Pepinos-do-mar em perigo: iguaria culinária é ‘afrodisíaca’ e pode desaparecer devido à pesca excessiva
Animal é vendido a preços exorbitantes e demanda crescente resultou na propagação da pesca ilegal. Cientistas listaram 16 espécies como ameaçadas, e sete como comprometidas.
Dois mergulhadores marroquinos apoiavam-se nas rochas uma hora antes de o nascer do sol, voltados para o Atlântico cinzento. Suas roupas de mergulho estavam rasgadas e remendadas, seus pés-de-pato colados com fita adesiva. Sem dinheiro para comprar cintos de lastro adequados, os homens usavam faixas grossas de borracha com pesos de chumbo pendurados. Cada um carregava uma grande câmara de ar que seriam usadas como boias no mar.
A maré estava baixa naquela manhã de junho, e a água drenara o recife, expondo um tapete de algas marinhas. Os mergulhadores calçaram suas nadadeiras e mergulharam no oceano, nadando até tornarem-se pequenos pontos distantes.
Os homens estavam colhendo algas marinhas fora da temporada, atividade ilegal no Marrocos, mas amplamente tolerada pelo governo. Os dois receberiam no máximo 60 dólares naquele dia, aproximadamente um quinto do salário mínimo mensal no Marrocos.
Ibrahim Morsli, 35, também estava em busca de pepinos-do-mar, uma iguaria chinesa cada vez mais rara e comercializada no mercado ilegal. O animal maleável e nodoso tornou-se vítima da propagação da caça ilegal que se alastrou em boa parte da costa do planeta, causando um declínio devastador em suas populações.
Pepinos-do-mar são fábricas de nutrientes, ricos em proteína e compostos orgânicos complexos. Eles exercem um “papel ecológico fundamental”, diz Hakima Zidane, bióloga marinha no Instituto Nacional de Pesquisas da Pesca. “Eles são como uma espécie purificadora para o oceano”.
Alimentando-se de restos de alimentos, esses animais passam suas vidas inalando água salgada e expelindo um líquido límpido e sedimentos. Em muitas regiões, seu desaparecimento resultou em águas costeiras mais turvas ou mais poluídas. Em habitats de recife de coral, onde abrandam os efeitos da acidificação do oceano, sua perda tornou o catastrófico branqueamento de corais uma ameaça ainda mais grave.
Apreensivos com o declínio de suas populações no Marrocos, o ministério da pesca proibiu as exportações de pepinos-do-mar em 2010 e começou a aprimorar seus esforços visando impedir o comércio ilegal. Mas o contrabando continua. Pouco tempo antes da minha chegada e do fotógrafo William Daniels em Casablanca, dois chineses foram flagrados no aeroporto com 100 quilos de pepinos-do-mar secos, e multados em 4 mil dólares cada um.
Apesar dos riscos, Morsli estava orgulhoso do trabalho duro que sustentava sua família. “Use meu nome verdadeiro na reportagem”, ele insistiu, logo após nos conhecermos. Seu parceiro de mergulho naquele dia, mais cuidadoso, pediu que utilizássemos o pseudônimo Omar. Ele evitava capturar pepinos-do-mar, disse, explicando que, se fossem pegos pescando-os, poderiam passar seis meses na prisão. (Nas leis marroquinas, as penas para pesca ilegal variam de três meses a um ano de prisão).
“Quando saíssemos da prisão, seria inverno, e não haveria trabalho”, ele me contou. “Sem dinheiro, sua família pode morrer”.
De pé antes do nascer do sol e a tempo para a primeira chamada do muezim para as primeiras preces do dia, Morsli e Omar haviam reunido seus equipamentos e caminhavam para a praia. Sua pequena aldeia pesqueira, Moulay Abdallah, fica a 95 quilômetros de Casablanca, e partindo de seus apartamentos cinzentos e superlotados, centenas de outros moradores também se dirigiam ao mar.
