Relato chocante descreve imensa rede de comércio ilegal de tartarugas
Uma série de recentes operações policiais resultou em dezenas de prisões e na apreensão de milhares de répteis.
Num elegante quarto de hotel em Kuala Lumpur, um homem de 35 anos de idade, de camiseta escura com os botões abertos, sorri. Portando duas malas recheadas de 55 tartarugas vivas, planeja fazer uma venda.
Ele observa o cliente, um homem de shorts e tênis, examinar cuidadosamente os répteis que andam pelo tapete do hotel.
Bakrudin Ali Ahamed Habeeb postou no Facebook, sete meses antes, que tinha répteis para vender, dando início a uma enxurrada de mensagens e negociações. Agora, Habeeb só precisa provar que os animais estão em boa saúde para poder repassá-los ao comércio de animais exóticos.
É maio de 2017, e ele aguarda receber pelo que será um grande negócio.
No momento em que o visitante deixa o quarto, em teoria para chamar um colega, Habeeb nem levanta o rosto para olhar. Mas, minutos mais tarde, agentes do departamento de parques e vida selvagem da Malásia invadem o quarto. O pretenso comprador era, na verdade, um agente infiltrado da Comissão de Justiça para a Vida Selvagem, organização sem fins lucrativos de Haia que trabalha para descobrir as redes criminosas por trás do comércio silvestre ilegal. Autoridades locais estavam esperando no quarto ao lado para flagrar Habeeb realizando a venda ilegal de tartarugas-manchadas-asiáticas, encontradas na Índia, Paquistão e Bangladesh, cujo comércio internacional é proibido em função da designação da espécie como protegida na legislação internacional.
Com base nas evidências apresentadas pela Comissão de Justiça para a Vida Selvagem e descritas em relatório publicado em 6 de dezembro, Habeeb—cidadão indiano, que já vinha há muito tempo contrabandeando répteis da Índia à Malásia—foi condenado a 24 meses de prisão. Ele foi uma das 30 pessoas presas ao longo dos dois anos de uma investigação realizada pela comissão sobre o contrabando de répteis.
A investigação levou à apreensão de mais de 6 mil tartarugas e jabutis—muitos deles em ameaça de extinção. Trinta pessoas foram presas pelo contrabando desses répteis na Malásia, Índia e Bangladesh. Cinco dessas pessoas, todas na Malásia, já foram condenadas e estão cumprindo pena em prisões.
No caso mais extremo, "foram apreendidas mais de mil tartarugas-estreladas-indianas numa operação policial em Kuala Lumpur, com a prisão de duas pessoas", diz Sarah Stoner, gerente-sênior de investigações da Comissão de Justiça para a Vida Selvagem e principal autora do relatório. Um desses homens está cumprindo pena de 24 meses de prisão. O outro não compareceu em juízo, havendo um mandado de prisão contra ele.
As investigações da comissão concentraram-se principalmente no Sudeste Asiático, o destino comercial de muitas dessas tartarugas e jabutis, mas também cobriram áreas longínquas como Camarões e Países Baixos. Ao todo, de acordo com a comissão, as tartarugas ofertadas aos agentes valiam US$3 milhões no atacado e muito mais no varejo.
Dezenas de investigadores, analistas e agentes infiltrados descobriram que, na maioria dos casos, as tartarugas e jabutis eram contrabandeados da Índia, Paquistão e Madagascar para compradores da China continental e de Hong Kong. Entre as principais espécies ofertadas estavam aquelas consideradas vulneráveis por conta de seus números cada vez menores, como é o caso da tartaruga-estrelada-indiana e da tartaruga-manchada-asiática. Também foram oferecidas aos investigadores mais de 1,5 mil tartarugas irradiadas—espécie nativa de Madagascar considerada em grave ameaça de extinção cujo comércio é proibido na Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, o acordo que regulamenta o comércio silvestre.
O relatório revelou ainda detalhes da escala e coordenação da corrupção que entremeia essas negociações. Foram apontados os aeroportos pelos quais os animais eram mais traficados, assim como as fontes locais de alguns dos répteis. Para fazer esse trabalho, o grupo utilizou-se dos planos que os contrabandistas compartilharam com os "compradores" da comissão—que descreviam a movimentação dos produtos de uma área para outra—e os cruzou com a inteligência obtida nos escassos registros de prisões naqueles pontos de trânsito, confirmando que provavelmente alguém recebia para fazer vista grossa.
“Todo mundo entende que os crimes contra a vida selvagem ocorrem por conta da corrupção” afirma Sarah Stoner, “mas nós queremos divulgar essas informações para que as pessoas com maior influência possam combatê-los em níveis mais altos”.