Cobras canibais: serpentes machos praticam canibalismo com frequência assustadora

Muito embora as cobras sejam conhecidas por comerem outras serpentes ocasionalmente, uma nova pesquisa sugere que esse comportamento é comum – e elas canibalizam seus próprios parentes.

Por Christie Wilcox
Publicado 9 de out. de 2018, 11:16 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
As cobras-do-cabo (Naja nivea) crescem até aproximadamente um metro e meio de comprimento, têm um veneno ...
As cobras-do-cabo (Naja nivea) crescem até aproximadamente um metro e meio de comprimento, têm um veneno potente e foram encontradas envolvidas em canibalismo, comendo membros de sua própria espécie.
Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

SEMPRE SE DIZ que vivemos em um mundo cão. E não são apenas os cães – o canibalismo é comum no reino animal. Mas as serpentes são, geralmente, consideradas uma exceção a essa regra – um grupo de espécies que raramente come sua própria espécie, exceto em épocas de extrema dificuldade.

Esse paradigma parece estar caindo por terra, uma vez que estudo após estudo apresentam evidências de canibalismo entre serpentes. Em um novo trabalho, pesquisadores relatam que algumas das mais conhecidas serpentes da Terra – as cobras – consomem sua própria espécie regularmente.

Quando o herpetólogo Bryan Maritz ouviu a chamada no rádio informando que haviam “duas grandes serpentes amarelas brigando”, ele correu para ver. Maritz, um pesquisador da Universidade do Cabo Ocidental na África do Sul, estava no Deserto de Kalahari em busca de cobras-do-cabo (Naja nivea) e serpente de árvore (Dispholidus typus) para sua pesquisa sobre o uso de recursos desses animais.

Quando ele e seus colegas encontraram as cobras 15 minutos depois, a maior delas estava terminando de engolir sua rival menor. “Ao invés de capturar dois animais de estudo em potencial, nós encontramos um animal de estudo bem alimentado”, Maritz e seus colegas explicam em seu trabalho publicado esta semana na revista científica Ecology. A serpente estava equipada com um transmissor de rádio e recebeu o apelido de Hannibal.

As cobras-do-cabo são predadoras que não têm escrúpulos para comer outras serpentes, inclusive aquelas que já estão mortas. Certamente, muitas espécies de serpente caçarão outras serpentes oportunamente, e algumas — como a infame cobra rei (Ophiophagus hannah) — têm feito das serpentes a maior parte de sua dieta. Mas, na maioria das vezes, acredita-se que essas serpentes servirão de presa para outras espécies, não para sua própria espécie. Então, presenciar esse evento supostamente incomum fez com que Maritz se perguntasse se essa prática, afinal de contas, não era tão rara.

Ele e seus colegas buscaram na literatura científica relatos de canibalismo entre serpentes – denominado pelos cientistas como ofiofagia – nas seis espécies de cobras que vivem no sul da África. Eles também procuraram relatórios feitos por cientistas locais em um grupo público do Facebook.

 “Nós sabíamos que elas comiam serpentes”, diz Maritz. “O que nós não sabíamos era que as serpentes formam uma grande parte de sua dieta”. Eles descobriram que entre 14 e 43 por cento da dieta das espécies consistia de serpentes. As cobras aparentemente gostam de biútas (Bitis arietans), a víbora africana que corresponde a quase um terço das presas de cobras registradas.

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    Uma cobra-do-cabo macho consome um macho menor da mesma espécie na África do Sul, uma amostra de canibalismo que, acredita-se, seja raro entre as espécies.
    Foto de Bryan Maritz

    Mais surpreendente, cinco das seis espécies foram observadas comendo sua própria espécie. As cobras-do-cabo eram particularmente canibais, considerando que membros de sua própria espécie compreenderam 4 por cento das observações de alimentação levantadas nesse estudo. Isso teve destaque, considerando que uma extensa análise realizada 11 anos antes não encontrou evidência de canibalismo nas espécies.

    Luta entre machos

    O que era realmente estranho é que em cada evento de canibalismo que Maritz e seus colegas descobriam incluía cobras-do-cabo machos comendo outro macho. Isso sugere que a prática pode ter se tornado secundária às lutas por recursos ou acasalamento.

    “A conexão possível entre o combate entre machos e o canibalismo é tentadora”, diz Maritz. Reconhecidamente, o conjunto de dados é pequeno, portanto, é possível que as fêmeas também cometam canibalismo. Eles apenas não encontraram qualquer caso dessa natureza.

    A exclusividade dos machos também intriga William Hayes, um especialista em serpentes e ecologista comportamental da Universidade Loma Linda da Califórnia, que diz ter achado o estudo “fascinante”.

    “Talvez estejamos tentados a assumir que os efeitos da ofiofagia nesse grupo são menores, mas eventos relativamente raros podem, às vezes, ter implicações profundas”, diz ele. “Comer um único concorrente pode, na verdade, significar a diferença entre sobrevivência e garantir um acasalamento”.

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    Não é necessariamente surpreendente, no entanto, que essas serpentes aproveitam a oportunidade de consumir uma serpente menor que elas encontrem ou até mesmo vençam em uma batalha, diz Kate Jackson, herpetóloga do Colégio Whitman de Washington que não estava envolvida no estudo. Se você for longo e magro, a maior refeição que cabe em sua boca é alguma coisa longa e magra também, observa ela.

    Jackson — que estudou o mecanismo predatório entre as cobras-rei — conta que ficou “encantada” ao ver esse tipo de trabalho sendo realizado. “Muito do que se sabe sobre a dieta das serpentes na vida selvagem se baseia apenas em listas de itens de presas obtidas dos guias de campo", e não em novas pesquisas, diz ela.

    Jackson observa que o estudo é especialmente importante por causa dos impactos que as cobras têm sobre as pessoas. As cobras estão entre as serpentes mais perigosas da África por causa de seus venenos potentes. Mas as proporções e até mesmo os tipos de toxinas desses venenos podem variar com base no que as serpentes comem, portanto, se as dietas dessas espécies variarem em diferentes áreas, as próprias serpentes podem ter diferentes venenos – e isso pode significar que um antiveneno que salva vidas em uma região pode ser menos eficaz em outra.

    O trabalho sugere que o canibalismo entre serpentes pode ter um grande papel na estruturação das comunidades de serpentes – determinando o tipo e o tamanho das serpentes encontradas em uma determinada área. Isso pode ser observado em uma escala menor em sua área de estudo, em que cobras grandes são conhecidas por atacarem ninhos grandes, colônias de aves tecedeiras. “Visitar esses ninhos pode ser perigoso para cobras menores se eles também atraem cobras maiores – canibais em potencial”, diz ele.

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