Alguns passariam o dia em seus barcos de madeira, esperando capturar polvos, lagostas, sardinhas e outros peixes. Outros se juntariam a Morsli e Omar em suas boias em alto mar. Os demais, incluindo mulheres e crianças, percorreriam as águas rasas colhendo algas marinhas, conhecidas localmente como ouro vermelho, e os eventuais pepinos-do-mar.
Morsli e Omar estavam a mais de 1,5 quilômetro mar adentro quando Daniels e eu fomos a seu encontro para observá-los trabalhando. Eles apontaram para meu fino colete de mergulho e bermuda, imitaram um arrepio e riram. Morsli tem aparência de galã, com maçãs do rosto acentuadas e corpo longilíneo. Omar é mais moreno, suas pesadas sobrancelhas e barba grosseira dão a ele a aparência de um lutador urbano (coisa que ele não é). Ambos usavam toucas de mergulho, escondendo os cachos embaraçados de Morsli e fazendo com que a cabeça de Omar aparentasse ser perfeitamente redonda. Eles recolocaram suas máscaras e testaram seus snorkels antes de voltarem a mergulhar.
Mesmo a essa distância da terra firme, onde os minaretes das mesquitas erguem-se em miniatura, a água tinha apenas seis metros de profundidade. Alga marinha vermelha crescia em abundância no fundo, flutuando de um lado para o outro com a maré. Os mergulhadores arrancavam punhados cada vez que desciam, agitando nuvens de sedimentos que atraíam peixes oportunistas. De vez em quando, debaixo das algas marinhas, presas gordas e imóveis como salsichas apresentavam um alvo mais lucrativo.
Cada vez que Morsli via um pepino-do-mar, ele o colocava em um pequeno bolso pendurado em sua boia. Após duas horas, ele havia coletado menos de dez. “Esta não é mais uma região boa para pepinos-do-mar”, ele me contou depois. “Eles foram pescados demais”.
“Esses objetos estranhos”
Pepinos-do-mar são equinodermos, assim como os ouriços e as estrelas-do-mar, e há mais de 1,7 mil espécies em todo o mundo. Apenas algumas delas apresentam órgãos sensoriais, mas nenhuma tem cérebro, apenas gânglios nervosos que coordenam seus movimentos. Fundamentalmente sedentários, esses animais são fáceis de capturar, principalmente em águas rasas. Isso os torna vulneráveis para a pesca excessiva e o mercado ilegal.
“Eu não podia acreditar que esses estranhos objetos estavam vivos”, escreveu o naturalista Gerald Durrell sobre o seu primeiro encontro com os animais. “Achava que eram mechas mortas de alguma espécie de alga marinha profunda e estranha, levada pela correnteza para o raso, rolando e ondulando de forma impotente”.
Algumas espécies rastejam utilizando pés tubulares, outras enterram-se na areia como minhocas. Muitas delas apresentam a habilidade de distender suas paredes corporais, permitindo que passem por espaços apertados ou a explodirem-se em vísceras, um mecanismo de defesa contra predadores, antes de fazerem crescer novamente seus órgãos internos, em um processo estudado por cientistas para uso na medicina regenerativa. Eliminá-las dos oceanos restringirá as oportunidades de estudá-las mais a fundo, assim como o desmatamento de florestas tropicais destrói possíveis plantas medicinais.
As aproximadas 80 espécies comestíveis de pepino-do-mar são mais comuns em regiões tropicais, muitas vezes próximas a vilarejos pobres, como Moulay Abdallah. Com o aumento da demanda na Ásia, seus estoques foram exauridos em um terço dos mais de 80 países fornecedores. Os cientistas listaram 16 espécies como ameaçadas, incluindo as de maior valor comercial. Outras sete foram listadas como comprometidas. Das cinco espécies identificadas no Marrocos, de acordo com Zidane, do instituto de pesquisas da pesca, três são espécies comestíveis e cobiçadas por mergulhadores.
