiam ser mortos legalmente. A agência diz que espera introduzir os lobos em outro lugar, mas não especificou onde.

“Vamos voltar ao que tínhamos em 1986 – às terras que podemos controlar. Porque, no momento, não temos acesso às terras particulares”, diz Leopoldo Miranda, diretor regional assistente de serviços ecológicos para o Fish and Wildlife Service. “Estamos nos reunindo e tentando ter o controle sobre a população que está nas terras que controlamos.”

A mudança provocou uma resposta forte. “Se não conseguimos sucesso na Carolina do Norte, o que os faz pensar que conseguiremos em outro lugar?” disse Joseph Hinton, pesquisador da University of Georgia que trabalhou com Chamberlain. “Você acha que esse animal vai ter mais chances de sobreviver no leste do Texas, Mississippi, Georgia ou Alabama?”

Hinton diz que a Fish and Wildlife cedeu sob a pressão política, o que gera um precedente ruim. Miranda diz que não se pode gerenciar sem a colaboração dos locais. Os dois concordam que a região sofreu uma recente mudança na direção dos direitos dos proprietários privados e falta de confiança no governo, o que não teve nada a ver com lobos.

Futuro incerto

Dan Ashe, presidente e CEO da Associação de Zoológicos e Aquários – antigo chefe do U.S. Fish and Wildlife Service – expressou desprazer com a mudança, dizendo em uma declaração que o serviço “está se afastando da população selvagem de lobos-vermelhos.” Mas Ashe diz que sua organização está “preparada para intervir e manter uma população saudável e geneticamente viável sob cuidados humanos.”

Um período de comentários públicos para a lei proposta começou ontem e vai até o fim de julho. Se a lei for aprovada, entrará em vigor a partir de novembro.

É claro que uma preocupação para qualquer população em uma situação parecida é a saúde genética. Lobos-vermelhos já são altamente endogâmicos e sua diversidade genética está a par com uma população gerada a partir de apenas cinco indivíduos (apesar da população original ser de 14 animais). Mas um pool genético limitado não necessariamente significa que uma espécie não terá sucesso. Alguns criam mecanismos para se recuperar de populações pequenas.

Por exemplo, lobos mexicanos – uma subespécie de lobo-cinzento que vivia no México e no sudoeste da América – se recuperou depois de cair para uma população de apenas sete indivíduos, sem causar um surto de doenças genéticas.

Similarmente, lobos-vermelhos não parecem sofrer de doenças genéticas e teoricamente poderiam gerar outras gerações. A diferença é que lobos mexicanos não têm problemas de hibridização. Lobos-vermelhos rapidamente se reproduziram com os coiotes que surgiram em sua área. Na verdade, alguns até dizem que os lobos-vermelhos são nada mais do que um híbrido entre coiotes e lobos-cinzentos, um argumento muito debatido.

Essa incerteza sobre o passado genético – se é um híbrido ou não; qual é a idade da espécie – levou a mudanças nas políticas e deu aos grupos que não queriam proteger a espécie mais munição”, diz Lisette Waits, geneticista da University of Idaho que estudou o genoma do lobo-vermelho.

Seja por causa das políticas, dos caçadores ou da hibridização, o sonho de uma população estável não se realizou e seu futuro parece sombrio. Enquanto os lobos-cinzentos que estão prosperando em Wyoming devem seu sucesso ao sucesso do lobo-vermelho, isso não serve de conforto para aqueles que se dedicaram à recuperação deles.

“A ideia de que eles vão manter [sustentavelmente] uma população de lobos dentro de refúgio é uma loucura”, diz Chamberlain.

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