Para aqueles que mergulham em busca de pepinos-do-mar sem o equipamento adequado ou instruções, a pesca pode ser desastrosa. Apenas em Moulay Abdallah, disse Ahmed Dahbi, um antigo pescador de pepinos-do-mar que agora é proprietário de um café no bairro comercial da cidade, pelo menos três mergulhadores morreram e muitos mais ficaram feridos.
“Eu fiquei fraco de tanto mergulhar, até que um dia desmaiei”, disse um amigo de Dahbi chamado Ismail, homem muito magro que cambaleia ao caminhar. “Eu era um homem acabado”. Sem poder mais mergulhar, ele disse, agora cozinha e seca pepinos-do-mar para um sindicato de pesca ilegal.
Apesar de tantos anos mergulhando em busca de pepinos-do-mar, Morsli e Omar disseram nunca os ter comido. Aqueles animais não são comida, eles falaram, opinião compartilhada por quase todos – menos um – mergulhadores que conheci. Apenas Tibari Marini, antigo mergulhador do vilarejo de Sidi Abed e atual ativista pelos direitos dos pescadores, diz ter provado suas capturas. Um pescador que conhecia aprendera a preparar os pepinos-do-mar com um comprador asiático no Saara Ocidental.
“Era borrachudo e muito gorduroso”, disse Marini, corando de vergonha. “Depois que comi, fiquei com calor”.
“Ele quer dizer excitado sexualmente” explicou meu tradutor.
“Ginseng do mar”
Desidratado e embalado em caixas ornamentadas, pepinos-do-mar são um alimento de status na culinária chinesa, servidos na comemoração de ocasiões especiais e para homenagear convidados. São populares não apenas na China, mas também em toda a diáspora chinesa: Singapura, Vietnã e Chinatowns nos Estados Unidos, entre outros centros.
As criaturas de corpo macio, que podem variar de dois a 90 centímetros de comprimento, e de um marrom opaco a um vermelho chamativo, são populares na China desde a dinastia Ming, em meados de 1300. Conhecidos como haishen, ou “ginseng do mar”, foram primeiramente considerados medicinais, fazendo originar em sua aparência fálica a crença de que combateriam a impotência e a fatiga. Depois, vieram a ser reconhecidos como um dos quatro tesouros marinhos da culinária cantonesa, ao lado da barbatana de tubarão, do abalone e da bexiga natatória de alguns peixes, como o totoaba. A sopa que contém os quatros ingredientes é conhecida como “Buddha pula o muro”. Seu aroma, conta a história, foi sedutor o suficiente para atrair um monge vegetariano, além de custar mais de 500 dólares por porção.
Quando as nações europeias velejavam em busca de seda, chás e porcelanas chinesas no fim do século 18, e com os chineses expressando pouco interesse em receber produtos ocidentais em troca, os pepinos-do-mar tornaram-se uma ferramenta de troca no comércio internacional. Mercadores europeus começaram a comprá-los no Sudeste Asiático e ao longo do Pacífico, além de outros itens cobiçados na China, como ninhos de pássaros (para sopa), algas marinhas e pérolas.
A demanda por pepinos-do-mar cresceu nas últimas décadas, conduzida pelo crescimento da classe média chinesa. De acordo com um estudo de 2015, entre 1996 e 2011, a quantidade de países exportadores saltou de 35 para 83.
“Mercados globalizados conectam fontes distantes de suprimento a áreas metropolitanas de demanda”, escreveu Hampus Eriksson, autor principal do estudo e cientista de pesca na WorldFish, um grupo de pesquisas sem fins lucrativos com base na Malásia. “A exploração aumenta tão rápido em todo o mundo devido às redes modernas de demanda que a pesca excessiva pode ocorrer antes mesmo que os recursos sejam considerados ameaçados”.
A equipe de Eriksson traçou uma analogia às epidemias, que podem ser transmitidas para longe através de embarcações e do transporte aéreo, e então difundidas localmente. “A rapidez e conectividade global da rede de comércio mundial” representa um risco crescente mundialmente, eles salientaram, criando um novo termo para o fenômeno: “exploração contagiosa”.
No início dos anos 2000, comerciantes ao longo da costa leste africana exportavam milhares de toneladas de pepinos-do-mar anualmente. Com os estoques reduzidos, o foco migrou para as águas da África ocidental, incluindo o Marrocos. Em muitos países fornecedores, a trajetória seria parecida. Uma expansão desenfreada seguida de esgotamento, e a transferência das exportações para o mercado negro.
Em 2001, autoridades das Seicheles prenderam 110 pescadores por pesca ilegal de pepinos-do-mar. Em 2012, em uma área marinha protegida do Madagascar, uma patrulha flagrou 80 mergulhadores com pepinos-do-mar, apreendendo 48 cilindros de mergulho e uma lancha.
Em todo o mundo, o comércio caiu nas mãos das “máfias de pepinos-do-mar” diz Marcel Kroese, da Traffic, a organização sem fins lucrativos que monitora o tráfico de flora e fauna silvestre. Na Ásia, as notórias gangues Yakuza do Japão entraram à força no mercado. Traficantes de marfim da cidade de Shuidong, no sul da China, reveladas por uma operação secreta da Agência de Investigações Ambiental publicada em 2017, estabeleciam suas redes de comércio através da importação de pepinos-do-mar. No México, grupos rivais de pesca ilegal começaram a entrar em conflito, com ao menos um barco em chamas e relatos de tiros no mar.
Pepinos-do-mar não rendem muito dinheiro a mergulhadores locais como Ibrahim Morsli, mas podem trazer grandes quantias para os comerciantes do topo da cadeia, acompanhadas, às vezes, de multas pesadas. Em setembro, Hoon Namkoong, um morador de Seattle, em Washington, nos EUA, foi multado em 1,5 milhão de dólares por exceder as quotas legais de pepino-do-mar e condenado a dois anos de prisão. Também em setembro, um homem de San Diego, na Califórnia, foi multado em quase um milhão de dólares pela compra e venda ilegal de pepinos-do-mar provenientes do México.
O primeiro registro oficial de exportação de pepinos-do-mar a partir do Marrocos, em 2001, baseia-se em informações contidas nos registros de importação de Hong Kong, um grande centro para o comércio de frutos do mar secos da China. De acordo com Ahmed Dahbi, proprietário do café, foi nesse ano que os primeiros compradores chineses chegaram a Moulay Abdallah perguntando sobre os pepinos-do-mar.
Os marroquinos ficaram perplexos. “Não entendíamos por que os chineses os queriam” disse Dahbi. “Soubemos apenas depois que eles acreditam ser um afrodisíaco”.
No início, explicou Dahbi, os pepinos-do-mar rolavam nas águas rasas em tamanha abundância que era difícil não os esmagar com os pés. Percorrendo as proximidades da costa, era possível coletar mais de mil em uma única manhã.
A pesca próspera e irregular resultou em uma nova fonte de renda para os moradores locais, mas não demorou até que as populações despencassem em lugares como Moulah Abdallah e Sidi Abed. De acordo com o ativista Lahcen Dalil, a expansão então migrou para o disputado território do Saara Ocidental, onde grupos de pesca ilegal em lanchas de alta velocidade conseguem capturar toneladas de pepinos-do-mar em apenas uma noite.
A conexão abalone
Em 2005, a indústria de pepinos-do-mar do Marrocos recebeu um estímulo inesperado de um grupo de pescadores de abalone da África do Sul. (O abalone, um carnudo molusco marinho, também é altamente prezado na culinária chinesa). Um dos homens, um lutador de artes marciais que pediu para ser chamado de Ali para sua segurança, emigrara para a Cidade do Cabo, tornando-se o braço-direito em um esquema de extorsão local. Outro membro do grupo, um mergulhador sul-africano identificado como Shuhood, pescava abalones ilegalmente há anos.
Até o início dos anos 2000, de acordo com a Traffic, sindicatos haviam contrabandeado mais de 55 mil toneladas de abalone da África do Sul, dizimando as populações locais. O governo começou a pressionar contra a pesca ilegal. Shuhood havia sido solto sob fiança em dois casos de pesca ilegal, e sabia que seria preso caso fosse pego novamente.
Em uma manhã antes de mergulharem juntos, Ali comentara com Shuhood que havia grupamentos de abalone no Marrocos que ainda não haviam sido explorados por ninguém. Sem fiscalização, disse Ali, seria possível “trabalhar basicamente de forma legal”. (Apenas anos depois as autoridades começaram a fiscalizar a pesca de abalones).
Através dos contatos de Shuhood, eles marcaram uma reunião com Russel Jacobs, um dos contrabandistas de abalone mais poderosos da África do Sul. (Jacobs tinha ligações com cartéis de drogas locais e com a máfia chinesa, que controlava a indústria ilegal de abalone na África do Sul, de acordo com a polícia). Por uma participação nos lucros, Jacobs concordou em viajar com os homens para Casablanca e exportar seus abalones para Hong Kong, disse Shuhood.
Como já era esperado, os mergulhadores encontraram abalones no Marrocos, mas o molusco era pequeno demais para a venda, quase do tamanho de uma castanha quando secos. A viagem parecia um fracasso até que Shuhood avistou os pepinos-do-mar nos corais. Ele lembrara vagamente de um documentário que dizia que os animais também estavam em grande demanda na China. Assim, trouxe alguns para a superfície e compartilhou a ideia com Jacobs, que enviou uma mensagem para o seu comprador em Hong Kong.
De acordo com Shuhood, ele recebeu a resposta imediatamente: Mande o máximo que conseguir.
Nesse momento, o grupo já havia chegado à Ouleedia, uma pequena cidade a 95 quilômetros de Moulay Abdallah. Os mergulhadores locais de algas marinhas nunca haviam pescado pepinos-do-mar, mas estavam ávidos por mais trabalho, Shuhood me contou. Os sul-africanos ofereciam a eles um pouco mais do que o preço das algas marinhas e, dentro de uma semana, os mergulhadores já haviam capturado mais de uma tonelada de pepinos-do-mar.
Os sul-africanos cozinharam e secaram a mercadoria em um apartamento alugado, seguindo as instruções de Hong Kong. Ali preparou o primeiro lote para exportação, declarando a carga como frutas secas. O primeiro embarque foi um sucesso, mas as autoridades aduaneiras de Casablanca confiscaram o seguinte. Logo depois, contou Shuhood, os homens desistiram e voltaram para a Cidade do Cabo, onde voltaram a pescar abalone ilegalmente.
Shuhood foi preso no ano seguinte e condenado a 18 meses de prisão. Enquanto preso, começou a escrever sobre suas experiências com pesca ilegal. (Quando nos conhecemos, mais de uma década depois, começamos a trabalhar em um livro juntos). Ali, o marroquino, migrou para outros tipos de crime organizado. Jacobs expandiu seu império de contrabando, mas foi assassinado em 2017. Seus assassinos, supostamente ligados a chefões rivais, continuam soltos.
Enquanto isso, em Ouleedia, os mergulhadores haviam encontrado novos compradores para seus pepinos-do-mar. Hoje, diz Morsli, os pepinos-do-mar de Ouleedia “acabaram”.
Recompensas do dia
Ao fim do dia de mergulho, Morsli e Omar haviam coletado quase 160 quilos de algas marinhas cada, aglomeradas em enormes redes sob as boias. Morsli também tinha mais ou menos 30 pepinos-do-mar em seu bolso, pesando aproximadamente dois quilos. Depois de seis horas no mar, os dedos dos homens estavam inchados e enrugados. Levaram 45 minutos para transportarem a nado suas cargas para a costa.
Na praia, agora sob um calor escaldante depois do sumiço das nuvens matutinas, a esposa e a mãe de Morsli embalavam as algas marinhas em grandes sacos, carregando-os em um carrinho de mão na estrada. Os pepinos-do-mar, avaliados em no máximo oito dólares, foram rapidamente escondidos. A esposa e a mãe de Omar também carregavam seu próprio carrinho. Outros mergulhadores ao longo de toda a costa carregavam sacos de algas marinhas em burros, equilibrando-os em selas rústicas.
On the beach, blazing hot now that the morning clouds had burned off, Morsli’s wife and mother packed the seaweed into large sacks, lugging them up to a handcart at the road. The sea cucumbers, worth less than eight dollars, were quickly hidden away. Omar’s wife and mother were loading a cart of their own. Other divers up and down the coast were hauling sacks of seaweed away by donkey, balancing them on hessian saddles.
Both families headed for an unfinished housing project at the edge of Moulay Abdallah. They spread armfuls of seaweed out to dry on the road between vacant plots, and it soon looked as if the tarmac had sprouted red fur. Omar’s mother, in her 70s, worked barefoot despite the heat, sweating as she moved back and forth from the cart. “We work until we die,” she said with a weary laugh.
Afterward, Daniels and I visited Omar at home, a narrow, two-story building of bare concrete bricks. In a small downstairs room, hidden behind a curtain, he showed us a giant mound of dried seaweed. As soon as the legal seaweed season opened, in July, Omar said, he would sell the stockpile to a middleman supplying Morocco’s biggest seaweed factory. He expected to earn about $530. Normally that would be enough to feed his family for nearly two months, but there were water and electricity bills to pay, as well as a debt of more than $120 to the grocer. Omar’s young sons needed new clothes, and his parents needed diabetes medication. “The money flies,” Omar said, pressing his fingers to his brow.
His seaweed would be processed into agar, an inert, flavorless gel used for growing microbial cultures and in a range of industries, including food processing and cosmetics. Until recently, Morocco was the world’s biggest supplier, with annual harvests exceeding 15,000 tons. In 2010, however, with seaweed becoming scarcer, the government reduced legal quotas and restricted exports, leading to global shortages.
Ambas as famílias se dirigiram a um projeto habitacional inacabado na periferia de Moulay Abdallah. Eles espalharam grandes quantidades de algas marinhas para secar na estrada entre os lotes vagos, e logo parecia que o asfalto havia germinado tufos de pelos vermelhos. A mãe de Omar, de 70 anos, trabalhava descalça apesar do calor, suando enquanto andava de lá para cá do carrinho. “Trabalhamos até morrer” ela disse, com uma risada fatigada.
Depois da descarga, Daniels e eu visitamos Omar em sua casa, um edifício estreito de dois andares com tijolos aparentes. Em um pequeno cômodo do andar de baixo, escondida atrás de uma cortina, ele nos mostrou uma enorme pilha de algas marinhas secas. Assim que a temporada legal de algas marinhas começasse em julho, disse Omar, ele venderia seu estoque para um intermediário, fornecedor da maior fábrica de algas marinhas do Marrocos. Ele esperava receber por volta de 530 dólares. Normalmente, isso seria suficiente para alimentar sua família durante dois meses, mas ele tinha contas de luz e água a pagar, além de uma dívida de mais de 120 dólares com o dono da venda. Os filhos pequenos de Omar precisavam de roupas novas, e seus pais precisavam de medicamentos para diabetes. “O dinheiro voa” disse Omar, pressionando os dedos contra a testa.
Suas algas marinhas seriam processadas e transformadas em ágar, um gel sem sabor utilizado no cultivo de culturas microbianas e em diversas indústrias, incluindo a de processamento de alimentos e cosméticos. Até recentemente, o Marrocos era o maior fornecedor do mundo, com colheitas anuais de mais de 15 mil toneladas. Mas em 2010, com a escassez cada vez maior das algas marinhas, o governo reduziu as quotas legais e restringiu as exportações, resultando em uma escassez mundial.
A casa de Morsli, logo na esquina, era menor que a de Omar, mas melhor equipada, com uma máquina de lavar, um grande guarda-roupas no quarto e grossos tapetes cobrindo o chão. Quando chegamos, os pepinos-do-mar, que aumentariam irrisoriamente sua renda, já haviam desaparecido para dentro de uma geladeira, onde permaneceriam até que seu comprador ligasse.
Apesar de “difícil e perigoso”, capturar pepinos-do-mar valia a pena o risco, disse Morsli. Para sustentar sua família, ele precisava de todo o dinheiro que conseguisse ganhar. “A situação no Marrocos está assim” ele explicou, brincando com o cabelo de seu filho e filha, de nove e quatro anos. “Se quiser proteger o mar, você não viverá. E se quiser viver, você precisa explorar o mar”.
“Uma oportunidade comercial muito importante”
Hakima Zidane é a autoridade responsável por determinar o nível sustentável para exploração de pepinos-do-mar no Marrocos. Pepinos-do-mar são considerados “oportunidades comerciais muito importantes”, ela disse, e o governo planeja ampliar a indústria. “Nosso trabalho é promover uma exploração equilibrada”.
Não é uma tarefa simples. Em 2012, quando as análises das populações começaram, pepinos-do-mar já haviam alcançado um nível avançado de exploração, de acordo com Zidane e mais de uma dúzia de pescadores com quem conversei. Enquanto isso, a pesca ilegal tornava difícil a tarefa de estabelecer dados de referência para a definição das quotas.
No ano passado, o departamento de pesca desenvolveu um plano de controle para os pepinos-do-mar, que incluía um programa teste de colheita. A pesca é organizada em cinco regiões costeiras, cada qual com seus próprios limites. A quota total somava apenas 500 toneladas no primeiro ano.
De acordo com o plano, a pesca só pode ser realizada do nascer ao pôr do sol, e mergulhar com barcos ou qualquer tipo de equipamento respiratório é proibido. Regras rigorosas regem aqueles que compram, processam e exportam os animais. Tais regulamentações pretendem “garantir a exploração racional dos pepinos-do-mar” observa o documento governamental divulgado no ano passado.
Mas a pesca ilegal continua. Nos corredores de um mercado nacional de peixes em Casablanca, o policial responsável pelas patrulhas marinhas explica a dificuldade em aplicar as leis. Como não recebeu permissão oficial para conversar comigo, uma vez que o Marrocos é um estado autoritário, ele insistiu pelo anonimato.
“Quando vemos a situação dos pescadores e suas famílias, sabemos que seria muito pior se eles fossem presos” ele disse. Recentemente, ele tentou confiscar peixes sendo vendidos ilegalmente em um mercado lotado a céu aberto em Casablanca, e o comerciante o ameaçou com uma faca. Outra vez, um pescador de pepinos-do-mar que flagrara no mar despejou gasolina em sua cabeça, assim como o vendedor de frutas tunisiano que deu início à Primavera Árabe, em 2010, e ameaçou atear-se fogo.
“As pessoas são pobres e estão com raiva” disse o policial. “Você precisa saber quando deve olhar para o lado e fingir que não viu. Não podemos pressionar tão forte”.
Em uma pequena enseada perto de Sidi Abed, Daniels e eu encontramos dúzias de moradores colhendo algas marinhas. Crianças corriam descalças ao longo da costa de pedras pontiagudas. No raso, mulheres vestidas com hijabes e vestidos longos se agachavam na água para coletar tufos de alga marinha, guardando-as em suas saias costuradas. Mais ao fundo, homens jovens mergulhavam alternadamente, coletando o máximo de algas marinhas que conseguissem. Nós observamos quando um garoto com não mais de doze anos, a poucos metros da costa, apanhou um pequeno pepino-do-mar. Segurando-o com cuidado, andou em direção à sua mãe e entregou o animal para ela, girando e voltando mais uma vez para o mar.